O que dizer quando não há nada a dizer

Há exatamente uma semana, Franca amanhecia sob impacto de uma tragédia. O impacto foi devastador. Não havia outro assunto em discussão, qualquer outro tema nas conversas. O clima de velório era geral.

24/12/2017 | Tempo de leitura: 5 min

“O dia que chegar, chegou 
(a morte). Pode ser hoje ou daqui a 50 anos. A única coisa certa é que ela vai chegar”
Ayrton Senna, piloto brasileiro
 
 
 
Há exatamente uma semana, Franca amanhecia sob impacto de uma tragédia. Exceção feita aos policiais e ao pessoal das equipes de resgate, aos médicos e enfermeiros que trabalharam no atendimento das vítimas, aos jornalistas e insones que viram as primeiras notícias postadas ainda na madrugada e, claro, aos familiares e amigos próximos dos envolvidos, é justo concluir que praticamente toda a população da cidade foi surpreendida pela tristíssima notícia de um pavoroso acidente, que resultara em três jovens mortos e outros dois feridos em estado grave, nas primeira horas da manhã de domingo. 
 
O impacto foi devastador. Não havia outro assunto em discussão, qualquer outro tema nas conversas. Todo mundo, naquele domingo, tentava entender o que tinha acontecido na madrugada, quem havia morrido, como estavam os sobreviventes, a que horas e onde se realizariam velório e sepultamento. Difícil quem também não pensasse nas famílias, nos pais e mães, avós e tios, irmãos e namoradas. O clima de velório era geral.
 
Não demorou muito para que a nova espécie de “críticos”, surgida com as redes sociais e capaz de instantaneamente destilar ódio contra tudo e contra todos, independente dos fatos ou das circunstâncias, começasse a se manifestar. Em síntese, diziam que a repercussão só era grande porque as vítimas eram ricas, porque as famílias eram influentes, porque o motorista dirigia uma BMW... 
 
Como era de se esperar, criticaram também, além da cobertura da imprensa, a capa do Comércio com as imagens das vítimas e um pequeno título, “Não Há Palavras” — na minha opinião, o registro mais preciso do que representou a tragédia. Aparentemente, tais ‘críticos” se esqueceram completamente da recente cobertura do caso envolvendo a comerciante Núbia Ribeiro, que de rica não tinha nada, morta de forma covarde, e cuja história mereceu inúmeras páginas de jornais e portais de Franca. Ou da tragédia do ônibus de estudantes que, há mais de uma década, despencou na Curva da Morte, em Rifaina, matando cerca de 20 pessoas — nenhuma delas, “rica” — e que, igualmente, resultou em amplas coberturas. Tampouco parecem se recordar do drama da menina Marcela de Jesus Galante, de família humilde, que nasceu sem cérebro e, contra todos os prognósticos, sobreviveu algum tempo — e cuja morte recebeu, do mesmo Comércio, também uma capa conceitual. 
 
São tantos os exemplos que é simplesmente inútil mencionar. Afinal, teve gente que criticou, sob o mesmo argumento, até o minuto de silêncio feito pela Câmara Municipal, em respeito às vítimas e às famílias, como se não tivéssemos feito ao longo do ano outros tantos “minutos de silêncio” — certamente, mais de dez — em diferentes ocasiões. Ou, ainda, como se o fato de serem ricos os excluísse da dor e da necessidade de compaixão.
 
Diferente do que pensam esses “críticos”, são muitas as razões que justificam a comoção. Há o número de vítimas — três jovens morrerem e outros dois ficarem gravemente feridos num único acidente não é comum, o que desperta a atenção. A juventude dos meninos — muito novos, com idades entre 18 e 19 anos, cursando ou recém-aprovados em faculdades prestigiadas — é outro fator que contribui para o sentimento de tristeza geral, para a sensação de que vidas com tanta perspectiva e potencial foram desperdiçadas. O fato dos pais e mães de alguns deles ocuparem posições de muita visibilidade — comerciante, médico, comandante reformado da Polícia Militar — faz com que muita gente conhecesse pessoalmente as vítimas, o que aproximou milhares de pessoas diretamente da tragédia.
 
Mas o que fez tanta gente se sentir pessoalmente tocada pela tragédia é o fato de que o drama experimentado pelos pais de Henrique Pini, Eduardo Brandão, João Moura Mattos, Gustavo Ribeiro e Eduardo Raymundo representa o pior pesadelo para qualquer família. Receber uma ligação telefônica de alguém avisando que seu filho é uma das vitimas de um acidente grave é o tipo de circunstância diante da qual qualquer pai ou mãe ofereceriam a própria vida para não ter que vivenciar. 
 
Imaginar o desespero do médico Fernando Raymundo socorrendo, na madrugada escura, o próprio filho gravemente ferido; pensar no Coronel Brandao chegando ao local do acidente e encontrando seu menino já sem vida; recordar o choro doído de Myriam Mattos diante do caixão do seu João, para ficar em apenas três exemplos, é penoso demais. E foi essa dor aguda, partilhada por qualquer um que seja pai ou mãe, que fez com que Franca ficasse em choque — e enlutada. 
 
Obviamente, os detalhes do acidente precisam ser esclarecidos. Houve boatos de que os rapazes estariam envolvidos num racha, mas até agora ninguém apareceu para confirmar, minimamente, esta versão. Há suspeita de que tivessem bebido, o que ninguém, nem mesmo a família de cada um dos meninos, descarta. E há a certeza, mesmo antes da conclusão da perícia, de que eles trafegavam com a velocidade muito acima do permitido.
 
É certo que alguns erros foram cometidos pelos garotos naquela noite. Erros típicos de uma fase da vida em que costumamos nos achar indestrutíveis, invencíveis, infalíveis. Mas também é certo que não prejudicaram ninguém, exceto a si mesmos, por este momento de imprudência. Tristemente, pagaram um preço alto demais. Três deles, com a própria vida.
 
PS: aos leitores que me acompanham neste espaço, um Feliz Natal, ao lado de suas famílias e de todos que amam. Que venha logo 2018. Se Deus quiser, com mais alegrias, e menos tragédias.
 
 
 
 
Corrêa Neves Júnior, jornalista e vereador em Franca
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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