Além da risada

Tem muita gente acompanhando games e rindo de piadas. Nenhum problema. Rir é bom, alivia e, como diz o ditado, costuma ser o melhor remédio. Mas só rir, não cura. Nem resolve.

11/02/2018 | Tempo de leitura: 4 min

O nome Kondzilla te diz alguma coisa? Já ouviu falar de Whindersson Nunes? E dos irmãos Felipe e Luccas Neto? Tem ideia do que está por trás das siglas Am3nic e GR6 Explode? Se nada disso fizer muito sentido para você, arrisque perguntar para seus filhos, netos ou sobrinhos com menos de 20 anos. É quase certo que eles conheçam parte da lista. Muito provavelmente, toda ela. 
 
Junto do Canal Canalha, RezendeEvil, Porta dos Fundos, AuthenticGames, 5inco Minutos, Nostalgia, Você Sabia, Parafernália, Cia Daniel Saboya, Galinha Pintadinha, Manual do Mundo, Eu Fico Loko e TazerCraft, o grupo representa a elite do YouTube brasileiro. 
 
Cada um destes 20 “canais” tem, no mínimo, 9,1 milhões de pessoas que acompanham o que fazem — caso do “lanterna” da lista, o TazerCraft, especializado em vídeos que ensinam a jogar Minecraft. O novo campeão, Kondzilla, nome artístico do produtor Konrad Dantas, é dedicado a produzir e exibir clipes de funk — é nele, por exemplo, que você encontra a versão oficial de Envolvimento, a música de MC Loma e Gêmeas Lacração que, apesar de seu gosto pra lá de duvidoso, converteu-se no hit deste Carnaval. Kondzilla chegou à ponta ao atingir, no mês de fevereiro, 26,9 milhões de inscritos, número suficiente para desbancar a liderança até então consolidada de Whindersson Nunes, jovem humorista piauiense que soma impressionantes 26,8 milhões de “assinantes” no seu canal, onde alia crônicas de costume e paródias musicais — quase sempre, em vídeos onde aparece, sem camisa, no seu próprio quarto. É mais ou menos a mesma receita do veterano Felipe Neto, terceiro colocado com 18,8 milhões de inscritos.
 
Analisar a lista dos 20 canais do ponto de vista do conteúdo que oferecem leva a constatações ainda mais curiosas. Seis exibem material humorístico, de esquetes e paródias a sátiras de costumes (Whindersson Nunes, Felipe Neto, Canal Canalha, Porta dos Fundos, Parafernália, Galo Frito); quatro são especializados em ensinar truques para jogadores de games, especialmente Minecraft (RezendeEvil, AuthenticGames, Am3nic e TazerCraft); três tratam de comportamento (5inco Minutos, de outra veterana, Kéfera, Nostalgia, Eu Fico Loko); dois trazem curiosidades (Você Sabia, Manual do Mundo); outros dois focam no público infantil (Galinha Pintadinha, Luccas Netto); mais dois exibem clipes de funk (Kondzilla, GR6 Explode); e um é dedicado a vídeos de dança (Cia Daniel Saboya).
 
Política? Economia? Religião? Esportes? Celebridades? Crimes bárbaros? MPB? Rock? Música Sertaneja? Viagem? Churrasco? Cerveja? Vinhos? Receitas? Pode parecer incrível, mas nada disso foi capaz de despertar o interesse de gente suficiente para projetar os canais que se dedicam a estes conteúdos entre os mais vistos do Brasil. 
 
Acho particularmente surreal que nem mesmo o futebol e o infindável volume de conteúdo que o assunto gera — partidas, gols, lances, contratações, demissões, campeonatos, seleções — seja capaz de colocar um canal dedicado ao tema entre os mais vistos do país. Vale o mesmo para a música sertaneja, convertida nas últimas duas décadas em ritmo hegemônico nacional, mas sem nenhum representante na “lista”, enquanto dois canais dedicados exclusivamente a funk somam, juntos, mais de 35 milhões de espectadores. É muita gente.
 
Antes que alguém mais apressado possa concluir que isso é uma distorção local por conta da “alienação” dos brasileiros, vale lembrar que mundo afora o cenário é bastante semelhante. Na maior parte dos países, a lista dos 20 canais mais assistidos traz algum tipo de conteúdo dedicado a música, outro tanto a games, uma pitada de celebridades e por aí vai... muito parecido com o que acontece, em linhas gerais, por aqui.
 
Um bom exemplo é o maior canal do mundo, PewDiePie. Criado e protagonizado pelo sueco Felix Arvid Ulf Kjellberg, tem hoje mais de 60 milhões de inscritos. E o que ele posta ali? Dicas de games. Basicamente, ele ensina sua enorme audiência a jogar videogame. Ganha uma fábula e pretende agora lançar seu próprio device.
 
De volta ao Brasil, uma sutil diferença possível de registrar é que os canais de humor são bem mais representativos por aqui — muito provavelmente, por conta deste traço da alma brasileira capaz de manter sempre uma certa leveza diante de qualquer adversidade. 
 
E o espaço para assuntos sérios, discussões profundas, análises complexas? Também está lá, no YouTube, assim como nas salas de aula, nas rodas de conversa, no trabalho, em jornais, rádios e TVs. A diferença é que desperta centenas de vezes menos audiência, aqui ou no Exterior, quando se trata de internet. Ninguém ainda chegou a uma conclusão definitiva sobre porque é assim. O que mudou? Ou se, simplesmente, sempre foi assim — a diferença, neste caso, é que agora podemos medir, porque sabemos precisamente quantas pessoas acessaram o quê.
 
De um jeito ou de outro, é perturbador. Os vídeos de PewDiePie foram assistidos nada menos do que 17 bilhões de vezes. É como se cada habitante da Terra tivesse visto três vídeos postados por ele. O brasileiro Whindersson Nunes soma mais de 2 bilhões de visualizações. É praticamente dez vezes a população do país. Tem muita gente acompanhando games e rindo de piadas. Nenhum problema. Apenas seria importante que houvesse um pouco mais de pessoas discutindo as guerras, os massacres, a corrupção, as injustiças e os absurdos deste mundo. Rir é bom, alivia e, como diz o ditado, costuma ser o melhor remédio. Mas só rir, não cura. Nem resolve.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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