Dicas na berlinda


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Caminhava pelas ruas estreitas próximas ao porto da cidade de Gênova. O sol era ainda todo luz, embora o calor já tivesse deitado. Procurava com muita paciência um local para comer, porque meu estômago estava no estágio de perfeita tranquilidade. Não queria nenhuma indicação porque iria caminhar até o final do cais e voltar para aquela que fosse a mais convidativa das mesas. E, quando a encontrei, vi na porta do estabelecimento, no auge do seu prestígio, uma viva contestação contra o site TripAdvisor: o símbolo atravessado por uma flecha vermelha, um designer tipo caça-fantasma, só que no caso era caça-tripadvisor. Achei que fosse obra de algum italiano encrenqueiro, mas não, o movimento de boicote começava. 
 
Em outra ocasião, dessa vez em Paris, de posse de uma indicação desse site, cheguei ao Le Comptoir - e a fila para se conseguir uma mesa estava na calçada do outro lado da rua. Entendo que comida não combina com esse tipo de sacrifício, sentei-me imediatamente no restaurante que fica bem em frente a esse frenesi, o Les Éditeurs. Gostei tanto que voltei outras três vezes e pude assistir, reptício, o cenário da calçada da frente – casais emburrados, gestos abruptos, garçons apressados. Enfim, o que parecia ser só uma questão de gosto tomou um revés nas últimas semanas. 
 
Um jornalista inglês criou, virtualmente, um restaurante. Deu como localização a garagem de sua casa, construiu um site, postou fotos de comida e pediu aos seus amigos que começassem a postar no TripAdvisor resenhas elogiosas a seu restaurante. Alguns pontuavam pequenos senões, mas todos davam nota máxima. E o telefone de seu galpão começou a tocar. Uma atendente respondia todas as noites que estavam lotados. As recusas engrossavam o rastilho de pólvora. Em maio, quando o restaurante foi criado, ele ocupava a última posição pelas avaliações: era o número 18.149º. Em agosto, ele já era o 156º e na primeira semana de novembro chegou ao 1º lugar - sem jamais ter servido um único prato de comida. O telefone tocava como louco, gente do mundo inteiro implorava pela oportunidade de jantar no The Shed. 
 
O jornalista usou lugares comuns, textos imaturos como isca: galpão descolado, restaurante com hora marcada, menu baseado em emoções. Algumas vezes, quando atendia um pedido de reserva, perguntava quantos seguidores no Instagram o pretendente tinha, ou se, por acaso, era amigo de algum seguidor da casa nas mídias sociais. Algo como perguntar, no mundo real: a que família você pertence? 
 
O episódio, talvez, não descredencie o mais importante site de dicas turísticas e de alimentação do mundo. Mas a visão de seus intestinos nos dá a generosa oportunidade de desconfiar e a não tratar suas classificações como sentenciante do nosso gosto.

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