Perto do fim

As lições do Copacabana resultaram em algumas mudanças importantes aqui.

01/07/2018 | Tempo de leitura: 7 min

“Quanto maiores são as dificuldades
a vencer, maior será a satisfação”
Cicero, escritor e senador romano
 
 
Era fevereiro de 2017. A nova legislatura na Câmara Municipal, assim como o governo Gilson de Souza (DEM), havia começado há pouco mais de um mês. Durante dias seguidos recebi mensagens nas minhas redes sociais. A mais insistente delas, de uma moça chamada Joyce, ia direto ao ponto: queria falar comigo sobre as “obras do Copacabana”.
 
Até aquele instante, o que sabia do assunto era o que havia acompanhado nos meses anteriores por conta de minha atividade jornalística. O conjunto habitacional, sorteado para 406 famílias numa grande “festa” no Lanchão, em 2015, quando Alexandre Ferreira (então PSDB, hoje SD) tentava pavimentar seu caminho para a disputa da reeleição, estava emperrado. Interrupções nas obras, controladas pelo governo federal, tinham se tornado frequentes. Como descobriria rapidamente, o buraco, literalmente, era muito, mas muito, mais embaixo.
 
Marquei uma reunião na tarde de sexta-feira, 10 de fevereiro, no plenarinho da Câmara. Além da Joyce Priscilla, apareceram outras 20 mulheres, algumas delas acompanhadas por suas crianças. Estavam lá, entre outras tantas, a Ellaine Rocha, Adriana Freitas, Dryelle Cristina, Silvana Aparecida, Mariúcha Fernanda, Sebastiana Campos... Sem que pudéssemos imaginar, aquele grupo formidável de mulheres formava o embrião daquilo que passaria a ser conhecido, com justiça, como “Guerreiras do Copacabana”. A principal queixa de todas, naquele instante, era de desamparo. Ninguém parecia disposto a se aproximar do problema. Me comprometi a ajudar. Aquele foi apenas o primeiro encontro de uma infinidade que se seguiriam.
 
Na semana seguinte, baixei em São Paulo. Fiz uma visita surpresa à sede da construtora. Admito que cheguei a pensar que se tratava de uma empresa de fachada. Não era. A Iso existia, mas alegava dificuldades financeiras. De cara, havia um axioma. A construtora precisava de dinheiro para retomar a obra. Mas a Caixa Econômica só liberaria mais dinheiro se a obra avançasse. Sem dinheiro, não tinha obra. Mas sem obra, tampouco haveria dinheiro.
 
De volta a Franca, visitei o Copacabana pela primeira vez. A situação era desoladora. Os predinhos estavam ainda em obras. Contavam-se nos dedos de uma mão o número de pessoas trabalhando no canteiro de obras. Dava desespero só de olhar. Na sequência, me reuni com o prefeito Gilson de Souza para detalhar o problema. Gilson então designou a chefe de fiscalização do setor de Obras, Gisele Oliveira, e o presidente da Emdef, Marcos Haber, para acompanhar o caso.
 
Procuramos também ajuda no Ministério Público. Foi numa segunda-feira, 13 de março de 2017, que pela primeira vez todos se sentaram à mesa, na sede do Ministério Público. O encontro foi mediado pelo promotor da Habitação, Carlos Gasparoto. De alguma forma, era preciso costurar um acordo, com termos ajustados pelo MP, para que pudesse haver esperança. Hoje, em retrospecto, vejo como a postura de Gasparoto foi fundamental. Se ele tivesse partido para o litígio, o que seria mais confortável do ponto de vista pessoal, o Copacabana seria hoje mais um esqueleto na arquitetura da cidade.
 
Naquela reunião, sentaram-se representantes da construtora, da Caixa, da prefeitura, da Emdef, dos mutuários. Representei a Câmara e, desde então, também as contempladas. Foi uma reunião tensa. Ao mesmo tempo em que se tentava um acordo para permitir a liberação de recursos para que as obras fossem retomadas, era importante garantir que houvesse segurança para o município e a própria Caixa de que o dinheiro cumpriria sua função de financiar o Copacabana.
 
Além disso, fomos alertados que havia toda uma parte de infraestrutura, de responsabilidade da prefeitura, que simplesmente não tinha sido executada. Galerias de água, de esgoto e pavimentação tinham sido “esquecidas” pelo governo anterior. Portanto, além da construtora precisar de dinheiro para terminar os predinhos, a prefeitura precisa destinar outro tanto – mais de meio milhão - para fazer sua parte. E para isso, precisaria de autorização da Câmara Municipal. O apoio dos colegas vereadores foi unânime. Com os R$ 600 mil, a Emdef fez o dever de casa. Registre-se, com extrema rapidez e eficiência. Um complicadíssimo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) foi celebrado. Descobriríamos, depois, que estava muito longe de ser o último.
 
