As mulheres do Copacabana: Impossível não se comover

Que o drama do Copacabana sirva de lição para o novo governo. Cuidado com o que promete, especialmente quanto aos prazos - um novo conjunto habitacional de 1,4 mil unidades foi anunciado.

19/02/2017 | Tempo de leitura: 4 min

Domingo, 26 de julho de 2015. Desde as primeiras horas da manhã, o clima em Franca, especialmente no entorno do “Lanchão, era de final de campeonato. Trânsito intenso, vendedores ambulantes, os indefectíveis “guardadores de carro” controlando quem podia ou não parar, o cheiro de churrasquinho onipresente. Lá dentro, inacreditáveis 20 mil pessoas se espremiam sem muito conforto. Tudo fazia lembrar os tempos em que a Francana disputava campeonatos relevantes. Mas aquilo nada tinha a ver com futebol.
 
O espetáculo era protagonizado pelo então prefeito Alexandre Ferreira (PSDB), anunciado pelo sistema de som como o responsável “por estar fazendo o maior projeto habitacional de Franca”. Durante boa parte daquele domingo, ansiedade, expectativa, emoção, frustração, euforia, alegria, raiva e muitas lágrimas seriam perceptíveis nos rostos - e nas reações - dos presentes, em proporções nada equilibradas. Para cada “felizardo”, haveria 22 frustrados. No total, 9,3 mil pessoas disputavam as 406 unidades, cada uma com menos de 50 metros quadrados, que seriam sorteadas nos edifícios Copacabana I, II e III. 
 
A expectativa era que os apartamentos fossem entregues na sequência. Os contemplados, estimulados por discursos tão entusiasmados quanto ilusórios, tinham convicção de que entrariam em 2016 morando no novo condomínio popular da Zona Oeste de Franca. 
 
Um ano e meio depois, Alexandre Ferreira não é mais prefeito. Gilson de Souza (DEM) venceu Sidnei Rocha (PSDB) numa virada surpreendente. Me tornei vereador. E nenhum dos 406 apartamentos dos edifícios Copacabana I, II e III foram entregues. Todo mundo continua esperando. As obras ainda estão por concluir. E de quem é a culpa? 
 
A resposta para esta pergunta pode ser obtida no resgate de um provérbio português: “filho feio não tem pai”. Se na hora do sorteio a “conquista” é do prefeito, quando se trata de assumir a responsabilidade pelo que dá errado o jogo de empurra-empurra é vergonhoso. Desde o governo anterior, a prefeitura diz que o problema não é dela. A Caixa Econômica Federal, agente financeiro do empreendimento, também se exime e diz que os atrasos são responsabilidade da construtora. Esta última insiste que a origem do tormento está nos atrasos dos repasses do governo. Mais conveniente, impossível. No poder público, culpar os outros e eximir-se de explicações e responsabilidades é quase sempre a infeliz alternativa escolhida.
 
Há outros problemas. Sempre imaginei que, tão logo terminasse o sorteio, o contemplado recebesse um documento provisório, alguma coisa que lhe desse segurança jurídica para dormir em paz enquanto espera a obra ser concluída. Nada disso. A única coisa que recebem é meia folha de sulfite, preenchida à mão, com seu nome e o do “entrevistador”, seja lá que isso for. Absolutamente precário.
 
Tem ainda o tormento da faixa de renda. A lógica elementar indica que, se no momento do sorteio o contemplado preenchia os requisitos, auditados na sequência, logo ele adquiriu um direito. Se melhorar um pouco de vida enquanto espera a conclusão da obra, não é justo ser penalizado por “progredir”. Mas isso pode acontecer. Como não há contrato, um aumento de R$ 150 na renda familiar pode excluir alguém que venceu todas as etapas do desafio de ter sua casa própria. Absurdo, especialmente quando se sabe que o atraso aconteceu absolutamente alheio à vontade do contemplado.
 
Tenho acompanhado de perto a luta de mulheres como Joyce Priscila, Mariúcha, Elaine Rocha, Adriana Freitas e tantas outras. Impossível não se comover com seus dramas e angústias, não compartilhar seus sonhos e expectativas, não se emocionar com a sua dolorosa espera, muitas vezes habitando sub-moradias ou se espremendo com parentes. Fui a São Paulo me encontrar com diretores da construtora - fiz a viagem com recursos próprios, sem usar dinheiro público - para cobrar prazos e explicações. Foi importante comprovar que a empresa existe e funciona. Melhor ainda ouvir que se nenhum grande imprevisto surgir, as obras terminam em junho e os apartamentos serão entregues até setembro. Conversei com o prefeito Gilson de Souza para pedir agilidade na parte burocrática, já que há pendências apontadas pelo Ministério Público que exigem providências imediatas. Estive com o promotor da Habitação, Carlos Gasparotto, e pude constatar sua disposição em agir rápido para dar segurança a quem mais precisa. Informado sobre a situação absurda da faixa de renda, o promotor se dispôs a uma audiência púbica com os envolvidos, da prefeitura à construtora, para tratar do tema, já agendada para 13 de março. É provável que um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) seja firmado para assegurar que os contemplados no sorteio de julho de 2015 sejam efetivamente aqueles que vão receber os imóveis.
 
Que o drama do Copacabana, cuja solução enfim parece se aproximar, sirva de lição para o novo governo. Cuidado com o que promete, especialmente quanto aos prazos - um novo conjunto habitacional de 1,4 mil unidades foi anunciado, com entrega prometida para 18 meses, o que é altamente improvável que aconteça. A chance de frustração é enorme. Além disso, se a prefeitura anuncia a “conquista”, que nunca fuja da responsabilidade de prestar contas pelo que acontece. Dos problemas, especialmente. É uma questão de decência mínima - especialmente porque ninguém está dando nada de graça. Os contemplados vão pagar pelos imóveis. Respeitá-los, ser transparente e cumprir com o prometido é o mínimo que se espera. De qualquer um. E, especialmente, do prefeito de Franca.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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