Um sócio na América

Tenho um amigo que sempre sonhou em morar nos Estados Unidos. Apesar de ser empresário em Franca, casado e com filhos, mantinha a vontade de “fazer a vida na América”.

09/12/2018 | Tempo de leitura: 4 min

Tenho um amigo que sempre sonhou em morar nos Estados Unidos. Apesar de ser empresário em Franca, casado e com filhos, mantinha a vontade de “fazer a vida na América”. No final do ano passado, encontrou um conhecido num evento casual. Não tinha grande proximidade, mas num bate-papo, o sujeito disse para ele que estava de mudança para Orlando, a terra da Disney, na Florida. O sujeito disse que eles poderiam ser sócios. “Não tenho dinheiro”, disse meu amigo. “Você paga sua parte com trabalho. O investimento, faço eu”, disse o “abençoado” interlocutor. Diz o ditado que cavalo arriado não passa duas vezes. Após alguns dias, a resposta do meu amigo seria óbvia. “Vou com você. #tamojunto”. O plano? Montar um espetinho na capital mundial dos parques de diversão.

Semanas depois, meu amigo se despediu da família e embarcou com bilhete só de ida rumo a Orlando. O sócio tinha ido na frente e alugado uma casa. Estava à sua espera. Foi buscá-lo no aeroporto. Pararam num Walmart para que meu amigo comprasse roupas de cama, de banho, etc. Quem emigra não quer luxos. Foi direto nos mais baratos. O sócio o repreendeu. “Pega esse da Ralph Lauren”, disse, em tom imperativo. “Mas é quatro vezes mais caro”, assustou-se meu amigo. Sorrateiramente, o sócio tirou a etiqueta do mais barato e trocou pela do mais caro. Passou no caixa. Meu amigo, atônito, quase entrou em desespero. Estava há menos de três horas nos Estados Unidos e já tinha cometido um crime. “Vou ser deportado”, pensou.

No caminho para “casa”, o sócio tentou acalmá-lo. “Isso não é nada”. Contou então que, para conseguir alugar o imóvel, tinha criado um site falso de uma empresa que não existia, onde era funcionário, obviamente, fantasma. Colocou o próprio telefone como se fosse o “patrão”. Quando a imobiliária ligou para tirar as referências, ele mesmo disse como era um funcionário “exemplar”, que estava “há muitos anos” nos Estados Unidos. E que a imobiliária podia alugar, sem preocupações. Meu amigo, ainda mais atônito, desesperou-se. “Agora, sou cúmplice de mais um crime”.

Ainda que desconfiado, instalou-se e começou a preparar terreno para o “negócio”. Identificou o ponto, na International Drive, estimou custos com móveis, equipamentos de cozinha, churrasqueiras, custos legais. “Vamos conquistar todo mundo com nossos espetinhos”, apostava. “Fica tudo em US$ 40 mil”, disse ao sócio. “Pois é, mas você precisa entrar com sua parte”, rebateu. “Mas eu te disse que não tinha dinheiro”, argumentou meu amigo. “E eu só tenho US$ 20 mil”, disse o parceiro, colocando fim à discussão.

Incansável, meu amigo foi atrás de uma alternativa. Conversando com um colombiano que tinha um food truck (trailer que vende comida na rua), descobriu que podia reduzir muito o investimento se partisse para este caminho. Correu atrás, fez mais contas e chegou a um número: US$ 17 mil. Com este valor, daria para comprar o food truck e sair vendendo seus espetinhos com tempero tipicamente francano para alegria dos turistas e dos floridians (residentes na Florida). Como o sócio havia dito que tinha US$ 20 mil, considerou o problema resolvido. Partiu para o abraço. Errou. De novo.

O sócio, sem maiores explicações, refugou mais uma vez. A desculpa foi a mesma. “Tenho a minha metade. Mas você precisa entrar com a sua”. Inconformado, meu amigo retrucou. “Você sabia que eu não tinha grana. O combinado era que eu entrasse com trabalho”, esbravejou. “Pois é, mas só tenho metade”, rebateu o sócio. “E ainda tenho que resolver o problema do meu visto”, disse o enroladíssimo investidor. “Como assim?”, quis saber meu amigo. “Entrei com visto de estudante e agora tenho que frequentar um curso ou me casar com alguém que esteja em situação regular aqui”, disse o aprendiz de estelionatário. Meu amigo achou que era hora de desistir. De duas, uma: ou o cara era golpista ou era doido. Ligou para sua mulher no Brasil e pediu que emitisse uma passagem para que retornasse. O voo seria na semana seguinte.

Enquanto esperava, resolveu “ajudar” o sócio na sua nova empreitada. Fazer marmitas. Para o “teste”, o investidor comprou logo R$ 1,2 mil em ingredientes. De arroz, devia ter uns 10 kg. Comprou também um dólmã (uniforme de chef). E embalagens de 2kg “para viagem”. Meu amigou ficou aterrorizado. “Você tá louco? É muita comida”, esbravejou. Não adiantou. O sócio, “expert em tudo”, garantiu. “Aqui é assim. Você vai ver”. No dia seguinte, foram cozinhar. Produziram várias marmitas. Não venderam nenhuma.

Numa quinta-feira de março, meu amigo embarcou de volta num voo com destino a São Paulo. A experiência, que deveria ser definitiva, reduziu-se a um tour de 18 dias. E o sonho? Continua. Meu amigo tem certeza de que há muitas oportunidades para quem deseja empreender por lá. Mesmo que seja para vender espetinho para gringo. Agora, com os pés no chão e sem parceiros tresloucados, está juntando dinheiro pra financiar sua segunda tentativa. Quer ir já com a família e os filhos. E sem parceiros destrambelhados.

E o sócio? Semanas depois, retornou ao Brasil. Não fez mais espetinho, nem food truck, nem marmitas, nem coisa nenhuma por lá. Dizem que foi visto aqui em Franca com o dólmã preto num restaurante da cidade. Tem “grandes projetos” para impulsionar o lugar. Está à procura de um parceiro. Alguém interessado?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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