Tiros em Goiânia

Os brasileiros foram surpreendidos, na da última sexta-feira, com mais uma dessas tragédias que desafiam a lógica, as noções mais elementares de certo e errado, quaisquer possibilidades de antecipação ou previsibilidade.

22/10/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Os brasileiros foram surpreendidos, na manhã da última sexta-feira, com mais uma dessas tragédias que desafiam a lógica, as noções mais elementares de certo e errado, quaisquer possibilidades de antecipação ou previsibilidade. O palco do horror foi uma sala de aula do colégio Goyases, instituição de ensino na capital goiana.
 
Eram 11h50 da manhã quando um garoto de 14 anos, filho de um oficial da Polícia Militar e de uma sargento da mesma corporação, considerado por todos bom aluno e filho carinhoso, sacou da própria mochila, no intervalo entre uma aula de ciências e outra de gramática, uma pistola .40 que havia subtraído da mãe na noite anterior — obviamente, sem que ela percebesse. A arma estava escondida num armário trancado a chave. Nada disso foi obstáculo para seu filho.
 
Após um disparo acidental, o rapaz mirou um desafeto, um colega de sala também de 14 anos. Acertou no alvo e fez sua primeira vítima. “Vocês vão todos morrer”, gritou, enfurecido. Fez em sequência mais onze disparos. Matou na hora outro colega de turma e deixou mais quatro feridos — uma de suas vítimas, uma garota da mesma idade, continuava internada em estado grave na tarde deste sábado.
 
Abordado por uma coordenadora da escola quando trocava o pente de balas, fez mais um disparo antes de apontar a pistola para a própria cabeça e indicar disposição para se matar. Foi contido pela coordenadora, que o convenceu a parar. O garoto assentiu, mas recusou-se a entregar a arma. Acompanhou a coordenadora até a biblioteca e ali ficaram até a chegada da polícia.
 
Apreendido — eufemismo usado no Brasil para definir a detenção de menores de idade — pela polícia, o jovem disse que agiu sozinho. O plano, segundo ele, começou a ganhar forma há dois meses, inspirado em outras duas ações trágicas em escolas — a de Realengo, no Rio, em 2011, que deixou 13 mortos; e a de Columbine, no estado do Colorado, nos Estados Unidos, em 1999, que terminou com 15 mortos. 
 
O motivo? Um tipo de bullying, na versão do assassino goiano. Segundo ele, alguns colegas o perseguiam. Era chamado de “fedorento”, diziam que não usava desodorante. Matou quem o irritava — João Pedro Calembo, 14 anos, apontado como seu principal desafeto — e também um amigo — João Vitor Gomes, 14 anos. Feriu gente a esmo. Não fosse a intervenção da coordenadora, a tragédia seria maior.
 
Nestas últimas 48 horas, muito já se especulou sobre o que houve em Goiânia. Não há respostas óbvias nem explicações fáceis. Para ficar apenas no ponto central da questão: sabe-se que bullying é um problema sério, que a depender da intensidade e extensão pode provocar traumas severos, mas será que é razoável imaginar que o xingamento de “fedorento” possa desencadear esse tipo de reação? Quantos de nós, quando jovens, não fomos vítimas ou participantes de situações semelhantes? Há sempre o gordinho chamado de “baleia”, o que usa óculos que vira “zaroio”, o magrinho tachado de “esqueleto”, aquele que não acompanha o ritmo e vira o “burro”... Obviamente, cabe aos pais orientar; e à escola, tentar resolver estes conflitos. Mas como punir aqueles que, ainda que vítimas de bullying ou de quaisquer outros traumas, se transformam em criminosos? A legislação brasileira não ajuda.
 
Tome-se como exemplo o caso goiano. Posso escrever o nome das vítimas, João Pedro Calembo e João Vitor Gomes. Também posso publicar suas fotos. Mas, por força de lei, estou proibido de escrever o nome do assassino. O rapaz que planejou um massacre, que roubou a arma da mãe, que fez treze disparos dentro da sala de aula, que matou dois colegas e feriu outros quatro, não pode ter seu nome divulgado por conta das limitações impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que protege o adolescente infrator. Foto sua? Muito menos. É certo e justo? Não acho, nem um pouco. Por que a sociedade não tem o direito de saber seu nome nem de conhecer seu rosto? É uma inversão de valores burra, para dizer o mínimo.
 
Mas não é só. E as punições possíveis? O próprio promotor encarregado do caso disse em entrevista, neste sábado, que pediu a apreensão provisória do rapaz por 45 dias para “protegê-lo”. Ou seja, até a medida restritiva de liberdade é tratada como “benefício”, e não como uma “punição”.
 
Se condenado, o que nem é certo que aconteça, especialmente após a declaração do pai de uma das vítimas que, surpreendentemente, disse que já “perdoou” o assassino, a pena máxima imposta será de uma internação por três anos. Essa é a pior sentença que pode ser imposta a alguém que matou dois colegas a sangue frio. Não é de estranhar que condenados sejam chamados, no Brasil, do ponto de vista legal, de “pacientes”.
 
Perdoado ou não, vítima de bulllying ou não, o fato é que há um jovem assassino que deveria ser punido pelas mortes que provocou. Tanto para impedi-lo de praticar atos semelhantes como para servir de exemplo para outros que pensem em agir assim. Mais do que nunca, rever a inimputabilidade dos menores de idade é medida urgente, que precisa ser debatida com coragem. Certamente, não resolverá o problema da violência, mas, pelo menos, diminuirá a sensação de injustiça. O que não se pode admitir é alguém não ser punido, apenas e tão somente, por ter menos de 18 anos. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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