Sinuca de bico

Gilson de Souza (DEM) venceu as eleições, foi empossado e, com o início do mandato, viu crescer os problemas no Centro na mesma proporção em que as reclamações da população disparavam.

07/05/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Foi meu pai quem me ensinou a jogar sinuca. Tinha uns dez anos e morávamos numa chácara na avenida São Vicente. Havia um bosque de eucaliptos, campo de futebol... Também tinha um salão de festas onde, no fundo, repousava majestosa uma mesa de sinuca. Toda de madeira trabalhada, pano verde, tacos e bolas lustrosas, era fonte de diversão permanente. Naquela mesa, aprendi o que significa estar numa sinuca de bico, uma situação - no jogo ou na vida - onde não importa o que você faça, são grandes as chances de que não vá funcionar. Sair de uma sinuca de bico é para poucos. Depende de habilidade, talento, firmeza e, também, de um pouco de sorte. 
 
Me lembrei disso tudo, nestas conexões involuntárias que o cérebro vez ou outra faz, por conta de um problema que tem incomodado enormemente a população: a total falta de fiscalização no Centro de Franca, o que transformou a região numa espécie de “terra de ninguém”, um espaço onde se misturam sem qualquer controle vendedores ambulantes, pedintes, guardadores de carro e mais o que se possa imaginar. 
 
O problema começou no governo anterior. Um grupo de fiscais de Obras e Posturas, setor que sempre cuidou dos ambulantes, cansou de buscar diálogo. Queriam, entre outras coisas, que houvesse proteção e apoio quando fossem fiscalizar o Centro, por razões óbvias. Jamais tiveram resposta. Apelaram a cinco procedimentos administrativos. Foram sumariamente engavetados. Resolveram então procurar a Justiça. Ingressaram com uma ação onde argumentavam que a fiscalização dos ambulantes seria de responsabilidade de outra turma, a dos fiscais de Rendas e Tributos. Em outubro, saiu a decisão favorável. Desde então, Obras e Posturas está desobrigada de fiscalizar os ambulantes. 
 
Gilson de Souza (DEM) venceu as eleições, foi empossado e, com o início do mandato, viu crescer os problemas no Centro na mesma proporção em que as reclamações da população disparavam. Desde então, procura uma alternativa para o problema.
 
Primeiro, pensou-se em mandar então os fiscais de Rendas cuidarem da tarefa. O problema é que isso nunca foi atribuição deles. É fato que na descrição dos cargos há menção a esta tarefa, mas isso também existe de forma semelhante no caso de Obras e Posturas. E, ainda assim, foi invalidado por decisão judicial da qual, registre-se, cabe recurso. Assim, obrigar os fiscais de Rendas a fazer o trabalho pode resultar em uma nova batalha judicial. E o problema, já grande, periga ficar ainda maior, com a paralisação de um setor fundamental para a arrecadação do município.
 
O governo partiu então para tentar modificar as funções dos fiscais de Obras e Posturas, incluindo a incumbência de fiscalizar os ambulantes, por meio de uma alteração na lei. A iniciativa foi natimorta. O projeto chegou a ser enviado para a Câmara mas recebeu, como não poderia ser diferente, pareceres contrários das Comissão de Justiça e Redação e Finanças e Orçamento. A razão é simples: não se pode modificar os efeitos de uma decisão judicial por mera alteração legislativa. Não desta forma. Portanto, enquanto estiver vigente a decisão judicial, é impossível incluir tais “obrigações” para o pessoal que já é servidor de carreira.
 
Como nada é tão ruim que não possa piorar - ou, no mínimo, ficar mais difícil -, o Ministério Publico iniciou uma investigação contra Alexandre Ferreira e Gilson de Souza por suposta omissão na fiscalização dos ambulantes. Não há nada demais na ação do MP, que cumpre seu papel de defender a sociedade. O problema aqui é só descobrir como fazer para fiscalizar o Centro se há uma decisão judicial que isenta boa parte da equipe de cumprir exatamente esta função. A situação toda é uma sinuca de bico perfeita.
 
Sugeri ao governo e aos colegas vereadores uma alternativa. Que modificássemos a lei apenas para os fiscais que viessem a ser chamados a partir de agora. Como há aprovados nos concursos prontos para assumirem suas funções, e como o contrato de trabalho começa a valer a partir do chamamento e de sua assinatura, incluiríamos de forma expressa na definição da função a fiscalização dos ambulantes. Assim, novos fiscais poderiam assumir imediatamente e partir para a rua. Qual o problema? Tem gente que acredita que a incumbência deve ficar com a área de Obras e Posturas. Há quem defenda que deva ser direcionado para Rendas. Além disso, uma parte dos vereadores teme que os fiscais que vierem a ser convocados possam processar a prefeitura no futuro requerendo “isonomia” com seus colegas que são desobrigados da função. Em que pese a divergência e algum risco, ainda acho que é a solução possível, especialmente porque prefiro apostar na boa fé dos fiscais que serão chamados a esperar por uma solução definitiva que demande meses - ou até mais de um ano. Para fazer tudo como precisa ser feito, há que se revisar o Código de Posturas, mudar a descrição das funções e ainda realizar um novo concurso público, com toda a burocracia que isso exige. Ninguém aguenta esperar tanto.
 
O taco está nas mãos do prefeito Gilson de Souza. Sorte e talento ele já mostrou que tem. Quanto mais firme for sua jogada, maiores as chances de acertar. O que não pode é continuar como está. O Centro precisa de ajuda. A fiscalização tem que ir para a rua zelar pelo espaço público. Quanto antes, melhor.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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