É possível

Estivemos nesta última semana em São José do Rio Preto. Se o porte das cidades é semelhante, a diferença de qualidade do transporte coletivo não poderia ser maior.

02/04/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Não é de hoje que a população de Franca critica a qualidade do transporte coletivo. Há décadas repetem-se argumentos muito parecidos: faltam ônibus, especialmente nos horários de pico; a frota é velha e mal cuidada; muitos itinerários excluem bairros distantes; atrasos são frequentes. E, absurdamente, pratica-se em Franca uma das tarifas mais caras do Brasil.
 
Eleito vereador, propus e consegui apoio unânime dos colegas de Câmara para instalar uma CEAR (Comissão Extraordinária de Assuntos Relevantes) para investigar e apresentar propostas para melhorar o transporte coletivo. Como autor da proposta, assumi a presidência. Fazem parte ainda da comissão os vereadores Diretor Marcos (PSDB), relator; e Ilton Ferreira (DEM). 
 
Obviamente, por se tratar de um trabalho em andamento, não há como se falar em conclusões definitivas. Há mais de 25 mil páginas de documentos para serem analisadas. Mesmo assim, afirmar que há algo de muito equivocado, para dizer o mínimo, na maneira como se dá a relação entre prefeitura e São José, nem de longe é uma precipitação. Só não vê quem quer.
 
Tome-se como exemplo as oitivas de testemunhas realizadas até agora. Foram cinco pessoas. Todos, antigos ou atuais funcionários da Emdef (Empresa Municipal para o Desenvolvimento de Franca), que tem como obrigação fiscalizar a São José. E, afinal, como é feita a fiscalização?
 
Não é feita. Para um “negócio” que movimenta mais de R$ 300 milhões de reais, não há uma área específica dedicada a acompanhar o contrato. Não há reuniões periódicas de avaliação. Também não há atas de quaisquer reuniões esporádicas onde tenham sido discutidos problemas. O que existe é apenas uma equipe de seis pessoas, baseada no terminal central, que faz um acompanhamento do serviço. Tanto o GPS quanto a bilhetagem (que computa os passageiros) são contratadas e pagas diretamente pela São José, sem qualquer auditoria independente. Dizer que a raposa toma conta do galinheiro não poderia ser uma imagem mais apropriada.
 
Para piorar, e por mais incrível que isso possa parecer, desde que o famigerado acordão que perdoou a empresa pelo descumprimento do contrato foi assinado no início de 2013, já se passaram quatro anos. Desde então, nenhuma nova multa foi aplicada contra a São José. Nenhumazinha. 
 
A boa notícia é que há uma luz no fim do túnel. Estivemos nesta última semana em São José do Rio Preto, localizada a 250 km de Franca. Se o porte das cidades é semelhante (pela estimativa de 2015 do IBGE, Franca tem 345 mil habitantes, contra 430 mil de Rio Preto), a diferença de qualidade do transporte coletivo não poderia ser maior. 
 
Para começar, Rio Preto tem duas empresas que operam na cidade (dividida em dois lotes de transporte coletivo, cada um seguindo uma margem do rio) através de um consórcio. No total, no pico, são 250 ônibus em circulação, contra 98 em Franca. E eles ainda acham pouco. 
 
Qualquer um pode acessar um aplicativo no celular e saber, em tempo real, quais os pontos de ônibus nas proximidades e quando vai passar o próximo circular. O usuário vê num mapa uma linha tracejada com o trajeto do ônibus e quanto tempo falta para ele chegar. Todos os ônibus são adaptados para o transporte de deficientes físicos. Todos também tem quatro câmeras que gravam tudo que acontece no trajeto, dentro e fora do ônibus. 
 
Para completar, dois números traduzem a diferença da fiscalização. Desde que a nova concorrência entrou em vigor, há quatro anos, Rio Preto aplicou nada menos de 20 mil multas contra as empresas, num total de R$ 3 milhões em penalidades. Tudo resulta em multa: atraso, pular ponto, mudar a rota.
 
E a tarifa? Em Rio Preto, acabou de subir, dois meses depois do previsto, graças a um apelo do prefeito eleito. O usuário paga hoje R$ 2,90 se usar o cartão. Em dinheiro, sai a R$ 3. A diferença é absurda com o que se pratica em Franca. Há que se considerar que esta tarifa só é possível porque há subsídios da prefeitura. Mas a surpresa é que, mesmo se descontados os subsídios, ainda assim preço seria muito mais barato. A tarifa técnica é de R$ 3,43. Trata-se do valor o que o consórcio recebe por passageiro e é suficiente para cobrir os custos mais o lucro. Ou seja, mesmo que não houvesse qualquer aporte da prefeitura, o usuário de Rio Preto ainda pagaria muito menos do que o de Franca, que hoje desembolsa R$ 3,80 - e muito provavelmente, R$ 4,20 a partir de junho. 
 
Por fim, para não dizer que não falei das famigeradas “gratuidades” (na verdade, reduções no valor da tarifa), são muito semelhantes. A diferença é para os sindicalizados, que não tem o benefício por lá. Mas isso, nem de longe, explica a diferença da tarifa - e, muito menos, da qualidade do serviço.
 
É bom que se diga que nem sempre o transporte em Rio Preto foi assim. Até há poucos anos, as reclamações eram intensas. O prefeito anterior, Valdomiro Lopes Junior (PSB), contratou estudos e consultorias, fez uma concorrência impecável e colocou a fiscalização para funcionar. Seu exemplo mostra que, quando há vontade política, dá para fazer. Quando não existe, sobram desculpas. Por aqui, vamos apresentar alternativas. E lutar para que o prefeito Gilson de Souza (DEM) decida transformá-las em realidade. Quanto antes, melhor.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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