Mães

Eu pensava que mães eram infalíveis. Pensava que elas só faziam o bem, que sempre sabiam como agir.

11/05/2018 | Tempo de leitura: 3 min

Eu pensava que mães eram infalíveis. Pensava que elas só faziam o bem, que sempre sabiam como agir. Pensava que pelo fato de amarem incondicionalmente seus filhos, todas suas ações estavam absolutamente corretas. Que mães seriam em qualquer situação, politicamente corretas, inquestionáveis. Mas isso era quando eu tinha cinco ou seis anos e minha mãe ficava no altar idealizado, construído especialmente pra ela, bem de acordo com os padrões sociais e morais da época. Quando minha idade triplicou, o desapontamento com relação às mães em geral, à minha em particular, acompanhou o aumento dos números. Mais que eu, minha mãe precisou de recursos terapêuticos nessa fase. Como isso era raro, achou ajuda nas opiniões das vizinhas, que eram felizes pois ninguém tinha um problemão como eu, em casa...
 
Quando virei mãe, achei-me prestes a merecer o pedestal da perfeição. Reinventei o amor, reinventei o modo de educar. Acreditava que não tinha Piaget, não tinha Freud, não tinha profissional que se comparasse em desenvoltura, sabedoria, em sapiência comigo. Já via lá na frente altar erigido por justo merecimento. Antecipava glórias, elogios, loas que natural e seguramente viriam porque, para falar a verdade, era questão de tempo a chegada do reconhecimento absoluto da minha perfeição. Não havia prêmio Nobel de Mãezice? Pois deveria haver e, quando e se houvesse, seria meu. Nessa época eu era ainda prepotente, boba, tola. A idade dobrara e eu não amadurecia. 
 
Foi quando aconselharam terapia. Sabe o soldado do batalhão que marchava com o pé esquerdo, enquanto os colegas usavam o direito e ele ainda brigava porque considerava todo mundo errado? Era eu. E não tomei jeito. Logo ao entrar na sala de terapia, enredei tudo para o médico e me calei em seguida, esperando que ele me mandasse embora e solicitasse que os críticos familiares implacáveis da minha suposta ilibada, equilibrada e sábia conduta me substituíssem no divã. Ele nunca falou o que eu esperava e eu, eu estou lá até hoje. 
 
Minha idade dobrou desde que me achava a perfeição. Não consertei lá grande coisa embora não me considere mais, por exemplo, infalível, onisciente, onipresente ou onipotente. Sei que agüento trancos mais fortes da vida, sem dar piti. Reagi menos italianamente, quando um dos filhos, assim do nada, me perguntou se eu já lera e sabia alguma coisa sobre respeito à vontade alheia. Respirei fundo, olhei para ele, reconheci nele aquela que já fui. Sorri e pensei: “Virei minha mãe!”. Respondi-lhe, com as palavras de mamãe: “Um pouco, pouca coisa, quase nada. Estou à espera de que você me ensine.”
 
Que tenhamos todas um lindo dia. Que sejamos abraçadas e acarinhadas pelos filhos. Que possamos abraçá-los e acarinhá-los de volta. Que nos reconheçamos positivamente nas atitudes e personalidades deles. Que eles nos sejam gratos pela vida que lhes demos. Que possamos agradecer hoje o cumprimento que nos derem e a homenagem que nos prestarem, com a sensação de que, realmente, somos merecedoras. Que tenhamos a certeza de que se os fizemos seres, eles - também por nossa atuação - se tornaram humanos.
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

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