É azar demais

Teori Zavascki, 68 anos, era ministro do Supremo Tribunal Federal. Até agora é difícil acreditar que Teori tenha morrido de forma tão besta, a menos de 2 km da cabeceira da pista do aeroporto de Paraty.

22/01/2017 | Tempo de leitura: 4 min

"É o azar, não a prudência, quem rege a vida"
Cícero,
filósofo e político romano
 

 
Teori Zavascki, 68 anos, era ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi protagonista de uma carreira jurídica incomum. Começou em 1976, como advogado do Banco do Brasil. Três anos depois, passou num concurso para juiz federal, foi nomeado mas, surpreendentemente, desistiu. Preferiu continuar no banco, de onde sairia apenas em 1989 para finalmente exercer a magistratura, conduzido pelo quinto constitucional para uma vaga de desembargador no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. No apagar das luzes do governo FHC, foi indicado para o Superior Tribunal de Justiça. Ali ficou por uma década, até ser escolhido por Dilma Roussef, em 2012, para um assento no posto máximo da magistratura brasileira. 
 
Descendente de poloneses, o gaúcho Teori era tido por seus pares e pela comunidade jurídica como um juiz muito técnico. Reservadíssimo, raramente concedia entrevistas, jamais se envolvia nas frequentes discussões entre seus pares nas sessões de julgamento e tinha vida social discreta. Viúvo desde 2013 quando sua mulher, a também juíza federal Maria Helena de Castro, morreu vítima de câncer, tinha se aproximado de Carlos Alberto Filgueiras, dono do hotel Emiliano, na capital paulista. Era ali que costumava se hospedar sempre que acompanhava sua mulher nas sessões de quimioterapia no Hospital Sírio-Libanês. Viraram amigos. 
 
A convite de Filgueiras, o ministro descansaria alguns dias em Paraty, no litoral do Rio de Janeiro, antes de colocar sua assinatura numa das etapas mais críticas da Operação Lava-Jato: a delação premiada dos 77 executivos da construtora Odebrecht, também jocosamente chamada de “delação do fim do mundo” por envolver gente graúda de todos os partidos das mais altas esferas da política nacional. Toda essa gente estava na alça de mira de Teori. Envolvidos na Lava-Jato sem direito a corte especial ficam com o juiz Sérgio Moro.
 
Até agora é difícil acreditar que Teori tenha morrido de forma tão besta, a menos de 2 km da cabeceira da pista do aeroporto de Paraty. Por mais que as teorias conspiratórias sejam atraentes, tudo leva a crer que Teori e os demais quatro ocupantes do King Air C-90 morreram mesmo vítimas de um boçal acidente. Muito provavelmente, a chuva intensa que caía sobre o a costa de Paraty naquele instante fez com que os tons de cinza do mar e do céu se misturassem e confundissem o piloto da aeronave. O resto foi consequência.
 
Diante da morte de Teori, é desalentador constatar que não foram poucos os instantes em que protagonistas da nossa história morreram de forma estúpida quando a nação mais precisava deles. A lista de episódios é extensa. 
 
O general Humberto de Alencar Castello Branco morreu, também num acidente aéreo, em 1967. Castello Branco havia liderado o golpe que depôs, em 1964, o presidente João Goulart, mas era contra a permanência dos militares indefinidamente no poder. Pouco depois de passar a presidência ao também general Costa e Silva, defensor do endurecimento do regime ditatorial, Castello Branco, que defendia eleições diretas, morreu durante visita ao Ceará. O acidente foi patético. A aeronave Pipper que o conduzia chocou-se no ar com um T-33 de treinamento militar. O avião que transportava o general caiu. Todos a bordo morreram. Viriam na sequência mais 18 anos de ditadura.
 
Durante os anos de exceção, muitos foram banidos ou cassados. Um deles, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília. Depois do final do mandato como presidente, JK havia sido eleito senador por Goiás. Em 1965, JK teve seus direitos políticos suspensos pelos militares por dez anos. Extinta a pena em 75, JK planejava retornar à vida pública. Não houve tempo. Em agosto de 1976, morreu quando o Opala em que viajava colidiu frontalmente contra um caminhão de gesso na altura do município de Resende, no Rio de Janeiro. 
 
Quando o poder voltou aos civis, em 1985, quis o destino pregar outra peça nos brasileiros. O mineiro Tancredo Neves finalmente encerraria o ciclo de 21 anos dos militares no poder. Nos dias que antecederam a posse, prevista para 15 de março, Tancredo começou a sentir fortes dores abdominais, mas recusou-se a tornar pública sua condição. Diagnosticado com um tumor, dizia que faria o que fosse preciso, mas depois de empossado. No dia 14, as dores ficaram insuportáveis e Tancredo acabou internado. Oficialmente, os médicos diziam que era diverticulite, mas tratava-se de um tumor. Quem vestiu a faixa presidencial foi o vice, José Sarney. Tancredo Neves não sairia mais de hospitais. Morreu após passar por sete cirurgias, em 21 de abril.
 
Mais recentemente, em 2014, o então candidato à presidência da República, Eduardo Campos, morreu num acidente aéreo durante a campanha. Campos, tido como uma das promessas de renovação da política brasileira, tinha concedido uma entrevista ao Jornal Nacional, da Globo, com grande repercussão. Na manhã seguinte, embarcou num jato no Rio de Janeiro com destino ao Guarujá. Na aproximação para a aterrissagem, o piloto perdeu o controle. Com a queda, todos a bordo morreram.
 
Racionalmente, pode-se dizer que tudo isso não passa de mera coincidência. Pode ser. Mas, descartada a possibilidade de atentado em qualquer um dos casos acima e, especialmente, no acidente de Teori Zavascki, é impossível não imaginar que vivemos nas últimas décadas os efeitos de uma onda de azar. Se for este o caso, tem jeito de ser um tsunami de má-sorte. Que Deus nos proteja! É azar demais.
 
Corrêa Neves Júnior, jornalista e vereador em Franca
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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