Barbárie doméstica

A violência doméstica perpetrada por homens ainda é uma medonha realidade.

02/09/2018 | Tempo de leitura: 4 min

Tarde de domingo, 1º de julho, na quase sempre tranquila Ituverava. Nilva Pereira, 53 anos, havia decidido ir até a casa onde, até quatro dias antes, morava com seu agora ex-marido. Queria pegar uns pertences que havia deixado para trás. Muito provavelmente intuindo que alguma reação violenta poderia ocorrer, pediu que a filha e o genro a acompanhassem.  Seus temores se tornariam reais da forma mais violenta possível. Foi recebida a facadas pelo seu ex-marido, Paulo Santos, com quem se relacionara por 17 anos. Nilva correu, mas foi perseguida pelo ex. A filha e o genro tentaram conter a agressão, mas acabaram esfaqueados também. Nilva acabou morrendo. Seu algoz, Paulo, foi preso depois de tentar se matar, obviamente, sem sucesso.
 
Tarde de domingo, 19 de agosto, no jardim Guanabara, em Franca. Vera Coutinho, 48 anos, estava dentro do seu carro, um Fiesta, em frente à casa da sua mãe. Foi surpreendida pelo pedreiro José Mendes, 32 anos, com quem se relacionara por 12 anos. Há sete meses, estavam rompidos. Naquele trágico domingo, não houve tempo para conversa, diálogo, explicações. Mendes se aproximou e, do nada, atirou álcool sobre o corpo da mulher com quem dividiu a intimidade por mais de uma década. Na sequência, ateou fogo e fugiu. Vera teve 50% do corpo queimado. O agressor fugiu. 
 
Vera chegou a ser socorrida até a Santa Casa mas, três dias depois, não resistiu e morreu em razão da gravidade das queimaduras. Enquanto ela era sepultada, Mendes se entregava à polícia. Apontou “ciúme” como justificativa para a atrocidade que cometeu. “Ela iniciou um novo relacionamento e não quis voltar. O acusado até disse que se irritou com o fato de que, durante os 12 anos (em que estiveram juntos), quis morar com ela e a vítima não quis. Mas que, agora, estava até morando com o novo namorado”, disse o delegado Márcio Murari, responsável pelas investigações. A entrevista concedida pela mãe do acusado à rádio Difusora é um primor da inversão de valores. A mãe parece se orgulhar da “macheza” do filho, desqualifica a vítima e quase justifica o crime. “É homem e sincero, e por isso fez o que fez”. Para completar, garante que seu rebento não é bandido. Não?
 
Tarde de sexta-feira, 24 de agosto, Vila Rezende, em Franca. Aline Buck, 41 anos, estava na casa de uma amiga. Aguardava a chegada de um comerciante, que pagaria por um sofá usado. Estava na garagem conversando com o comerciante quando foi violentamente atacada a socos por Alex Oliveira, 30 anos, o ex-namorado com quem havia se relacionado por sete meses. Ambos chegaram a morar juntos por dois meses, mas há uma semana ela tentava se separar do rapaz. Havia, inclusive, fixado um prazo para que ele saísse do imóvel que dividiam.
 
Naquela tarde, Aline teve seu nariz quebrado pelas pancadas de Alex. Machucou também as costelas. “Sei que (Alex) só não me matou ali na hora porque minha amiga e seu irmão chegaram e aí ele teve de me soltar (...)  Estou com medo”. Depois de agredir a ex-namorada, Alex teria enviado mensagens com novas ameaças. Postou ainda um “esclarecimento” numa rede social. Apesar de admitir ter errado ao bater na mulher, Alex Oliveira “justifica” seu ataque de fúria ao dizer que se surpreendeu ao vê-la beijando outro homem. “Cheguei de surpresa. O carro dela estava na garagem e me deparei com ela e um moço se beijando. Tive aqueles cinco segundos de reflexão e gritei”, disse o agressor, cuja capacidade de introspeção, a julgar pelos ferimentos que provocou em Aline, tem a profundidade de uma folha de sulfite. “Depois, desferi um soco nela (...) Dei mais dois socos para ela ficar ali”, completou o arremedo de troglodita, que jura no vídeo que “não é de brigar com ninguém”. Alex Oliveira está livre.
 
Fossem as três histórias casos isolados e episódicos, já seriam ruins o bastante. Mas de tudo, o que mais choca, além da violência propriamente dita, é constatar que apesar dos avanços da “Lei Maria da Penha”, que estabeleceu punições mais severas para agressões contra mulheres, a violência doméstica perpetrada por homens ainda é uma medonha realidade. 
 
Dados compilados pela DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) mostram que, apenas em Franca, de janeiro até 15 de agosto, 252 mulheres foram vítimas de agressões físicas – tapas, chutes, facadas, pauladas e socos. Na sempre cristalina matemática, é uma mulher fisicamente agredida a cada dia. E, ressalte-se, só em Franca. Se incluir na conta também as agressões não-físicas, como xingamentos, ameaças, calúnias e humilhações, o número alcança 842 casos no mesmo período – na média, cerca de quatro novos ataques por dia.
 
O quadro geral é triste – e inaceitável. Relacionamentos nascem, se desenvolvem, eventualmente terminam. Faz parte. O que nunca devia fazer parte, durante um relacionamento ou depois que ele termina, é a agressão, a crueldade, a violência. Imaginar que pessoas que se amaram, que dividiram a cama, que partilharam sonhos e projetos, muitas vezes que têm filhos, são capazes de se agredir fisicamente e, em casos extremos, de tirar a vida da pessoa com quem viveu tantas coisas, é desalentador. Simplesmente não deveria fazer parte da natureza humana. Como infelizmente faz, resta lutar para que as leis sejam aplicadas. Para que os agressores, sejam punidos. E para que suas vítimas, sejam protegidas. De preferência, antes que se transformem nos números desta pavorosa estatística das agressões físicas. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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