'Não falo que estou cansado, para não dar mau exemplo'


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É domingo. Não importa a hora, nem o que você pretende comprar. Certeza que vai encontrar no supermercado São Paulo. O “seu” Aparecido dá um jeito. Se não tiver, ele manda buscar.
Aos 79 anos, Aparecido Maldonado Ponce tornou-se uma referência em Franca por nunca fechar o supermercado e oferecer de tudo. Mesmo não tendo celular e sendo avesso à internet, é personagem frequente nos memes que circulam nas redes sociais. Quando Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos, os francanos desejaram boa sorte e avisaram. “Se precisar de alguma coisa, é só falar com o Aparecido”. Michel Temer pode cair? “Aparecido para presidente. Esse trabalha 24 horas”. Seu Aparecido se acostumou com as brincadeiras e está curtindo a fama obtida nas redes sociais. Passou a ser chamado de presidente pelos clientes. O que não muda é a simplicidade e o amor pelo trabalho. 
Seu Aparecido foi balconista por quatro anos. Há 60, é dono do próprio negócio. Não pensa em parar. Acorda todos os dias às 6 horas e vai dormir por volta da meia noite. Aos domingos, como ninguém é de ferro, fecha o supermercado um pouco mais cedo, às 22 horas.
Conheça um pouco mais do mito Aparecido, o homem que trabalha há seis décadas, nunca tirou férias e não reclama.
 
Como começou a história do senhor com o setor comercial?
Eu nasci na fazenda Palmital, onde moramos até meus 15 anos, quando mudamos para a cidade. Comecei a trabalhar numa quitandinha dentro do mercado municipal com o seu Mateus Garcia Fernandes. Trabalhei dois anos com ele, de 1953 a 55. O mercado foi demolido e eu passei para a Praça João Mendes com o filho do seu Mateus, que se chamava Diogo. Era uma família muito boa, que me acolheu quando vim da roça e não sabia nada. Com pai e filho, trabalhei quatros anos. Em 1957, apareceu um senhor chamado Adelino Nogueira, que me vendeu uma quitandinha na avenida Presidente Vargas. Comprei sem condição de nada, pois era empregado e ganhava muito pouco. Meu tio Francisco Ponce me arrumou o dinheiro para pagar. Ali, começou tudo. Graças a Deus, a gente foi crescendo. Fiquei lá por três anos. Depois, passei para a esquina da Presidente Vargas com a Afonso Pena, três portas para baixo. Fiquei de 1960 até 69, quando comecei a construir um pequeno estabelecimento onde estou até hoje.
 
Quando o senhor comprou a quitanda imaginava que um dia o supermercado do senhor seria uma referência?
Não tinha como imaginar. As coisas vão acontecendo aos poucos, devagar. Fui fazendo ampliações ao longo do tempo. Com muito trabalho e a ajuda de Deus e dos clientes, chegamos onde estamos.
 
O supermercado São Paulo é famoso por ter de tudo. Calcula quantos itens o senhor vende?
Não tenho base, são milhares. Graças a Deus, temos muita variedade. Quando o freguês procura uma coisa que não tem, a gente anota para adquirir. Com isto, vamos ampliando cada vez mais as opções. Ter de tudo mesmo é, humanamente, impossível. Na medida do possível, as mercadorias que o povo mais precisa, a gente dá um jeito de oferecer. Não existe falar que tem de tudo. Nós não vamos ter peça de caminhão, peça de avião. Temos aquilo que a dona de casa ocupa sempre.
 
O senhor sabe onde está exposto cada produto? 
Sim. Eu sei onde ficam 99% dos produtos, porque a gente amanhece e anoitece no supermercado há muitos anos. Assim, temos condições de saber um pouco mais.
 
Como lida com as brincadeiras de que não fecha nunca?
Levo numa boa. As pessoas brincam sempre com a gente, fazem elogios, gosto disto. Se for uma crítica, eu acolho também. Não tem problema, temos que acatar.
 
