Falha ou estupidez?

Grandes tragédias acontecem com perturbadora frequência. Quase sempre poderiam ser evitados.

04/12/2016 | Tempo de leitura: 4 min

“O conhecimento é limitado, só a estupidez é ilimitada”

Arthur Schopenhauer, filósofo alemão
 
 
Grandes tragédias acontecem com perturbadora frequência. Quer sejam eventos resultantes de aparente fatalidade, quer sejam fruto de irresponsabilidade, costumam ter em comum o fato de que, quase sempre, poderiam ter sido evitadas. Raramente decorrem de um único grande erro, de uma falha monumental, de um lapso imperdoável. Ao contrário, só se concretizam porque pequenas e aparentemente insignificantes falhas, omissões e negligências, somadas a uma dose monumental de estupidez, se acumulam, criando as condições para a catástrofe.
 
Como não ver assim o naufrágio do Titanic, o colosso “inafundável” que foi a pique justamente na sua viagem inaugural, na madrugada de 15 de abril de 1912? Uma combinação de falhas de projeto, mau tempo, menosprezo pelos vários alertas de icebergs e, mais importante e decisivo, a soberba de seu capitão, Edward Smith - que, registre-se, fazia sua viagem de despedida e queria bater o recorde de velocidade da travessia Europa-América - somaram-se para que o Titanic afundasse nas águas geladas do Atlântico Norte, matando cerca de 1500 pessoas.
 
O que dizer então do voo Air France 447, que despencou no meio do Atlântico, na madrugada de 1o. de junho de 2009, quando fazia a rota Rio de Janeiro–Paris, matando todos os seus 228 ocupantes? Como explicar que no momento mais crítico do percurso, quando a aeronave estava sobre o mar, diante de nuvens carregadas que prenunciavam uma tempestade, e no único trecho que fica sem a cobertura de radares tanto do Brasil quanto da África, dois dos três pilotos resolveram descansar, deixando o menos experiente deles no comando? É incrível, mas tudo indica que o comandante Marc Dubois, 58, queria mesmo era aproveitar a companhia de sua amante, Veronique Gaignard, enquanto David Robert, 37, o co-piloto principal, insistia em repousar. Pierre-Cedric Bonin, 32, pilotava o Airbus quando a aeronave entrou numa forte tempestade. Alguns sensores, os pitots, congelaram, e os painéis passaram a fornecer informações distorcidas. Bonin não percebeu. O avião começou a cair velozmente e ele tentou levantar o nariz, movimento inverso ao que deveria ter feito naquelas circunstâncias. Robert e Dubois voltaram em menos de dois minutos. Rápido, mas não o bastante. A esta altura, o leme já estava rompido e o avião, incontrolável. Ninguém sobreviveu.
 
O terrível voo Lamia 2933, que levava a Chapecoense, é mais um exemplo de como a negligência combinada à estupidez pode resultar em catástrofe. Em pelo menos quatro oportunidades, ações simples poderiam ter evitado o acidente. Não que fosse preciso qualquer ato heroico. Apenas atenção, mínima prudência, um pouco de responsabilidade e, no limite, pelo menos a humildade para reconhecer que um erro grave precisava ser corrigido imediatamente. Os responsáveis (sic) preferiram contar com a sorte. Mataram 71 pessoas.
 
Os erros começaram com as autoridades aéreas de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. A funcionária Celia Monasterio identificou uma gravíssima inconsistência no plano de voo, que apontava um percurso de 4h22 minutos até Medellin, na Colômbia, para uma autonomia idêntica, sem reserva para qualquer emergência. Mesmo assim, não impediu a decolagem. 
 
Ninguém ainda conseguiu entender porque o comandante Quiroga queria voar direto. Especula-se que para economizar - ou para agradar os dirigentes da Chapecoense. Qualquer que seja a razão, foi idiota. Ele poderia ter feito o reabastecimento em Cobija, na Bolívia, ou em Bogotá, na Colômbia. Gastaria uma hora a mais, custaria R$ 10 mil extras – e estariam todos vivos.
 
Além disso, é ridículo constatar nos diálogos com a torre de comando de Medellin como o comandante Quiroga finge, num primeiro momento, que a situação não é grave. Limita-se a dizer que tem “problemas de combustível” quando, de fato, já sabia que o avião estava prestes a ficar sem uma gota de gasolina no tanque, e aceita ficar na fila aguardando sua hora de descer. Se tivesse se declarado em emergência imediatamente, teria tido prioridade, como aconteceu com o Airbus que rumava para o Caribe e que pousou antes também com problemas de combustível. 
 
Nem mesmo quando o próprio Quiroga parece se desesperar e resolve, enfim, informar a torre de que precisa dos vetores (indicação do caminho a seguir) para descer imediatamente porque está sem combustível e em “falha elétrica total”, os passageiros são avisados do que acontece. Muitos, quando as luzes da cabine se apagam durante a queda final de 50 segundos, se levantaram dos seus assentos em desespero. É possível que, se tivessem permanecido sentados na posição de emergência, mais alguns tivessem saído com vida.
 
Milhões de brasileiros estão enlutados. Homenagens aos atletas mortos vieram de todas as partes do mundo. O velório sábado no estádio do Condá, “casa” da Chapecoense, foi de cortar o coração. Havia em alguns cartazes no estádio uma frase bonita – e muito adequada para o momento. “Heróis não morrem, viram lenda”. Que assim seja. 
 
Mas seria importante também que a tragédia que se abateu sobre os 43 jogadores e membros da comissão técnica, dos 21 jornalistas e dos sete tripulantes calassem fundo em qualquer pessoa que exerce uma função de fiscalização, controle ou liderança. Particularmente, naquelas que têm outras vidas sob sua responsabilidade. O drama da Chapecoense nada tem de fatalidade. Era completamente evitável. Que o exemplo de tudo que deu errado neste voo sirva de alerta para que episódios semelhantes não se repitam. Pelo menos, não por mera estupidez.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.