Vida que flui


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Todos os fatos da existência podem ser contados como narrativas, sejam eles pessoais, familiares, históricos, comunitários, institucionais, políticos, esportivos, empresariais, artísticos, profissionais... jornalísticos. Breves como a duração de um flash ou longos como o decorrer de um século, acontecimentos se narram  diante da lógica do olho humano que por sua morfologia singular capta o movimento em ordem linear. Então, primeiro o início, seguido dos desdobramentos  que caminham para um ponto a que o hábito ou o desejo ou ambos condicionaram dizer que é fim, desfecho, encerramento.
 
Pensar assim, como convida a lógica do nosso olhar, é confortável, pois confere ao narrador, seja ele quem for - um anônimo que conta algo a um vizinho, um escritor que estrutura seu romance, o jornalista que busca o relato imparcial - uma sensação de controle sobre  os fatos. Por tal razão, durante  longo período foi dessa maneira  que os prosadores construíram suas obras. Até que  chegassem os tempos modernos onde filósofos desvelassem  outras dimensões para a percepção temporal, inspirando uma inflexão ao espírito humano, que passou a compreender que o tempo é relativo e não pode ser medido exatamente do mesmo modo e por toda parte.
 
 Então a ideia de um final fechado, de um happy end aguardado e aplaudido, cedeu  lugar ao entendimento de que a vida flui sem cessar e tudo vai se modificando e se reconfigurando ao sabor das horas, das circunstâncias, do  corpo físico, da mente inquieta e plástica, dos lutos e renascimentos - até que  o coração pare de pulsar. O povo revela grande sabedoria quando repete que “não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe”, traduzindo mais ou menos  o que sobre o tema escreveu Guimarães Rosa, para quem as coisas neste mundo estão sempre mudando, nunca estão acabadas. E por isso, enquanto há vida, há esperança- pilar de toda existência. 
 
Estas verdades  estão inscritas de maneira evidente ou velada em todas as páginas do Comércio da Franca, que  chega aos 103 anos reconfigurado para se adequar ao pós-modernismo fluido e desafiador. Vivemos um tempo que não é mais lírico, como no começo do século XX , quando José de Mello fundou este jornal no último dia de junho de 1915. Nem épico, como no período entre  guerras, quando o comandou o perfeccionista Ricardo Pucci. Não é tão dramático como aquele em que o diretor  Alfredo Costa precisou se defender da violência da opressão da ditadura militar. Nem  apenas moderno, que foi o adjetivo mais abrangente para perfilar o período em que esteve à sua frente o empreendedor Correa Neves pai. O Comércio, desde 2005, quando o assumiu o jornalista Correa Neves filho, e sob a atual direção do menino que vi crescer, Rodrigo Henrique, grande caráter e dedicação, tem a marca da transformação que atingiu toda a imprensa mundial. Um novo papel teve de ser repensado para o Comércio, que mesmo muito identificado com a história da cidade, precisou  se adequar às  novas demandas do público cuja adesão ao universo digital aconteceu de forma avassaladora na última década.
 
Assim, o leitor, vivendo sob o signo da rapidez, da instantaneidade, da interação imediata, já não se contenta com as histórias congeladas pelo momento da publicação da notícia. Como tudo flui, e nada é para sempre, o momento fixado na folha impressa se torna rapidamente passado. Por isso cada vez mais os jornalistas são abordados por leitores que, conscientes desse devir que define a própria existência, querem saber, por curiosidade, compaixão, questão de cidadania  ou compromisso com a verdade, como caminharam as notícias que leram e sobre as quais imaginam desdobramentos na móvel realidade humana. Esta edição de aniversário busca responder às principais interrogações que permeiam o espírito do leitor.
 
Em que pé andam as negociações em torno de solução para aquele horrível prédio inacabado chamado tão apropriadamente “Esqueleto”?  Como caminha o processo de revitalização do prédio da Estação Mogiana, cuja história começa no fim do período monárquico e apenas 28 anos antes da publicação do primeiro número do Comércio? Outro prédio que traz embutido em sua argamassa certo apelo sentimental, o da Ciretran, onde por décadas motoristas francanos se habilitaram, vai continuar decaindo, até que não seja mais possível recuperá-lo? E o aeroporto “Tenente Lund Presotto”, permanecerá  sem voos comerciais, alimentado a constante crítica do povo francano?  Sobre  o basquete, cuja história está registrada em centenas de capítulos no nosso noticiário, que caminhos toma o esporte tão vinculado ao nome de Franca, a ponto de ser associado a ela como um dos seus melhores produtos? 
 
Na política, especialmente em momento conturbado da vida nacional, e em ano de eleições, o leitor quer saber como estão se movimentando os nomes mais conhecidos do eleitorado desde que apareceram pela última vez no noticiário. Será que mudaram de partido? De opinião? De interesses? 
 
Entre matérias que falam de prédios mal conservados e possíveis candidatos nas próximas eleições, também chamam a atenção e buscam respostas os casos onde as emoções comandam o ritmo dos relatos, por si mesmos mobilizadores de sentimentos diversos, pois  a alma é múltipla. Empatia, surpresa, assombro, fé, medo, tristeza, incredulidade,  compaixão diante de adversidades que podem ser superadas (ou não) traduzem o lado humano do leitor. Como vive a mãe de Marcela, a menina anencéfala cuidada com respeito e amor até seu último instante? Que destino tomaram as cinco irmãs que ficaram sem a mãe assassinada pelo marido e só se reencontraram depois de 24 anos? Será que os dois sobreviventes do acidente na Dr Alonso (cruzamento com Marechal Deodoro) onde perderam a vida um avô e sua neta, se recuperaram da tragédia? O casal que criou dezenas  de crianças na Chácara Sorriso continua seu trabalho de benemerência e caridade cristã? 
 
Para dar respostas a estas e outras perguntas, a equipe de jornalistas comandada com competência e zelo por Joelma Ospedal, competente profissional com mais de 20 anos de casa, trabalhou durante semanas. Nesta edição de aniversário, quando o Comércio comemora seus 103 anos, são contados os capítulos do momento presente, numa sequência das narrativas que despertaram sentimentos de  interesse do leitor que delas tomou conhecimento pelas páginas do jornal, no passado recente.  Mas não são capítulos conclusivos, é preciso que se diga. Porque a vida está sempre em aberto. E surpreendendo. Pois o tempo, como nos ensinou o sábio Machado, “é um rato roedor das coisas, que as diminui ou altera no sentido de lhes conferir outro aspecto”.

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