A história de Deus

Morgan Freeman é um dos mais conhecidos atores americanos vivos. Se você gosta minimamente de assistir a filmes, é praticamente certo que já tenha se emocionado com alguma de suas performances.

10/12/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Morgan Freeman é um dos mais conhecidos atores americanos vivos. Se você gosta minimamente de assistir a filmes, é praticamente certo que já tenha se emocionado com alguma de suas performances. Freeman é o protagonista ou um dos principais coadjuvantes de clássicos como Conduzindo Miss Daisy, Tempo de Glória, O Todo Poderoso, Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões, Batman Begins, Menina de Ouro, Invictus, Um Sonho de Liberdade — este último, na minha opinião, um dos melhores filmes de todos os tempos.
 
Foi muito por causa dele que resolvi assistir a uma nova série documental disponibilizada recentemente pela Netflix. A História de Deus, originalmente produzida pela National Geographic, tem apenas seis episódios, cada um deles com títulos mais que instigantes, como Vida Após a Morte, Quem é Deus?, Por que o Mal Existe ou A Força dos Milagres. Ainda bem. A série é um primor. Precisa ser vista por todos que, em algum momento de suas vidas, fizeram a alguém — ou a si mesmos — indagações sobre Deus, a criação, o fim dos tempos, especialmente quando consideradas as distintas narrativas — e perspectivas — fornecidas pelas muitas religiões.
 
É justamente este o fio condutor da série. A partir de uma indagação filosófica, Freeman se desloca pelo mundo conversando com médicos, rabinos, pajés, padres, pastores, monges, arqueólogos e pesquisadores, ouvindo, de cada um deles, sua perspectiva sobre o assunto. Não chega a ser inédito, mas a maneira como a história se desenvolve, a lindíssima fotografia de lugares sagrados para diversas crenças, e a voz grave e inconfundível de Freeman, quer seja conduzindo bem produzidas entrevistas, quer seja narrando, tornam a “viagem” um grande e emocionante prazer.
 
Tome-se como exemplo o primeiro episódio, que se debruça sobre a vida após a morte. Freeman apresenta a história do mergulhador americano David Bennet, que durante uma ressaca com ondas gigantescas foi atirado ao mar. Ficou submerso por 18 minutos até ser resgatado do fundo do oceano. Sua narrativa sobre os fenômenos que experimentou neste tempo são emocionantes. A descrição sobre luzes coloridas, a sensação da presença de Deus, o bem-estar, a mensagem de que sua hora ainda não havia chegado e de que ele precisava retornar são tão instigantes quanto sua própria sobrevivência.
 
Morgan Freeman voa então para o Egito, mais precisamente para a região de Saqqara, 30 km ao sul do Cairo, onde a egiptologista Sulima Ikraam o guia pelos baixos corredores da pirâmide do faraó Unas, erguida há quase 4 mil anos. Nas paredes da tumba onde o sarcófago esteve depositado por milênios, belíssimas inscrições em hieróglifos narram como seria a “passagem”, com tantos detalhes e especificações que Freeman o chama de “guia de sobrevivência” para a vida após a morte. É impressionante.
 
De lá, Freeman vai parar na Capital do México, onde acompanha a celebração do Dia dos Mortos, uma fusão entre antigos rituais indígenas misturados à celebração católica de Finados. Não tem como não ficar impactado pelas coloridíssimas imagens do único dia no qual, segundo a tradição, os vivos estão “autorizados” a encontrar a alma de seus antepassados mortos — e, juntos, podem celebrar, dançar, comer, beber.
 
Morgan Freeman pousa então em Jerusalém, onde acompanhado pela arqueóloga Jodi Magness, visita a igreja do Santo Sepulcro. Didática, Magness explica a Freeman — e a todos nós, obviamente — que Gólgota, o nome da colina onde Jesus foi crucificado, significa literalmente “colina dos Crânios”, porque era ali que se realizavam as execuções na época do Império Romano.
 
Muito mais profundo, Magness ensina que os conceitos de céu e inferno simplesmente não existem no Antigo Testamento. Na visão judaica tradicional, ao morrer, todos vão para um lugar neutro, eternamente. A morte e a ressurreição de Cristo, assim como seu sacrifício para expiar os pecados da humanidade, foram as “novidades” que, segundo ela, constituíram muito da força do Cristianismo em seus primórdios, forjando a noção de “céu” e “inferno”.
 
Freeman faz escala ainda em Varanasi, uma das cidades mais sagradas da Índia, localizada às margens do rio Ganges. Ali, somos apresentados aos milhões de deuses indianos e a um conceito de vida após a morte que aproxima muito os hindus do espiritismo, com suas sucessivas reencarnações e a busca pela evolução. Freeman se surpreende com a explicação do monge para a principal razão que faz Varanasi ser considerada a mais sagrada das cidades indianas. Naquele local, num templo específico, quem for cremado e lançado às águas do Ganges alcança a “moksha”- suprema forma de energia — e não precisa mais reencarnar. Funde-se a Deus. “É um atalho”, diverte-se o ator.
 
O ritmo segue igualmente intenso nos demais episódios desta temporada de estreia. Mesmo aqueles que sempre estudaram a história das religiões vão se surpreender com muitas das perspectivas apresentadas ao longo da série. Mas, sobretudo, é bonito constatar que, muito além das diferenças, há uma ideia comum sobre Deus, sobre a fragilidade da existência terrena e sobre a necessidade de evolução que permeia boa parte dos credos. “Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar”, disse Jesus, segundo o evangelho de João. A História de Deus é a tradução contemporânea desta lição milenar.
 
PS: a série fez tanto sucesso que uma segunda temporada foi produzida. São três episódios: O Escolhido, A Prova de Deus e Céu e Inferno. Ainda não há data de lançamento prevista na Netflix.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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