As muitas faces da CP

A maneira como a CP vem sendo conduzida por seu presidente, Adérmis Marini (PSDB), deixa claro que quando se trata de interesses políticos, não há respeito às normas, às regras, ao bom senso e nem a coisa alguma.

12/11/2017 | Tempo de leitura: 4 min

A primeira oitiva de testemunhas da Comissão Processante (CP) instalada na Câmara Municipal de Franca — em tese, para analisar denúncia de favorecimento a uma construtora por ter havido empréstimo da praça central da cidade — trouxe à tona dois problemas que vivemos no Poder Público local. Ambos precisam ser enfrentados sem medo. 
 
Antes de mais nada, é necessário ter sempre claro que o político está permanentemente exposto a críticas, parte essencial da vida democrática, e à fiscalização, fundamental para combater os malfeitos que, há décadas, infestam o Brasil. Inclusive, Franca. 
 
Mas a maneira como a CP vem sendo conduzida por seu presidente, Adérmis Marini (PSDB), deixa claro que quando se trata de interesses políticos, aparentemente influenciados por objetivos eleitoreiros, não há respeito às normas, às regras, ao bom senso e nem a coisa alguma. Aplica-se a lei do “quem pode, manda”. E dane-se o resto. 
 
Ninguém precisa ser graduado em Direito para saber que um dos pilares da aplicação da Justiça é o princípio da imparcialidade do juiz. Numa comissão processante, seus integrantes se convertem em magistrados. E quem julga, não pode ter convicções pré-estabelecidas sobre o caso. Precisa também garantir igualdade de tratamento entre aquele que acusa e quem é acusado, jamais permitindo que uma das partes se manifeste à revelia da outra. Tem que respeitar as regras do processo, limitando-se a deliberar sobre o que está em discussão. É elementar. Nada disso tem sido feito na CP. 
 
Comecemos com o mais óbvio: a denúncia em si. O documento, protocolado na Câmara e que deu início à Comissão Processante aponta favorecimento na liberação da praça para a construtora Pacaembu. Falou-se de quase tudo... menos da praça. Quem permitiu? Adérmis Marini. 
 
Regra elementar, as testemunhas devem ser indicadas por quem acusa (para comprovar seus argumentos) e por quem se defende (para corroborar eventual inocência). Mas, afinal, quem indicou as testemunhas de acusação desta comissão processante? Deveria ter sido Marcelo Bomba, o denunciante. Não foi. Coube ao “juiz” Adérmis Marini a iniciativa de apontar e convocar todas as testemunhas. Inclusive, a engenheira Aline Salomão Maia, “coincidentemente” filiada ao mesmo PSDB de Adérmis. Quem decidiu que ela seria a primeira a depor, numa sequência que não faz parte de rito processual nenhum? Adérmis Marini. 
 
Quem liderou a “comitiva” que pessoalmente levou a testemunha a um promotor de justiça no intervalo do almoço, fazendo parecer que o Gaeco (Grupo de Ação Especial de Combate ao Crime Organizado) havia  instantaneamente decidido investigar o caso, o que não aconteceu? Adérmis Marini. 
 
Quem indeferiu todas as questões de ordem apresentadas pela defesa, não acolhendo uma única pontuação sequer do advogado Denílson Carvalho — e, em muitos momentos, nem mesmo ouvindo o que ele tinha a dizer? Adérmis Marini. 
 
Quem nada fez para impedir que as testemunhas conversassem umas com as outras, inclusive acompanhando os depoimentos, o que possibilitou eventual “ajuste” de versões e argumentos? Adérmis Marini. 
 
Mas há alguns pontos que precisam ser urgentemente esclarecidos, a despeito das falhas de condução da CP. Houve algum tipo de favorecimento à construtora Pacaembu? Se teve, foi praticado por quem? A troco de quê? E, claro, quem são esses vereadores que, segundo a engenheira Aline Salomão alega ter ouvido do procurador Eduardo Campanaro, teriam recebido lotes de terreno para votar a mudança na legislação da lei de parcelamento de solo? Se isso aconteceu, que seja demonstrado com mais do que apenas uma conversa atravessada. E, se comprovado, que sejam esses vereadores devidamente processados. Se não, um pedido de desculpas precisa ser urgentemente feito. A começar, para o vereador Ilton Ferreira (DEM), o único nominalmente insinuado como “beneficiário”. 
 
 
Que as apurações, isentas e sóbrias, tragam luz sobre as dúvidas lançadas. E que, tudo esclarecido, venham as responsabilizações: aos agentes públicos, se cometeram delitos. Ou aos denunciantes, se demonstrado que suas acusações foram maculadas por má-fé. 
 
De resto, que toda essa confusão sirva de lição para o prefeito Gilson de Souza (DEM): não dá para tocar a prefeitura de forma improvisada. As decisões precisam ser claras, as ideias mais precisas. Se há necessidade de organizar melhor os procedimentos, de se uniformizar uma legislação mais eficiente, que isso seja dito sem rodeios, sem tantas idas e vindas. 
 
A cidade precisa de agilidade, não de reuniões intermináveis. É até curioso notar, nos depoimentos de sexta-feira, que as testemunhas narram reuniões com a procuradoria do município, a chefia de gabinete, assessores comissionados, secretaria de planejamento, vereadores, e por aí vai... Fosse mesmo um esquema de corrupção, envolveria umas quatro ou cinco dúzias de pessoas — o que, convenhamos, é bem pouco crível. 
 
Seria bom que o prefeito se lembrasse de um dos ensinamentos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que quando no exercício do mandato gostava de mencionar a liturgia do cargo, aquele conjunto de comportamentos que devem permear quem tem a responsabilidade de presidir uma nação. 
 
Vale o mesmo para uma prefeitura. Gilson precisa entender que o comando de uma cidade com 350 mil habitantes, R$ 750 milhões de orçamento e com 4,7 mil funcionários diretos exige algum rigor e formalismo, bem como enorme capacidade de comunicar suas intenções. 
 
Sem isso, o governo abre espaço para que o empenho em acelerar lentos processos burocráticos que todos combatem seja, no fim, confundido com suposto favorecimento de uma empresa particular. A ação é conduzida claramente pela oposição. Mas os “argumentos”, muitas vezes, têm origem no próprio governo. É uma situação que precisa ter fim. Pelo bem de Franca. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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