O atestado de óbito e a alma lavada

O que tem me espantado é como questões secundárias podem levar a um volume tão grande de tempo e energia absolutamente desperdiçados.

29/10/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Sexta-feira, 14h30, sempre tem reunião das comissões permanentes na Câmara Municipal de Franca. Como presidente de uma (Finanças e Orçamento) e membro de outra (Justiça e Redação), estou lá. É neste momento que os cinco vereadores que compõem cada uma duas comissões se reúnem para analisar a viabilidade técnica dos projetos que serão discutidos e votados, depois, no plenário. Parece simples, mas não é. Há regras e normas confusas, interpretações diversas... Além, claro, do próprio ânimo político de cada vereador, fator sempre presente, ainda que muitos neguem de pés juntos.
 
Que isso acontecesse nos grandes projetos e nos temas polêmicos, era um fator que já esperava. O que tem me espantado é como questões secundárias podem levar a um volume tão grande de tempo e energia absolutamente desperdiçados. 
 
Na última sexta, tinha um desses exemplos em discussão. Há algumas semanas, o prefeito Gilson de Souza (DEM) havia enviado um projeto para nomear algumas ruas do bairro Quinta do Imperador. O Jurídico da Câmara considerou que faltava um documento, o atestado de óbito do homenageado, já que apenas pessoas mortas podem dar nome a logradouros. Foi feito então um ofício solicitando cópia do documento. Os assessores da Prefeitura, por sua vez, consideraram que não era preciso anexar atestado de óbito. E fizeram outro ofício, rebatendo. 
 
Tínhamos então que lidar com uma situação esdrúxula. Tal como estava, o projeto poderia ser rejeitado pelo plenário. Acho que seria a primeira vez na história que um nome de rua seria derrubado por falta de atestado de óbito. Imagino o constrangimento para a família do “homenageado”.
 
Diante do que acontecia e do apelo da equipe técnica da Câmara para que eu desse um fim naquilo, aceitei a incumbência de ir ao gabinete tentar convencer algum iluminado a arrumar uma cópia do documento e colocar um ponto final na questão. Era pouco antes de 16h quando cheguei ao paço municipal. Pode parecer absurdo mas, meia hora depois, continuava preso a uma discussão inócua sobre a necessidade ou não de anexar o atestado de óbito ao projeto. Um simples xerox resolveria. Não para alguns. 
 
Fui resgatado pelo prefeito Gilson de Souza, que me viu e, na mesma hora, me “convocou”. Fui salvo pelo gongo. Não aguentava mais aquele debate inútil. Mas admito que não tinha grandes expectativas quanto à reunião de que participaria. Neste caso, estava redondamente enganado.
 
Ao entrar no gabinete, encontrei o secretário de Saúde, Rodolfo Morais; o provedor da Santa Casa, José Cândido Chimionato; o diretor hospitalar, Thiago Silva; o gerente de Relações Institucionais, Marcelo Reis; alguns outros assessores e o próprio prefeito. Um pouco mais tarde, a secretária de Finanças, Tânia Bertholino, seria chamada para se juntar à reunião. “Vou colocar R$ 100 milhões na Santa Casa. Vamos zerar a fila de cirurgias eletivas”, me disse o prefeito. Tomei um susto. Nos últimos 20 anos, acompanhei o drama desta fila que só crescia, descontrolada. A terrível espera de quem fica anos até ser operado, muitas vezes com dores e desconfortos terríveis. Se eu tivesse entendido direito, estaria presenciando um momento histórico. (Leia mais sobre o assunto aqui).
 
Na meia hora seguinte, acompanhei uma minuciosa apresentação sobre o tamanho da fila, hoje em mais de 13 mil pacientes; o tempo de espera, com gente aguardando cirurgias ortopédicas desde 2005; a capacidade operacional do hospital; os custos comparativos; o volume de investimento necessário. 
 
Pelos termos ajustados, a partir de janeiro de 2018, ou seja, dentro de 60 dias, a Santa Casa começará a realizar 250 cirurgias eletivas extras por mês — ou, cerca de 3 mil por ano. A Santa Casa, que hoje recebe cerca de R$ 1 milhão por mês da prefeitura, vai passar a receber R$ 2 milhões. Serão R$ 25 milhões por ano para atender a média e alta complexidade e para realizar as cirurgias eletivas. O programa será incluído no PPA (Plano Plurianual), que se estende por quatro anos, e vai até o primeiro ano de mandato do próximo prefeito — seja ele Gilson de Souza, se for reeleito, seja ele quem a população decidir.
 
No final, vi o acordo sacramentado e a proposta ser assinada. Impossível não perceber a emoção do provedor José Cândido Chimionato, do gerente Marcelo Reis, do secretário Rodolfo Morais e do próprio prefeito Gilson de Souza. “Vamos fazer o maior investimento em Saúde Pública da história de Franca. E vamos acabar com esse sofrimento”, comemorava Gilson. “Se precisar, a gente traz médico de fora, mas faz todas as cirurgias no prazo”, garantia o provedor.
 
Agora, é esperar que a burocracia não emperre. A secretaria de Finanças pediu um prazo até segunda-feira para analisar detalhamento a despesa. Pode haver algum ajuste, mas nada que impacte o acordo. Há ainda que se aguardar o crivo do jurídico e a aprovação pela Câmara. Mas, neste caso, duvido que alguém vote contra. 
 
Saí da prefeitura pouco depois das 18h30, muito melhor do que entrei. Acompanhar uma reunião como aquela, capaz de mudar a vida de tantas pessoas, faz muita diferença. Faz também lembrar porque quis ser eleito. Participar de momentos como aquele é uma das razões fundamentais.
 
PS: no final do dia, contei ao prefeito sobre o dilema do atestado de óbito. Ele determinou então que os documentos fossem encaminhados para a Câmara. Há muitas coisas importantes a serem feitas. Brigar por nome de rua, decididamente, não está entre elas. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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