Lagosta Cubana


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Experimentei a clássica lagosta à Thermidor em Cuba: prato resistente ao tempo
Experimentei a clássica lagosta à Thermidor em Cuba: prato resistente ao tempo
Volto no tempo, num tempo em que o calendário marca como próximo, mas o sentimento que envolve aquelas noites faz parecer que aconteceram há décadas, muito embora os elementos da cena estejam ainda inalterados - é engraçado como o interesse que nos unia àquele lugar, afrouxou o laço e hoje são tiras de pano deitadas ao chão. 
 
Esperávamos, sentados no lobby do hotel. Lembro-me nitidamente da sensação agradável da combinação entre as cores escuras da madeira das mesinhas, do balcão do bar, das banquetas pretas de couro e das paredes pintadas de laranja e verde, um laranja marmóreo e um verde floresta, intenso. Por algum motivo, ficáramos sem nosso quarto reservado, teríamos que ir para outro hotel e, como recompensa, seria um lugar melhor e ainda um jantar como presente. Foi quando ouvi a seguinte história:
 
Na noite azul de Cuba, no mar caribenho, houve uma descida lenta e corajosa, rumo ao fundo. De repente, um enxame de fitoplânctons, brilhando feito alminhas que ascendessem ao céu, desmentiam a crença de que as noites são sempre escuras. Em silêncio reverencial, os mergulhadores subiram ao barco, em silêncio permaneceram quando viram que o guia do mergulho estava com uma lagosta nas mãos, que quase viva foi posta na manteiga quente. Limão e sal completaram o ritual absurdamente ilegal que custou 10 dólares cada lagosta imensa - cumplicidade e conspurcação.
 
Na minha primeira noite em Cuba, não haveriam fitoplânctons, mas astros claríssimos no firmamento, como a gente ordinária vê. O trajeto entre o Hotel Ambos os Mundos e o Hotel Rachel foi feito a pé, as rodinhas das malas batiam nos paralelepípedos e o som que começou como incômodo aos poucos se integrou à paisagem de música e vozes. Na recepção fomos informados de que nosso “jantar presente” poderia ser arrumado no terraço do hotel, a noite estava agradável para isso: aceitamos.
 
O prédio elegante, sem restauração, se aguentava como podia, mas sua beleza era como a de uma senhora cujas rugas parecem a máscara mal colocada dos anos. O terraço com treliças brancas de madeira e primaveras rosas e vermelhas. À frente, o mar negro sem fim. Abaixo, prédios semidestruídos dormitavam à sombra, um olho aberto, outro fechado e um vento de ilha bagunçava tudo isso.
 
O garçom nos ofereceu o cardápio, mas se adiantou em dizer que o que havia de melhor era a lagosta à Thermidor, nada mais apropriado, um prato resistente às provas do tempo, avesso aos modismos, delicioso: um clássico. Eu disse sim a lagosta que é servida na própria casca, previamente cozida e, originalmente, temperada com o ótimo vinagre Jerez, mostarda, pimenta do reino com molho bechamel e por fim gratinada. Nessa ocasião, ela veio acompanhada por batata, o que não gostei muito. Um arroz branco, basmati, de preferência, penso seria perfeito.  Esses tempos, bem poderiam ter sido semana passada, está tudo por lá ainda, exceto Fidel Castro. Pode-se ser contra ou a favor, não importa, todos reconhecemos que nenhum país foi tão fortemente personificado por seu comandante como Cuba. A cultura fechada fez deles um povo muito interessante.
 
Morto, Fidel fecha atrás de si um mundo que parece não se comunicar mais. O Hotel Ambos os Mundos deve estar, agora mesmo, quebrando a cabeça para achar outro nome de igual poesia. 

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