Como o Copacabana nos ensinaria, nada no poder público é conclusivo. É como se uma área não conversasse com a outra. Foi só em agosto, por exemplo, que enfim a assistência social começou a fazer reuniões periódicas com os futuros mutuários. Era preciso tratar de questões como a convenção de condomínio, regras de convivência, fazer um trabalho educativo. E, também, definir quem moraria em qual apartamento. Foi só em 27 de outubro que, enfim, cada mutuário soube qual seria o “seu” apartamento. Por pouco tempo.
 
Numa nova série de reuniões no MP, após redução na velocidade das obras e protestos dos mutuários, descobriu-se que nem mesmo os sorteados estavam garantidos. Segundo a Caixa Econômica Federal, o sorteio era apenas uma expectativa. E haveria revisão dos critérios socioeconômicos. Ou seja, se alguém começou a ganhar R$ 200 a mais por mês, poderia ser desclassificada. E perder o apartamento. Foi um Deus nos acuda. A batalha para convencer a Caixa a aceitar a inclusão, em novo TAC, de que seria respeitada a lista sorteada em 2015, foi dificílima. Conseguimos, a duras penas.
 
Com a proximidade do final do ano, a Construtora voltou a descumprir os prazos ajustados. Janeiro chegou com a certeza de que, sem ajuda, a Iso não conseguiria concluir. A alternativa seria repassar parte das obras pendentes para a Emdef. A postura do presidente, Marcos Haber, foi fundamental. Ele não apenas “aceitou” a missão, como também lutou para que houvesse a garantia que o dinheiro retido na Caixa fosse destinado para a Emdef. Deu certo. As obras deslancharam.
 
Quanto mais as obras se aproximavam do fim, mais crescia outro problema: a ameaça de invasão. O risco era paralisar todo o processo à espera de uma decisão judicial que poderia, como sempre alertava o promotor, demorar anos. Os mutuários chegaram a se organizar em grupos para monitorar os apartamentos e impedir as invasões. Foi tenso.
 
Concluídas as obras, novo entrave. Ao tentar obter o AVCB (auto de vistoria do Corpo de Bombeiros), essencial para o Habite-se (alvará emitido pela prefeitura que autoriza a moradia), falhas no projeto foram observadas. Novas obras precisaram ser contratadas para ajustar altura de degraus e outros tantos detalhes “esquecidos” nas etapas iniciais. Foi só em 16 de março, exatamente um ano e três dias após a primeira reunião no Ministério Público, que enfim o AVCB e o Habite-se foram emitidos. Faltavam, então, as matrículas no cartório.
 
Foi uma pós-graduação em burocracia. Aos trancos e barrancos, cerca de 85 adequações nas documentações foram providenciadas até que as matrículas fossem finalmente concluídas na quarta-feira, 14 de junho. A Caixa fez sua parte em 10 dias e na última terça-feira, 26 de junho, finalmente as 406 famílias puderam assinar os contratos e se tornar proprietárias dos imóveis. A entrega, tudo indica, acontece nos próximos dias.
 
O Copacabana tem sido uma lição. Enfrentar este problema foi uma imersão em muitas das imensas dificuldades que assolam o país. Burocracia excessiva, oportunismo político que sorteia imóveis que não existem, legislação imbecil... Para ficar na pergunta mais recorrente dos mutuários, e para a qual não existe resposta razoável: se está tudo pronto, inclusive com Habite-se, porque não se pode ocupar os imóveis e esperar a confecção dos documentos instalado na sua casa?
 
As lições do Copacabana resultaram em algumas mudanças importantes aqui em Franca. Com base no que vi e enfrentei, apresentei um projeto de lei, em conjunto com o vereador Marco Garcia (PPS), que proíbe novos sorteios de apartamentos antes que 90% das obras estejam concluídas. É uma espécie de seguro antipopulismo, para evitar que quaisquer políticos realizem sorteios do que não existe às vésperas do período eleitoral. A lei está em vigor.
 
Apresentei também projeto que individualiza as contas de água. Pode parecer absurdo para você, mas em condomínios populares como o Copacabana, a conta de água vem conjunta. Sabe-se quanto cada um gastou, mas a cobrança é única. Assim, se há inadimplência, todo mundo fica sem água. Nos futuros empreendimentos, terá que ser tudo individualizado. No Copa, como em muitos dos demais condomínios populares existentes em Franca, a dor de cabeça tem que ser resolvida pelo síndico. Haja paciência.
 
Apesar de tudo, o Copacabana reforçou em mim a percepção de que quando se tem uma crença, nenhum obstáculo é grande o bastante. Aquelas mulheres que me procuraram em fevereiro do ano passado, às quais outras tantas se somaram, lutaram, brigaram, xingaram, se desculparam pelos excessos, insistiram... Nunca, em tempo algum, esmoreceram. Graças à sua luta, e de tantos que se envolveram nesta batalha, antes que o mês que começa hoje chegue ao fim, estarão morando no Residencial Copacabana. É o sonho, agora, tornado realidade. Graças a Deus. E às “Guerreiras do Copacabana”.
 
 
 
Corrêa Neves Júnior, jornalista e vereador em Franca
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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