Tremores secundários

Passou praticamente despercebido. Enquanto milhões de brasileiros acompanhavam os desdobramentos da ordem de prisão contra o ex-presidente Lula, uma série de outros movimentos importantes acontecia.

15/04/2018 | Tempo de leitura: 5 min

Passou praticamente despercebido. Na sexta-feira da semana passada, 6 de abril, enquanto milhões de brasileiros acompanhavam os desdobramentos da ordem de prisão expedida pelo juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula, com o vai-e-vem-e-volta-e-vai que se estenderia até sábado, uma série de outros movimentos importantes acontecia em diversos pontos do país. 
 
Alguns dos mais relevantes e com impacto mais imediato tiveram como sede São Paulo, a capital do Estado e uma das maiores metrópoles do mundo. Numa tacada só, o governador paulista, Geraldo Alckmin, e o prefeito da Capital, João Dória, ambos do PSDB, renunciaram aos cargos de olho nas eleições de outubro. O primeiro quer se sentar no principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto, em Brasília. O segundo sonha agora comandar o Estado. 
 
Desde aquela sexta-feira, os 44 milhões de paulistas são governados por Márcio França (PSB). Apesar de uma longa trajetória política e de ter ocupado diversos cargos eletivos, França segue absolutamente desconhecido para a maioria dos paulistas. Nada disso muda o fato de que ele é agora o legítimo titular da principal cadeira do Palácio dos Bandeirantes. Sob sua responsabilidade, o controle do segundo maior orçamento do país.
 
Na prefeitura paulistana, a saída de Dória do comando, apenas 14 meses depois de ter sido empossado para cumprir um mandato que deveria ter se estendido por quatro anos, marcou a ascensão de Bruno Covas, outro politico que, apesar do sobrenome tradicional e de ter ocupado distintos cargos eletivos ao longo da vida, é tão desconhecido quanto o novo governador. Neto de Mário Covas, duas vezes deputado estadual e uma federal, Bruno terá pela frente cerca  de 34 meses para comprovar que está à altura das expectativas dos mais de 8 milhões de eleitores da capital.
 
No mesmo final de semana, o até então comandante da economia brasileira, ministro da Fazenda Henrique Meirelles, principal responsável pela adoção das políticas de austeridade que tiraram o país da recessão profunda, também pediu exoneração do cargo de olho na eleição presidencial. Terá que mostrar aos correligionários do MDB, partido ao qual se filiou, que pode ser tão eficiente para angariar votos como foi para acumular milhões de reais ao longo da vida.
 
Houve, ainda, a filiação do ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, ao PSB. Principal protagonista da Ação Penal 470, o famoso julgamento do Mensalão, que condenou as principais lideranças petistas e de partidos aliados do governo Lula a longos períodos de prisão, Barbosa tem sonhos e desafios parecidos com os de Meirelles. Sua primeira batalha é dentro do PSB, onde precisa convencer seus colegas de partido de que tem carisma e argumentos bons o bastante para torná-lo viável na disputa pela presidência. Não será fácil. Voto é muito diferente de currículo. E, por enquanto, tanto Meirelles quanto Barbosa patinam nas pesquisas com índices na casa de 1 a 2% das intenções de votos.
 
Aqui na Franca, um efeito inesperado das mudanças no comando do governo e da capital do Estado provocou um chacoalhão considerável – e, de quebra, serviu para demonstrar de forma inequívoca como a autopreservação é mesmo o instinto humano mais primitivo.
 
O deputado estadual Roberto Engler, depois de quase 30 anos e sete mandatos defendendo as cores do PSDB na Assembleia Legislativa, resolveu subitamente mudar de ninho. Pelo que se deduz da estupefação geral de seus até então correligionários, ninguém tinha a menor ideia do voo que Engler pretendia alçar. Nem Sidnei Rocha, nem a bancada de vereadores, nem a Executiva municipal, absolutamente ninguém foi comunicado com antecedência da mudança de ares que o deputado planejava fazer. 
 
Numa tacada só, Engler provocou muito mais estragos no PSDB do que a vitória de Gilson de Souza nas últimas eleições municipais. Atrapalhou a articulação da pré-campanha de deputado federal de Adérmis Marini (PSDB), que apostava numa dobrada com toda a vantagem logística e de estrutura que isso traria; fragilizou os diretórios municipais de toda a região; deixou os tucanos sem um candidato competitivo a Estadual – a não ser que Sidnei Rocha assuma o desafio – e ainda tirou do partido uma cadeira na Assembleia.
 
Se o movimento foi surpreendente, a explicação parece mais óbvia. Desgostoso com Alckmin, com quem se estranhava há tempos, e desafeto de Doria, contra quem fez campanha dentro do partido, Roberto Engler preferiu se aninhar sob a proteção do novo governador Márcio França, ainda que às custas de abandonar à própria sorte seus antigos aliados e uma estrutura partidária que ajudou a forjar. 
 
Ninguém acredita que uma repentina inclinação ideológica de Engler pelo socialismo de França explique a mudança. O deputado deve ter levado em conta a manutenção de dezenas de cargos na estrutura do governo, a promessa de apoio para algumas iniciativas na região e, mais importante, a garantia de uma substanciosa “colaboração” do fundo partidário para financiar sua candidatura a um novo mandato.
 
Lula segue preso em Curitiba e, a julgar pelos últimos movimentos nos tribunais superiores, nada indica que o cenário vá mudar no curto prazo. Os efeitos do terremoto que foi sua prisão tendem a se acomodar. O mesmo não é possível dizer destes outros tantos tremores secundários, cujos desdobramentos e impactos vão seguir crescentes. Pelo menos, até as eleições de outubro. Quem viver, verá.
 
PS: pesquisa Datafolha realizada depois da prisão de Lula e divulgada neste domingo mostra que, com o ex-presidente fora do páreo, muitas surpresas podem surgir. Pelos números apurados pelo instituto, sem Lula, Bolsonado (PSL) lidera com 17%; seguido por Marina Silva (Rede), com 15%; Ciro Gomes (PDT), com 9%; Joaquim Barbosa (PSB), com 9% e Geraldo Alckmin (PSDB), com 7%. A grande surpresa é o número de intenções de votos de Joaquim Barbosa, que parece ter concentrado boa parte dos descontentes. É a primeira vez que o ex-presidente do STF aparece bem posicionado numa pesquisa. Certamente, os números do Datafolha vão provocar intensas análises e especulações ao longo dos próximos dias.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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