Sempre tem um idiota

O candidato Jair Bolsonaro é vítima. Nada muda o fato de que alguém tentou matá-lo.

09/09/2018 | Tempo de leitura: 5 min

Três dias depois do atentado da rua Halfeld, o local em Juiz de Fora onde o candidato a presidente da República, Jair Bolsonaro, foi atingido com uma facada, milhões de brasileiros seguem em busca de uma explicação para o que aconteceu. Neste mundo de conexões instantâneas, as mais diversas “teorias” se multiplicaram na velocidade da luz. Tem para todos os gostos – ou, talvez seja mais apropriado dizer, para todas as loucuras.
 
A primeira, seguramente a mais improvável de todas, postula a sandice de uma “armação”. Segundo seus seguidores, a facada teria sido um truque cenográfico. As “provas”: a ausência de sangue; o volume de seguranças que nada teriam feito para impedir o ataque, pois estaria tudo “combinado”; e até a rápida transferência de Bolsonaro para um hospital em São Paulo, onde ficaria “protegido” da exposição pública.
 
O fato do ataque ter sido filmado por dezenas de pessoas; de serem nítidas as imagens que mostram a facada e, na sequência, a expressão de dor do candidato; a imediata prisão do acusado, que confessou o crime; a cirurgia de três horas a que foi submetido Bolsonaro; e os extensos boletins médicos, reforçando a gravidade da situação, nada disso parece suficiente para tirar da cabeça de um grupo de brasileiros a convicção de que tudo não passa de uma “conspiração”. Um grande esquema para eleger Bolsonaro, que estaria “perdendo terreno” nos últimos dias. 
 
Coisa de louco? Pode até ser, mas tem muita gente que pensa assim. Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas mostra que entre 18h30 de quinta-feira e 9h da manhã seguinte, nada menos de 1.702.949 comentários circulavam no Twitter sobre o atentado. Destes, inacreditáveis 689.694, ou 40,5% do total, defendiam teses semelhantes, apontando “farsa” ou “armação” de Bolsonaro. Simplesmente negavam a mais óbvia realidade.
 
Uma outra parcela quase tão numerosa, formada basicamente por quem acredita que as palavras “PT” e “demônio” são sinônimos, também aponta “conspiração”. Só que, neste caso, a intrincada trama uniria partidos de esquerda, liderados pelo PT, com o objetivo de impedir que Jair Bolsonaro chegue ao Planalto. Na visão desta turma, Adélio Bispo de Oliveira, 40 anos, pedreiro, é mero bode expiatório. O real mandante seria o Partido dos Trabalhadores. As “provas”: a filiação do Adélio ao PSOL por sete anos; o fato de ter pago R$ 400 em dinheiro pelo quarto de pensão onde estava hospedado; “cúmplices” que teriam ajudado na operação; e os quatro “caríssimos” advogados que se apresentaram para defendê-lo. Essas são as principais “evidências” do ardil. 
 
O fato, elementar, de que os opositores de Bolsonaro só teriam a perder com a sua morte - ou ferimento – num ato de campanha parece nem mesmo passar pela cabeça de quem quer ver inimigos em todos os lugares. Se alguém, desafiando a lógica mais básica, realmente arquitetou um plano desses, merece um troféu de imbecil do milênio. Se tivesse morrido, Bolsonaro seria mártir e qualquer um que se apresentasse como seu sucessor, seria eleito. Vivo, tem potencial para se transformar em herói. Que vantagem a esquerda – ou qualquer opositor de Bolsonaro – levaria com tal plano? Nenhuma.
 
Há 64 anos, numa noite de 4 de agosto em que não existia rede social nem telefone celular, um fato semelhante chocou o Brasil. O país era presidido por Getúlio Vargas. O Rio de janeiro era a capital da República. Haveria eleições e um dos maiores adversários do presidente, o jornalista Carlos Lacerda, era candidato a deputado federal. A plataforma de Lacerda era simples: atacar e culpar Vargas por tudo. Seus discursos contra o presidente eram violentos. 
 
Naquela noite, Lacerda voltava para casa acompanhado pelo filho, de 15 anos, e pelo major Rubem Vaz, que fazia sua segurança. Quando chegaram em frente à residência de Lacerda, na rua Tonelero, em Copacabana, foram abordados por um pistoleiro. Houve disparos. Lacerda foi atingido no pé, mas sobreviveu. O Major Vaz recebeu dois disparos no peito e morreu.
 
Como no Brasil a tragédia costuma flertar com a comédia, o pistoleiro tinha fugido... num táxi. E o taxista, cúmplice, fazia ponto em frente ao palácio do Catete, nada menos que a residência oficial do presidente da República. Não foi difícil desvendar o mistério e chegar até Gregório Fortunato, o chefe da guarda pessoal de Vargas. Sem que o presidente ou qualquer outro membro do governo soubesse, Fortunato tivera a brilhante ideia de contratar um pistoleiro para “calar” Lacerda. Dezenove dias depois do atentado, acuado por uma pressão que se mostraria insuportável, Vargas se matou com um tiro no peito. O governo acabou, aniquilado pela iniciativa estúpida e isolada de Fortunato. Lacerda foi eleito deputado e, na sequência, seria governador do Rio.
 
Fortunato foi um idiota. Adélio Bispo de Oliveira é outro idiota. Uma espécie de revoltado com múltiplas causas, Adélio protestava em sua página no Facebook contra Bolsonaro – e também contra Michel Temer, João Dória, o Movimento Brasil Livre (MBL), a maçonaria. Dizem que foi missionário evangélico. Há anos estava brigado com a família. No seu depoimento, relatou à polícia que esfaqueou Bolsonaro “a mando de Deus” e que agiu sozinho. 
 
Jair Bolsonaro é vítima. Por mais que seu discurso possa ser questionado e suas ideias, combatidas, nada muda o fato de que alguém tentou matá-lo. Resta esperar a conclusão das investigações para saber se Adélio agiu mesmo sozinho ou se teve ajuda de alguém, mas é altamente improvável que qualquer liderança política relevante esteja por trás da ação. Quase tão improvável quanto uma derrota de Bolsonaro nas urnas, especialmente depois do atentado da rua Halfeld.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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