É sempre quando os ipês colorem Franca, e um céu de azul singular nos comove e inspira, ou seja, nesta época de natural beleza sinalizando mudança de estação, que nós, no Comércio da Franca, assestamos nossos olhos no passado, e buscamos na memória os nomes que fizeram a história deste jornal que chegou no último dia 30 de junho a admiráveis 102 anos de circulação ininterrupta.
Mirar o pretérito remoto significa resgatar a figura primeva de José de Mello, autodidata que ganhava a vida numa papelaria onde se imprimiam materiais tipográficos e circulavam ideias que despertaram no comerciante o desejo de criar mais um jornal na cidade. O Comércio chegou às mãos dos francanos em 30 de junho de 1915, contando em edições semanais a vida de uma cidade do interior no começo daquele século XX que ainda repercutia a abolição da Escravatura e a proclamação da República. Um tom algumas vezes lírico caracterizava notícias de um tempo que parecia transcorrer vagarosamente, ao ritmo lento dos toques nas teclas da máquina de datilografia usada pelo dono e seu auxiliar.
Cinco anos durou a criatura no comando de sua criação, que passou a ser cuidada por Vicente Paiva, homem descrito por seus contemporâneos como pessoa ligada às artes, especialmente à música. Naquele 1920, ele chamou para a redação incipiente Oscar Octaviano, que morreu no ano seguinte. Paiva ainda tentou manter-se na direção por mais um ano; mas desistiu da vida jornalística e vendeu ao empresário Ricardo Pucci.
Em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, que traduzia em temos estéticos as grandes mudanças do mundo, Ricardo Pucci assumiu e desde o primeiro instante revelou estilo empreendedor. Investiu no jornal contratando jornalistas, diagramadores e técnicos em impressão. Sob seu comando, o Comércio cresceu em qualidade, ampliou o número de assinantes, passou a circular duas vezes por semana. Ricardo Pucci foi o responsável por inserir o Comércio na modernidade.
Depois de 33 anos de muito trabalho, vendeu o jornal, em 1955, a Alfredo Costa, que para fechar a negociação se associou a Jorge Cheade e Márcio Bagueira Leal. Alfredo Costa conferiu um tônus político ao jornal, ao mesmo tempo que continuava o processo de modernização, não tanto das estruturas gráficas, mas na forma de registrar visões de um mundo que se transformava a olhos vistos desde o fim da Segunda Guerra. Mas os anos de chumbo da ditadura militar o pegaram em cheio, e o desalento foi determinante quando, completados 18 anos à frente do Comércio, vendeu-o a Correa Neves em 1973.
Jornalista com passagens por importantes órgãos de São Paulo, como Última Hora; ser essencialmente político; acima de tudo homem curioso e corajoso diante do mundo e da vida em todas as suas manifestações, Correa Neves associou-se a Delcides Essado quando resolveu aceitar a proposta de Alfredo Costa. Desde o primeiro dia dos seus restantes 32 anos, Correa Neves fez do jornal seu projeto de vida. Contratou profissionais e contraiu empréstimos para importar uma impressora moderna. Deixou o prédio acanhado da Marechal Deodoro e foi para um mais arejado na Ouvidor Freire. Implementou o uso das ‘composers’, aposentando as máquinas de datilografia. Criou o exitoso caderno de Classificados. Ampliou o número de redatores, aos quais sinalizou sua maneira de ver o noticiário estampado nas páginas do jornal: próximo da população e o mais rápido possível. Por conta disso, para citar apenas um exemplo, exigia que um repórter estivesse atento às corridas de que participava Airton Senna do outro lado do mundo. Não importava
o fuso horário: mesmo que a corrida terminasse às quatro horas no Brasil, o resultado estaria na capa do Comércio, que começava a circular às seis. Ele já demonstrava essa premência de noticiar rapidamente, quando o veloz mundo digital ainda estava sendo gestado.
A morte de Correa Neves, em 2005, levou para a direção do Comércio seu filho, Correa Neves Junior, experimentado nas lides jornalísticas desde os 19 anos. Aos 31, com know how que o habilitava a exercer o comando, pois havia passado por todas as instâncias do ofício, assumiu com o vigor mental que lhe é reconhecido e o olhar de vanguarda que é sua marca registrada. Reconfigurou o jornal, conferindo-lhe perfil ainda mais identificado com a cidade e o integrando à Rádio Difusora, adquirida no final de 2004. A ideia de reunir jornal e rádio tornou-se o embrião de um processo que levou à criação de um portal. O ineditismo do grupo de mídias conectadas atraiu olhares de muitos empresários do setor e eles se fizeram presentes na inauguração da nova sede do agora conhecido GCN, no bairro Jardim Ângela Rosa. O Comércio mudava não só o endereço físico, depois de décadas no centro da cidade, mas também seu perfil no mundo da comunicação, onde agilidade, interatividade, instantaneidade são as palavras de ordem que permitem a sobrevivência do papel impresso. Correa Neves Junior a isso tem dedicado todas as suas energias, ainda que a eleição para a Câmara Municipal de Franca o tenha afastado da direção, exigência legal enquanto durar o mandato. Mas seja assinando a coluna Gazetilha, seja comandando o programa Hora da Verdade, ele está por inteiro presente no jornalismo que pratica com paixão.
A direção do Comércio é exercida desde primeiro de janeiro deste ano por Joelma Ospedal, jornalista experiente, há duas décadas no Comércio, e cujas qualidades profissionais e pessoais a credenciam com louvor para desenvolver trabalho ético, cuidadoso, de liderança enérgica mas atenciosa às demandas do grupo de profissionais que comanda e dos milhares de leitores que acompanham o jornal que ela agora dirige. E no atual momento vivido pelo Comércio, que se é de transformação também é de resiliência, vem se somar à jovem direção de Joelma a força também jovem de Rodrigo Henrique, cujos vínculos com o Comércio superam os vinte anos. Com experiência administrativa, energia transbordante, e um talento incomensurável para a comunicação, Rodrigo prossegue sua trajetória na empresa, vivendo mais um capítulo e protagonizando agora papel que o desafia e ao mesmo tempo o motiva, o que será benéfico para toda a equipe.
Apesar do império da virtualidade, do noticiário instantâneo, da segmentação avassaladora, da fluidez perturbadora que levou vários impressos brasileiros, alguns centenários, ao encerramento de suas atividades nestes tempos pós-modernos, o Comércio da Franca resiste. E em condições de se reinventar, mudando formato, adotando textos mais concisos, abrindo espaços para a interlocução com o leitor. E, claro, mantendo um noticiário pleno de informações significativas com a credibilidade que o fez sustentar-se impávido até aqui, e num estilo que o distingue e define como o jornal que todo mundo lê- porque gosta dele e nele confia.
Vista em retrospectiva, a história do centenário Comércio lembra tocha acesa passada de uma mão a outra. Os que não permitiram que ela se apagasse, garantiram o tremular da chama destinada a iluminar a pluralidade de ideias, valores, manifestações, anseios, vontades e intenções da comunidade de leitores à qual o jornal se destina. Para eles, a equipe comandada por Joelma Ospedal preparou a edição cuidadosa deste domingo, com listas de fatos e fotos que emocionaram, surpreenderam, embelezaram, motivaram e levaram o leitor a refletir sobre a vida e suas circunstâncias nem sempre previsíveis. Ler este material é também reencontrar o passado recente e mobilizar a alma para reavaliar sob novos ângulos a Franca para a qual o jornal existe.
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