Além da tragédia

Tome-se o triste exemplo do assassinato de Ana Cláudia Abib, 40, por Denny de Queiroz Pires, 36.

18/12/2016 | Tempo de leitura: 4 min

“Na violência, esquecemos quem somos”
Mary McCarthy, escritora americana
 
 
Nunca tive compaixão por estupradores, por gente que tortura ou submete crianças a qualquer forma de violência, nem por assassinos. Autores destes tipos de crime, independente de suas motivações, históricos de vida ou quaisquer outras “justificativas”, com exceção de quem tira a vida de outro em legítima defesa, deveriam ser enjaulados para o resto de seus dias. Simplesmente não acredito em redenção possível para quem é capaz de praticar tais atos. Apartá-los da sociedade é o mínimo que deveria ser feito.
 
Mesmo assim, admito que generalizar e colocar todos os “assassinos” numa mesma cesta é um erro. Ainda mais quando se constata que, nos dias de hoje, um sem-número de homens e mulheres, vencidos pela dependência química de drogas lícitas ou ilícitas, acabam transformados em zumbis, completamente despersonalizados e sem qualquer objetivo que não seja conseguir mais uma pedra de crack, um grama de cocaína, uma trouxinha de maconha, uma dose de cachaça. São uma sombra do que um dia já foram, capazes de matar sem sequer se dar conta da gravidade do que praticam. É óbvio que devem responder por seus atos e pagar por seus crimes, mas precisam ser analisados de forma distinta.
 
Tome-se o triste exemplo do assassinato de Ana Cláudia Abib, 40, por Denny de Queiroz Pires, 36. O crime, revelado em todos os seus sórdidos detalhes nesta semana, chocou a cidade. Ambos, viciados em crack, viviam nas ruas. Costumavam usar uma casa abandonada, no Jardim Guanabara, para se drogar e, eventualmente, dormir. Durante um ano e meio, namoraram. Nos últimos meses, estavam separados, mas mantinham relativa proximidade. 
 
Numa noite qualquer das últimas semanas, em data ainda imprecisa, Denny não gostou do jeito que Ana Cláudia se aproximou. Impossível dizer se ela de fato o provocava ou se tudo não passava de um delírio. Os detalhes do momento do ataque, relatados por Denny Pires aos repórteres Marcella Murari, do Comércio, e Marcos Silva, da rádio Difusora (leia mais aqui), são assombrosos. “Essa moça (Ana Cláudia) chegou muito perto e pedi para sair. O crack deixa a gente louco, eufórico e fora de controle. Ela me falou umas coisas e, rapidamente, fui para cima. (...) Ela estava no colchão e eu peguei o bisturi (usado para esculpir cachimbos de crack em pedaços de madeira). Passei no pescoço e deixei a moça ‘esgotar sangue no colchão inteiro”, disse o assassino, sem esboçar qualquer alteração no tom de voz. “Foi a força que o demônio me deu e a falta de juízo”, tentou justificar.
 
Denny dormiu próximo ao cadáver. No dia seguinte, comprou um machado que usou para retalhar o corpo de sua ex-namorada. Distribuiu partes em sacos plásticos. Tomou um táxi rumo ao Residencial Amazonas, onde descartou o primeiro saco com a cabeça e o braço. Pegou outro táxi e pediu que parasse na Chave da Taquara, entre Cristais Paulista e Pedregulho. Ali, descartou o que havia sobrado do cadáver de Ana Cláudia. De volta à casa do Guanabara, tacou fogo no colchão e retomou sua rotina de zumbi que “sobrevive” apenas para correr atrás de pedra de crack.
 
O homem que hoje está preso, réu confesso de um crime bárbaro, nem sempre foi assim. Pintor de paredes caprichoso, tinha trabalho, pais que o amavam, uma filha. No seu perfil no Facebook, a última publicação tem quatro anos. Postada em 24 de agosto de 2012, mostra o próprio Denny ao lado de uma bonita mulher e de uma menina que, imagino, seja sua filha. Pela data, arrisco dizer que comemoravam o Dia dos Pais. Fiquei muito emocionado com a imagem. Na foto, ele veste uma camiseta com a foto da menina e uma frase: “Papai, você é meu xodó”. Aquela imagem talvez seja seu último registro de relativa “normalidade”, o instante a partir do qual trilhou um caminho sem volta.
 
O homem que um dia foi chamado de “papai” e era “xodó” de sua filha transformou-se num curto espaço de tempo num monstro capaz de matar e esquartejar, friamente, uma mulher com quem havia namorado. Está preso e, por mais que a legislação penal brasileira seja frouxa, é difícil imaginar que ele venha a sair de uma cela num horizonte próximo. Não é um desfecho de todo ruim, nem mesmo para Denny Pires. Considerada a “excelência” do sistema prisional brasileiro e as lesões provocadas pelo uso contínuo de drogas, é quase certo que, se ganhar a liberdade, vai acabar voltando para o mesmo buraco onde cometeu um dos crimes mais sórdidos da história de Franca.
 
É importante lembrar que Denny Pires não tinha registros de atos violentos até o bárbaro assassinato que protagonizou. Sucumbiu às drogas, totalmente. Que a lembrança desta tragédia, da morte brutal de Ana Cláudia Abib, de suas origens e consequências, não se dissipem com o tempo. Dizer que as drogas são um problema é chover no molhado. Precisamos é de coragem para discutir medidas que passem pelo tratamento compulsório em larga escala de dependentes químicos. Pessoas que, como se viu, por mais que expressem “vontades” e se manifestem com correção, não têm a menor ideia do que estão fazendo. Nem das vidas que estão destruindo. As próprias, a de seus familiares e as de suas vítimas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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