Fake World

A mentirada não parte de um lado só nem tem um alvo só. É endêmica, atinge todos (...).

21/10/2018 | Tempo de leitura: 3 min

Estamos a uma semana da eleição presidencial. Diferente do que aconteceu há quatro anos, quando até o final da apuração ninguém sabia se a vitória seria de Dilma Rousseff (PT) ou de Aécio Neves (PSDB), tudo caminha para consagrar, com folga, Jair Bolsonaro (PSL) como o próximo presidente da República. 
 
Apesar da folga pró-Bolsonaro, isso nem de longe implica dizer que a campanha tenha sido tranquila ou propositiva. Parafraseando Lula, o encarcerado e encalacrado ex-presidente da República e do PT, “nunca antes na história deste país... se mentiu tanto”. É tanta desinformação, manipulação e acusações travestidas de “notícias”, disseminadas especialmente por meio de correntes e grupos de Whatsapp, que o desafio não é mais separar o joio do trigo. É tentar, pelo menos, entender o que é o joio e o que é trigo. Não é fácil.
 
Um estudo realizado pelos professores Paulo Ortellado (USP) e Fabrício Benvenuto (UFMG), em parceria com a Agência Lupa, especializada em checagem de informação, traduz em números o tamanho do absurdo. A partir de milhares de fotos compartilhadas em 347 grupos públicos de Whatsapp, os professores identificaram as 50 imagens mais recorrentes. Destas, apenas 4 imagens eram verdadeiras – as outras 46 eram montagens, pessoas que não correspondiam à identificação atribuída pelos grupos ou estavam utilizadas fora de contexto.
 
A imagem campeã de compartilhamentos trazia o falecido líder comunista cubano, Fidel Castro, ao lado de uma mulher que diziam ser Dilma Rousseff. É uma foto antiga, em preto e branco. Os comentários, obviamente, tentam vincular a pecha de comunista e aliada de Cuba à deposta ex-presidente brasileira. As alegações podem até ter sido verdadeiras em algum momento da história, mas a foto, não é. A imagem foi feita em 1959, em Nova Iorque, quando Dilma Roussef tinha... 11 anos. Era ainda criança. Jamais poderia ser a mulher crescida que, em comum com Dilma, tem apenas a fisionomia semelhante.
 
Uma outra imagem justapõe cinco presidentes do regime militar. Em tom de provocação, diz que os “ditadores” da foto “não compraram fazenda, não tinham conta na Suíça (...)”. Completa o texto a “informação” de que eles teriam sido responsáveis por construir 20 das 22 usinas hidrelétricas do Brasil. Pode até ser verdade que, comparado aos padrões da cleptocracia tupiniquim de hoje, os generais da ditadura militar tenham tido vida modesta, mas é absolutamente mentirosa a informação de que construíram 95% das usinas hidrelétricas nacionais. O Brasil tem 218 usinas - e não, 22. Cerca de 45 delas foram construídas no período ditatorial, o que corresponde a 20% do total. Muito menos, portanto, do que se alardeou.
 
A mentirada não parte de um lado só nem tem um alvo só. É endêmica, atinge todos os candidatos, não poupa ninguém. Não apenas espalhou-se, como também incrustou-se como um maldito hábito. Indiferentes à realidade, milhares de brasileiros repassam o que lhes chega sem a menor preocupação em verificar se aquilo é verdade ou mentira, se é real ou inventado. 
 
Não é apenas ruim, como também é extremamente perigoso. Uma artilharia dessas tem potencial não apenas para destruir um indivíduo, um partido, um governo. Pode mudar, no extremo, o nosso próprio modo de viver, nossas garantias mais elementares, nossos direitos mais sagrados. É um mal que precisa ser combatido com rigor. Antes que as fake news se transformem em fake world. O risco é grande. Demais. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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