Desculpas muito além de esfarrapadas

A Operação Lava Jato há muito conquistou seu espaço na história. Nestes registros por vir, certamente algumas das páginas mais inusitadas, serão aquelas em que seus autores detalharão as 'justificativas'.

17/09/2017 | Tempo de leitura: 5 min

A Operação Lava Jato há muito conquistou seu espaço na história. Não tenho a menor dúvida de que, por gerações, as ações dos procuradores da República e da Polícia Federal, respaldadas pela firmeza do juiz Sergio Moro, dos desembargadores do Tribunal Regional Federal — 4, em Porto Alegre, e dos ministros do STF, serão estudadas, debatidas, comemoradas. 
 
Nestes registros por vir, certamente algumas das páginas mais inusitadas, para não dizer ridículas, serão certamente aquelas em que seus autores detalharão as “justificativas” apresentadas por muitos dos corruptos para tentar escapar da prisão. É patético.
 
Um bom exemplo é como as perspectivas e opiniões de Palocci sobre Lula, e vice-versa, mudaram drasticamente com o advento da Lava Jato. Fundador do PT, Palocci costumava ser generoso nos elogios ao seu líder. “Digo ao presidente Lula que não me arrependo nenhum minuto de ter dedicado 25 anos de minha vida pública ao seu projeto político”, garantia, em 2006, ao deixar o Ministério da Fazenda por conta de denúncias da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo.
 
A recíproca seguia o mesmo tom. “Cada vez que um ministro olha um número, ele tem que se lembrar que ali há uma criança, um homem, uma mulher, que serão vítimas ou que ganharão, se ele souber tratar aqueles números. É por isso que coloquei o meu companheiro Antônio Palocci para ser ministro da Fazenda”, regozijava Lula em 2003. Quase 15 anos se passariam sem que houvesse qualquer mudança na relação. “Palocci é meu amigo, uma das maiores inteligências políticas do país. Ele tá trancafiado, mas não tenho nenhuma preocupação com a delação dele”, diria Lula ainda em abril deste ano.
 
Bastou Palocci depor ao juiz Sérgio Moro para que tanto “carinho” evaporasse. “Quando a Dilma foi tomar posse a empresa entrou num certo pânico. Foi nesse momento que o doutor Emilio Odebrecht fez uma espécie de pacto de sangue com o presidente Lula”, entregou tranquilamente Palocci. Em seu depoimento, Palocci detalhou como, em troca de vantagens no governo, a Odebrecht se comprometera a fazer vários “agrados” ao ex-presidente, como o sítio de Atibaia, o terreno para o Instituto Lula, várias palestras adquiridas a R$ 200 mil cada e mais R$ 300 milhões em propina “para atividades políticas” futuras.
 
A resposta de Lula? “Eu conheço o Palocci bem (...) Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. O Palocci é médico, é calculista, é frio”, bateu o ex-presidente, ignorando solenemente todos os elogios que já fizera a seu ex-ministro.
 
O delator-mor, Joesley Batista, é outro infame. “Foi covardia depois de tudo o que fizemos”, reclamou o encarcerado empresário ao tomar conhecimento da decisão do procurador geral da República, Rodrigo Janot, de rescindir o acordo de delação premiada que garantia imunidade aos executivos da JBS por toda sorte de descalabros que tinham cometido. “Estou pagando por ter delatado o poder”, bradou, como se não fosse ele mesmo um dos maiores representantes do “poder”, bilionário e um dos homens mais ricos do Brasil.
 
É curiosa a escala de valores de Joesley. Durante anos, corrompeu todo mundo. Pagou propinas para receber todas as facilidades imagináveis. Teve acesso a bilhões de bancos estatais a juros módicos. Para salvar a própria pele, a do irmão e os bilhões que acumulou de forma ilícita, topou armar arapucas para amigos, inimigos, empregados, agentes públicos, políticos diversos e até o presidente da República, Michel Temer — que, de inocente, não tem nada, registre-se. 
 
Obviamente, nada há de nobre no gesto nem nos objetivos de Joesley. Covardia maior do que gravar alguém que não sabe que está sendo gravado, muitas vezes induzindo o interlocutor a respostas que interessavam para garantir o perdão judicial, é difícil de encontrar. Foi exatamente isso que Joesley fez. Só que para ele, “covardia” só mesmo quando o acordo foi rescindido e ele, o prejudicado. 
 
Mas a cereja do bolo não podia ser de ninguém menos do que Geddel Vieira Lima, ex-ministro e abjeto cacique do PMDB. “Dono” das 6 malas e 8 caixas com 51 milhões de reais espalhados no chão de um apartamento em Salvador, Geddel aparentemente está disposto a qualquer coisa para sair da cadeia. Na primeira vez que foi preso, há poucos meses, Geddel chorou tanto — literalmente — que conseguiu o benefício da prisão domiciliar. Estava nesta condição quando “sua” fortuna foi encontrada num apartamento emprestado a seu irmão. Desta vez, não adiantou se esvair em lágrimas de crocodilo. Seu destino foi o cárcere.
 
Agora, dizem os advogados que Geddel Vieira Lima corre risco iminente de ser estuprado e, por isso, deve ser colocado em prisão domiciliar. Para embasar seus argumentos, juntam uma “reportagem” de um site obscuro que narra supostas ameaças de traficantes a políticos presos.
 
Lorota. É fato que estupros são comuns no sistema prisional brasileiro, fato lastimável desde sempre. Mas admitir que a presunção de um possível estupro, sem indícios sólidos e sem fato determinado, possa justificar a soltura de alguém significaria, na prática, ter que mandar para casa todos os detentos brasileiros. 
 
Obviamente, cadeia não é resort. Também não deve ser calabouço. Os riscos a que Geddel está submetido não são um milímetro maiores do que aqueles a que estão expostos todos os outros detentos. Que ele fique preso. E de preferência, quieto. Toda vez que Geddel surge no noticiário, é para nos matar de raiva — ou de vergonha. Acho difícil que o cárcere apure seu caráter. Podia, pelo menos, diminuir sua propensão ao ridículo. Ajudaria, pelo menos, a ficar menos feio nos livros de história. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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