Piores que ratos

Depois de um Carnaval surpreendentemente tranquilo, sem mortes registradas nas ruas de Franca ou nas rodovias da região, o que se viu na sequência foi de assustar.

25/02/2018 | Tempo de leitura: 4 min

A ressaca veio forte. Depois de um Carnaval surpreendentemente tranquilo, sem mortes registradas nas ruas de Franca ou nas rodovias da região, o que se viu na sequência foi de assustar. Teve de tudo. De colisão quádrupla com direito a cachorro voando pela janela de um carro a batida de caminhão e moto, carro e moto, carro e ciclista... Não faltou gente machucada. Nas ocorrências mais graves, duas pessoas acabaram morrendo. 
 
Em ambos os acidentes, acontecidos na mesma rodovia Cândido Portinari com intervalo de poucas horas, os motoristas envolvidos fugiram sem prestar socorro. Agiram pior do que ratos, arquétipos da covardia por serem sempre os primeiros a abandonar os navios, ainda que o naufrágio seja mera possibilidade. 
 
Num dos casos, o ciclista Clayton Domingos, de 29 anos, foi abalroado por um veículo nas proximidades do Franca Shopping. Era por volta de 1h da madrugada do último domingo quando o rapaz acabou atingido ao tentar cruzar a rodovia. Abandonado à própria sorte, morreu antes mesmo da chegada das equipes de resgate. Até agora, não se tem ideia nem mesmo do tipo de veículo que o atingiu. Muito menos, há qualquer pista sobre a identidade do condutor.
 
No outro caso, acontecido horas antes, nas proximidades do posto Paineirão, uma caminhonete L200 “atropelou” um Gol. Os veículos trafegavam no mesmo sentido (Cristais a Franca) quando, por volta de 22h40, a caminhonete acertou violentamente a traseira do carro, que rodopiou várias vezes. Os cinco ocupantes do Gol — Devair Timóteo, sua mulher, Jaqueline Timotéo, e o caçula do casal, de apenas dois anos, todos ocupantes do banco de trás; e dois cunhados, que estavam na frente — ficaram presos no veículo. Socorridos, foram encaminhados à Santa Casa. Devair, de 43 anos, quebrou a bacia e teve o pulmão perfurado. Acabaria morrendo horas depois. Os demais ocupantes, inclusive a criança, estão bem.
 
E o motorista da caminhonete? Desapareceu. Indesculpavelmente, deixou o local do acidente sem esboçar a menor preocupação com o que havia acontecido. O fujão, um técnico em refrigeração de 40 anos, foi para casa. Guardou a caminhonete na garagem, depois levou o veículo para outro lugar — há quem diga que para uma funilaria, onde pretenderia reparar os “estragos” — e passou dois dias em silêncio sepulcral. Foi identificado e localizado pela polícia, a partir de denúncias recebidas, na tarde de segunda. 
 
Na manhã seguinte, apresentou-se no distrito policial. Fez o mesmo com o veículo, que foi periciado. Admitiu que era o motorista e negou que estivesse alcoolizado — o que soa para lá de conveniente, já que que três dias depois seria impossível qualquer exame comprovar o contrário. Disse apenas que sentiu “medo” de ser agredido, o que teria justificado a fuga. Saiu pela mesma porta pela qual entrou. Levou junto a L200, que assim como ele, também foi liberada. 
 
Quando casos assim acontecem, não consigo deixar de pensar nos detalhes. Tome-se como exemplo este último acidente. Qualquer um que dirige e que já teve a infelicidade de atropelar um cachorro ou de cair numa valeta, sabe que o impacto é considerável. Imagine então uma caminhonete acertando um carro... A pancada é violenta. Como pode o sujeito que se vê neste situação dar a partida na caminhonete e, simplesmente, ir embora?
 
Quando chega em casa, será que o infeliz vai tomar banho? Liga a TV? Nesta hora, não pensa em avisar a polícia, no mínimo para alertar que há gente que precisa de socorro? Que ele é o responsável e vai se apresentar? Quando deita na cama, como consegue encontrar o sono? E pela manhã, simplesmente acorda, se levanta, escova os dentes e vai tomar café? Não pensa em visitar as vítimas no hospital? Em oferecer ajuda?
 
Chega a hora do almoço. A indiferença continua a mesma? A preocupação é só tentar esconder e arrumar a maldita caminhonete? Vem uma outra noite. A consciência não pesou nem um pouco? A esta altura já se sabe que uma das vítimas morreu, que havia uma criança no carro e nada disso ativa a dignidade mínima que se espera de qualquer um?
 
Amanhece segunda. Mais um café, o almoço na sequência, o veículo escondido como se importasse mais do que qualquer outra coisa. Será que é isso mesmo? À tarde, chega a polícia. O sujeito combina de ir ao distrito no dia seguinte. Ele vai conseguir dormir de novo? Não sofre ao imaginar como foi o velório de sua vítima? 
 
Em entrevista ao Comércio, Jaqueline, a viúva, lamentou. “Ele tirou nosso alicerce, um ótimo pai e marido. Não é justo fazer isso e sair pela porta da frente da delegacia”. Preocupada com o que a vida descortina, antecipou as dificuldades que terá para criar o caçula e cuidar das filhas de 18 e 19 anos, desempregadas. “E agora? O que será de nós?”. 
 
É uma pergunta sem resposta. A punição ao motorista, se houver, será branda — cadeia, neste caso, é praticamente impossível. Uma eventual indenização, possível, certamente demorará alguns anos. Num mundo mais decente, Jaqueline poderia ao menos contar com a ajuda de quem provocou o acidente. Mas como esperar isso de quem abandona as vítimas no local e vai para casa dormir? Tempos tristes. Tempos em que alguns homens valem menos do que ratos.
Corrêa Neves Júnior, jornalista e vereador em Franca
email - jrneves@comerciodafranca.com.br
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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