Sonhos

Cresci ouvindo papai falar de lugares da Itália aos quais nunca tinha ido, sonhava visitar, morreu sem conhecer. Emocionava-se ao falar

10/02/2017 | Tempo de leitura: 2 min

Cresci ouvindo papai falar de lugares da Itália aos quais nunca tinha ido, sonhava visitar, morreu sem conhecer. Emocionava-se ao falar  da Fontana di Trevi, que o filme La Dolce Vita imortalizou.  Sabia sua localização em Roma, data da construção, sua altura e largura, citava Nicole Salvi  o projetista. Afirmava ser de mármore branco e que os turistas jogavam moedas nas águas, sonhando com retorno lá um dia, lá longe. Afirmava que a visitaria, iria lá e, depois de jogar sua moeda, procuraria restaurante de onde tivesse a visão da magnífica construção; pediria vinho tinto, pasta ao sugo e sugeriria  ao garçom rodar sua música predileta: Ti voglio tanto bene, sucesso na voz de Nico Fidenco. Quem realizou seu sonho fui eu, muito tempo depois, detalhe por detalhe, através da conjugação aleatória de coincidências tão estranhas que lembrá-las, me dão arrepio. 
 
Também falava com admiração e mostrava desejo de visitar o sul da Itália, terra de seus ancestrais, para ver de perto os Faraglioni, três rochas imensas, famosas no mundo inteiro, localizadas no Golfo de Nápoles, que parecem emergir do mar Mediterrâneo. Ficam ao lado de Capri, onde cheguei excitadíssima, com medo de perder algum detalhe do que estava vendo com os olhos de meu pai.  Cheguei de barco, tinha que contornar a pé a ilha para ver os Faraglioni brotarem do outro lado, no meio daquele mar azul turquesa. Coisa de perder o fôlego.  
 
Vegetação exuberante, calor, umidade, terra árida? Epa! Já meio ressabiada, comecei a descida a pé para o belvedere. Não deu outra. Dois lagartos atravessaram minha frente. Gritei tanto que assustei os bichos e os turistas que iniciavam ou terminavam o caminho para a atração. Que Faraglioni, que nada. Dei no pé, voltei, sentei na mesa do bar nas imediações. Meu companheiro foi ver as rochas, eu fiquei chorando não sei bem se por ódio de mim ou decepção causada pela frustração da realização de mais um desejo de meu pai. Ou os dois sentimentos juntos.
 
Há alguns anos, quis conhecer a Sicília, a ilha que fica na ponta da bota italiana. Papai também falava muito bem dela, talvez pelas maravilhas gastronômicas que ela oferece. Preparei a viagem, estudei roteiros, selecionei, escolhi e descartei lugares.  Pronta para ir, vi surgir enorme contratempo familiar. Nem chegamos a ir para o aeroporto, fomos direto para o hospital, onde ficamos exatamente o tempo que duraria nossa viagem.  
 
Há possibilidade de ir à Sicília em breve. Continuo sonhando com a Itália, ou mudo o roteiro para algum lugar onde meu pai jamais sonhou em ir?
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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