Nenhum cargo a mais

O delírio ganhou as redes sociais e, não fosse a firmeza de um grupo de vereadores, poderia ter comprometido a aprovação de um projeto que nada mais faz além de cumprir o que estabelece uma decisão judicial.

23/07/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Corria dezembro do ano passado. No mês anterior, numa virada surpreendente, Gilson de Souza (DEM) havia batido Sidnei Rocha (PSDB) no segundo turno da disputa eleitoral. Referendado por cerca de 94 mil francanos, recebera a missão de governar a cidade pelos quatro anos seguintes. Eu também tinha sido eleito, graças à confiança de 6.060 francanos que me deram a segunda maior votação da história da Câmara Municipal. Enquanto tratava da burocracia para me afastar das funções diretivas que exercia nas empresas dos quais participava, me preparava também para o início do exercício do meu mandato. 
 
O Réveillon e a posse se aproximavam rapidamente. O governo de transição ensaiava então seus primeiros passos e começava, lentamente, a dividir com os vereadores eleitos suas primeiras preocupações. Uma delas era o problema da estrutura dos cargos comissionados da prefeitura, considerados irregulares pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Sabia-se que haveria um prazo curto para a solução do problema. Sabia-se, também, que não seria uma tarefa simples descrever corretamente, via projeto de lei específico, cada uma das funções comissionadas que existiam na prefeitura. 
 
Era essa a essência do problema, que se arrastava há inacreditáveis 21 anos, desde 1995, quando Ary Balieiro era o prefeito. Tudo tinha ficado ainda mais complicado com a monárquica decisão de Alexandre Ferreira (PSDB) de retirar a necessidade de aprovação legislativa para atribuir funções aos cargos, medida considerada arbitrária e ilegal pelo Tribunal de Justiça. O próprio Comercio, na esteira da decisão judicial, alertaria semanas depois, em manchete, que se não houvesse a regularização, todos os cargos, o que incluía até diretoras de escola, seriam considerados extintos e a prefeitura, simplesmente, pararia. 
 
Empossados em 1º de janeiro, teríamos na terça-feira, dia 03, a primeira sessão ordinária da Câmara Municipal. Desde aquele instante, há mais de seis meses, discutimos os tais cargos. Foram muitas reuniões com representantes da prefeitura onde diversas ponderações foram feitas. Em nenhum momento, cogitou-se, nem mesmo de forma abstrata, ampliar o número de cargos existentes. É importante que se ressalte que nem o governo, nem os vereadores, jamais trabalharam num caminho que pudesse, minimamente, ser confundido com aumento de cargos, ampliação de gastos ou redução da importância dos servidores de carreira. Nem eu, nem nenhum outro vereador, aposto, concordaria com isso, por mais veemente que pudesse ser a argumentação do Executivo. 
 
Nos últimos dias, especialmente na semana que passou, a discussão foi completamente desvirtuada. Interesses legítimos — como o de um grupo de servidores descontentes em serem transferidos da secretaria de Educação para a nova pasta do Esporte ou a convicção pessoal de alguns vereadores — misturaram-se a outros rasteiros — como o que moveu um calçadista capaz de patrocinar com o sorteio de uma moto quem se dispusesse a protestar e me xingar, atacar o governo e esbravejar contra quem mais defendesse a regularização dos cargos — e a uma indisfarçável mágoa de uma parcela do PSDB — aparentemente incapaz de superar a derrota nas urnas, o que levou a liderança do tucanato local a tentar colocar um cabresto nos seus vereadores — para rejeitar o projeto. 
 
De uma hora para outra, a regularização foi transformada em “criação de cargos”, como se estivesse em discussão o aumento dos comissionados. O delírio ganhou as redes sociais, as correntes de whatsapp e, não fosse a firmeza de um grupo de vereadores, poderia ter comprometido a aprovação de um projeto que nada mais faz além de cumprir o que estabelece uma decisão judicial. Neste ponto, é curioso observar, em retrospecto, que durante 12 anos seguidos o PSDB esteve no comando da prefeitura da cidade. Não apenas deixou o problema aumentar como, diante da possibilidade de ajudar a resolvê-lo, preferiu um caminho muito distinto.
 
O governo Gilson de Souza está muito longe de ser perfeito. Apesar de bem intencionado, comete erros amadores, que precisam ser resolvidos logo. Não foi diferente no caso da regularização dos cargos, projeto que foi protocolado uma vez, retirado, protocolado de novo com falhas, o que necessitou de emendas para ser corrigido, e que ainda não está completamente resolvido. Mas a verdade tem que prevalecer. E o fato, puro e simples, é que não houve aumento dos cargos.
 
Até sexta-feira, a prefeitura de Franca tinha 338 cargos comissionados, o que inclui diretoras de escola e conselheiros tutelares. Destes, 301 deles estão preenchidos, ou seja, ocupados por alguém — 64% deles, servidores de carreira da própria prefeitura. Após a aprovação do projeto, continua tudo exatamente igual. São os mesmo 338 cargos, ocupados por 301 pessoas. As novas secretarias foram criadas usando esta própria estrutura, sem que um único cargo que extrapole os 338 tenha sido implementado. 
 
A mentira é sempre sedutora, a maldade atraente, mas a realidade se impõe. Será mesmo que alguém acredita que, se Gilson de Souza chamasse a partir de amanhã 338 novos funcionários para trabalhar na prefeitura, ninguém perceberia? Onde eles seriam instalados? Será que ninguém veria centenas de nomeações publicadas no Diário Oficial? Alguém imagina que seria possível camuflar uma despesa dessas nas contas públicas? É claro que não. A verdade, pura e simples, é que os 338 cargos que foram regularizados esta semana já existem — e vão continuar assim. Sem acréscimos, sem despesas adicionais, sem quaisquer manobras ou irresponsabilidades. Apenas, agora, dentro da lei. E ponto final.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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