Haja alpiste

Imaginar que o Brasil inventou a corrupção seria um exagero. Há registros desde os primórdios da humanidade de práticas em que alguém

21/05/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Imaginar que o Brasil inventou a corrupção seria um exagero. Há registros desde os primórdios da humanidade de práticas em que alguém dá dinheiro a outrem para obter favorecimento numa relação em que burla regras, costumes, a lei, a própria honra - não raro, tudo isso junto. Sêneca, por exemplo, escritor e político romano, viveu na época de Cristo. Há mais de dois mil anos, já divagava sobre qual seria o melhor cargo, governador ou senador, para obter vantagens financeiras - na sua conclusão, apontava que as maiores oportunidades se apresentavam para quem comandasse uma província do vasto império romano, desde que usasse parte do recurso obtido de forma espúria para agradar também o poder central. 
 
Na sua lógica, o grande pensador conclui que um governador poderia conseguir muito dinheiro com práticas ilícitas se distribuísse um pouco de seu lucro para os senadores e, assim, obtivesse deles inércia e complacência. “Desde que o dinheiro (...) começou a merecer honras, a honra autêntica começou a perder terreno (...) Somos boas pessoas por interesse, somos bandidos por interesse, praticamos a moralidade enquanto dela esperamos tirar lucro, sempre prontos a inverter a marcha se pensamos que o crime pode ser mais rendível”, vaticina, em tom de ironia. 
 
Se é verdade que o Brasil não inventou a corrupção, também é verdade que em nenhum outro lugar do mundo, não importa para qual período da história se mire, a corrupção foi tão flagrante, descarada, vultosa, recorrente, indiferente ao controle legal e social, abrangente e desavergonhada quanto tem se revelado por aqui. Esta é uma diferença substancial. Por aqui, a corrupção ganhou escala impressionante. É um atacadão do malfeito, um desvio sem precedentes de recursos públicos para comprar favores de políticos e, assim, obter ainda mais recursos públicos de forma ilícita. 
 
Desde o Mensalão, tornado público em 2005 a partir de uma gravação que mostrava um pequeno esquema de corrução dentro dos Correios e que descambou na descoberta de uma mesada sistemática paga a congressistas para aprovar projetos de interesse do governo federal, a coisa não para de piorar. 
 
Vieram, depois, o Petrolão e os bilionários desvios nas diretorias da Petrobrás, como no caso da desastrosa operação de compra da refinaria de Pasadena que resultaria, indiretamente, no impeachment de Dilma Roussef; as delações premiadas, no âmbito da operação Lava Jato, da construtora OAS e a consequente descoberta do sítio em Atibaia e do triplex no Guarujá cujas propriedades são atribuídas ao ex-presidente Lula; passando ainda pela quase inacreditável “diretoria de propinas” da Odebrecht, ou setor de “operações estruturadas”, que distribuiu dinheiro a rodo a políticos em troca de favorecimento em contratos bilionários de obras de infraestrutura, os escândalos não pararam de se repetir. 
 
Quando todo mundo imaginava que nada de muito pior podia acontecer, a delação premiada do dono da JBS-Friboi, Joesley Batista, com direito a gravações comprometedoras do presidente da República, Michel Temer (PMDB), do senador e presidente do PSDB, Aécio Neves, e de coadjuvantes da pior espécie, mostrou que o fundo do poço, se é que existe, ainda está muito distante.
 
O que se sabe até agora flerta com o realismo mágico, vertente da literatura em que o absurdo se mistura ao plausível. Descobriu-se que o fragilíssimo presidente Michel Temer, outrora um respeitado professor de Direito Constitucional, recebe empresários na calada da noite no Palácio do Jaburu para tratar do silêncio de possíveis delatores, do suborno de autoridades do judiciário, de informações econômicas sensíveis que podem proporcionar ganhos gigantescos para quem tiver acesso privilegiado a elas e de tudo de mais indecente que se possa imaginar.
 
Da conversa com Aécio Neves, emerge um diálogo muito mais pertinente a um integrante de gangue do que a um membro do Senado da República, recheado de palavrões e impropérios. Têm pedidos de dinheiro, insinuações de manipulação da corte constitucional, tratativas para criar leis que dificultassem investigações, notadamente da Lava Jato. Há ainda os detalhes de uma conta corrente mantida pela empresa em favor de Lula e Dilma, com saldo disponível de R$ 150 milhões. 
 
Os números revelados pelo esquema JBS são tão grandes quanto nauseantes: a empresa, que tem cerca de 210 mil funcionários espalhados por 346 fábricas e escritórios em 20 países dos seis continentes, contribuiu nos últimos anos com propina para eleger 179 deputados estaduais, 167 federais, 28 senadores e 16 governadores, de 28 partidos diferentes, além dos últimos três presidentes da República. O esquema todo movimentou meio bilhão de reais.
 
Cereja do bolo, descobriu-se ainda que o formalíssimo Michel Temer recorre a expressões quase infantis para dissimular sua ação criminosa. Segundo Ricardo Saud, executivo da JBS premiado com imunidade por conta de sua delação, Temer perguntava ao interlocutor se “estavam dando alpiste para o passarinho” quando queria saber se determinado político estava sendo silenciado com propina. Segundo o relato de Saud, foi essa a pergunta que Temer fez para saber se a JBS estava mantendo os repasses sujos ao famigerado Eduardo Cunha, residente neste instante no sistema prisional do Paraná.
 
Difícil manter a esperança diante de um cenário desses. Ainda assim, é preciso. Há que se manter um fio de expectativa positiva, de crença nas instituições, mesmo que hoje tão combalidas e maculadas. “O país sempre vai sobreviver”, insistiu neste sábado Carmem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Uma mulher proba, íntegra, decente - um tipo de autoridade cada vez mais rara. Que assim seja, ministra. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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