O que acha dos memes fazendo piadas com o senhor?
Sempre que acontece alguma coisa em Franca ou no Brasil, as pessoas me colocam no meio e inventam uma brincadeira comigo. Estou sempre nas paradas. Os meninos sempre me mostram, porque não tenho celular, não mexo com internet. Guardo as coisas é na cabeça, mesmo. Os clientes também já chegam no supermercado brincando quando tem alguma coisa nova. Eu fico feliz e orgulhoso por estar sendo lembrado. 
 
Nessas brincadeiras, o senhor foi lançado candidato à presidente da República, pois trabalha 24 horas. Está preparado para substituir o Temer?
Essa brincadeira bombou. Os clientes chegam aqui no mercado e falam: “ô, presidente”. Quem sou eu para substituir o presidente? Meu negócio não é política, não.
 
O senhor trabalha há 64 anos. Verdade que nunca tirou férias?
A verdade é o seguinte: às vezes, a patroa quer passar três ou quatro dias fora, e a gente sai um pouco. Agora, falar que eu vou pegar 10 dias, 15 dias de férias, um mês, isto nunca aconteceu, não. A gente sai no máximo uma semana. A patroa gosta de passear em Caldas Novas, onde tem estas águas quentes. Também vamos para a praia. Não sou muito chegado em praia, mas a gente não faz só o que gosta.
 
Falando em praia, circularam fotos do senhor em uma mesa com um coco, que teria levado do supermercado. É verdade?
Eu vi essa foto também (risos). Não levei nada, não. É piada do povo. Eles inventam de tudo da gente. Me divirto com isto. De dez dias para cá, todo mundo me chama de presidente. É o dia todo isso aí e a gente vai levando numa boa.
 
O que o trabalho representa para o senhor?
Trabalhar é muito bom. Todo mundo deve levantar de manhã e saber para onde vai, ter o que fazer. Poder trabalhar é um prazer muito grande. Me sinto bem e feliz. Enquanto Deus me der saúde, estarei aí nas paradas. O trabalho não mata ninguém. Na fazenda onde morava, comecei a fazer serviços leves aos sete anos. Com dez, comecei a carpir na roça.
 
Já estipulou um prazo para parar de trabalhar?
Me aposentei há muitos anos, mas não penso em parar. Enquanto Deus me der saúde e minhas condições físicas aguentarem, eu vou trabalhando. Gosto de acordar cedo e atender os clientes e vendedores. 
 
Como é a rotina do senhor?
Eu acordo às 6 horas, tomo o remédio e desço para o supermercado. Tomo o café por volta das 8 horas. O mercado fica aberto até as 23 horas. Durmo seis horas por noite. Quando quero descansar um pouquinho eu subo (mora na parte de cima do supermercado) e tomo um café. Gosto muito de ouvir rádio. Eu ia muito na Francana. Agora, não tem jeito, mas peço para todo mundo ir e ajudar. Vejo futebol na televisão. Às vezes, vou passar umas horinhas no sítio. E eu não tiro folga. Os meninos é que vão revezando. Estou sempre aqui, só não fico se não tiver saúde. Não falo para ninguém que estou cansado que é para não dar mau exemplo.
 
Como está a saúde?
Pela minha idade, até que, graças a Deus, está boa. Não vou querer ser igual a alguém de 18, 20 anos.
 
Já tinha visto uma crise tão grave como a que o País está enfrentando?
Nunca vi uma crise tão forte, não. É a mais grave, sim. O desemprego é grande e deixa a gente muito triste. Eu queria ver o Brasil crescendo e tendo emprego para todo mundo. Tenho fé que vai melhorar. O Brasil é um País muito bom, muito rico, exporta para todos os lados e eu acredito que vai vencer a crise. Ainda seremos uma potência.
 
Qual conselho o senhor gostaria de dar para os leitores que estão acompanhando sua entrevista?
Não desanimar nunca, seguir em frente. Nada é fácil. Agora, nesta época de crise, é o momento que mais temos que lutar, trabalhar e produzir. A esperança não morre. As coisas vão melhorar e o País voltará a crescer. Aproveito para agradecer pela entrevista, isto me enche de orgulho. Não tem dinheiro que paga uma coisa dessa que vocês fazem para a gente. Me sinto um homem realizado. Eu era um simples lavrador, um capinador de café. Agradeço demais a Deus por tudo o que tem feito por mim.

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