O fim da vergonha: ex-governadores do Rio são presos

Chega a ser difícil acreditar que numa cidade de tanta história e predicados, e num espaço de tempo inferior a 24 horas, dois ex-governadores do Estado tenham sido presos quase simultaneamente em consequência de acusações que os vinculam a escândalos de corrupção.

20/11/2016 | Tempo de leitura: 4 min

“Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar”
Dias Gomes, dramaturgo brasileiro
 
 
O Rio de Janeiro é o pedaço mais icônico do Brasil. Sua capital, cuja beleza - que reúne num mesmo recorte mar, lagoa e montanha - é reverenciada no mundo todo, foi o principal centro de poder da nação por séculos. Começou quando essa terra ainda era colônia da metrópole lusitana; cristalizou-se quando passou a ser sede do governo do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve; manteve o status com a independência e continuou assim com a proclamação da República, mesmo depois da capital ter sido transferida para Brasília.
 
Chega a ser difícil acreditar que numa cidade de tanta história e predicados, e num espaço de tempo inferior a 24 horas, dois ex-governadores do Estado tenham sido presos quase simultaneamente em consequência de acusações que os vinculam a escândalos de corrupção. 
 
A primeira delas aconteceu na quarta-feira. Anthony Garotinho, ex-governador e agora secretário de Governo de Campos dos Goytacazes - munícipio de 500 mil habitantes no interior do Estado cuja prefeita é sua mulher, a também ex-governadora Rosinha Garotinho – foi enjaulado por decisão da Justiça Eleitoral da cidade. 
 
Garotinho converteu o “chequinho cidadão” - um programa social que criou quando foi governador e reeditou em Campos - numa espécie de atacadão da compra de votos. O tal programa social, primo mais velho do bolsa família, distribui R$ 200 mensais para famílias carentes. Até aí, nada demais. O problema é que, com a crise e a falta crônica de recursos, o programa havia sido suspenso. Num passe de mágica, a partir de junho deste ano, o dinheiro “ressurgiu”. Nada menos do que 30 mil pessoas foram “agraciadas” com a “gentileza”, mediante o compromisso de retribuir votando no candidato da família Garotinho. A prefeitura de Campos gastava R$ 6 milhões por mês com os tais “chequinhos”. Segundo a Justiça Eleitoral, nada era assistencialismo – pura e simplesmente, tratava-se de compra de votos.
 
Garotinho foi preso e, alegando problemas cardíacos, conseguiu ir para o hospital Souza Aguiar. Na quinta-feira, irritado com o que classificou de “privilégios”, o juiz Glaucemir de Oliveira determinou sua remoção para o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste do Rio.  O lugar é mais conhecido pelo apelido de “Bangu 8”, reservado para “hóspedes” com direito a prisão especial. 
 
Nem assim Garotinho se acalmou. As ridículas imagens captadas no momento de sua transferência revelam um político sem um pingo de amor próprio ou resquício de dignidade. Como se fosse uma criança birrenta, Garotinho se atraca com os enfermeiros, diz que “não vai” para Bangu – como se lhe fosse facultado consentir – e, literalmente, esperneia, o que faz com que uma pequena multidão de bombeiros e enfermeiros tenha que se juntar para contê-lo. Para completar o show de horrores, sua mulher, a prefeita, esbraveja, enquanto a filha, deputada federal, cai no choro. Obviamente, ordem de prisão é decisão bastante dura. Ainda assim, espera-se um mínimo de compostura. Um fiapo de dignidade. Um pouco de vergonha na cara. Garotinho mostrou que é completamente desprovido dessas virtudes.
 
A segunda prisão aconteceu na manhã de quinta. Desta vez, quem se tornou “paciente” foi Sérgio Cabral, outro ex-governador do Rio. Se as acusações contra Garotinho são robustas, as que pesam contra Sérgio Cabral tem a solidez de 100 toneladas de mármore. Alvo da Operação Calicute, mais um desdobramento da Lava Jato, Sérgio Cabral é acusado de desviar nada menos de R$ 220 milhões dos cofres públicos. 
 
O esquema era asqueroso. Eleito governador em 2006, uma das primeiras providências de Sérgio Cabral ao tomar posse foi reunir um grupo de empreiteiras e dizer o que esperava delas. Preços baixos? Seriedade? Qualidade e rapidez nas obras? Nada disso. O que ele queria mesmo era uma “mesada”. Coisa de R$ 200 a R$ 500 mil – mensais. A “contribuição” funcionava como uma espécie de “vale”, uma antecipação para a propina das obras. Assim, quando determinada empresa entrava numa disputa e “vencia” a licitação, tinha que pagar 5% para o governador – mas podia deduzir os valores que havia “antecipado” na mesada. Eventualmente, o “caridoso” governador Cabral podia incluir mais uma empreiteira num obra qualquer, mediante um aditivo contratual. Assim, inventava serviços inexistentes para justificar despesas desnecessárias. Estima-se que só na reforma do Maracanã cerca de meio bilhão de reais tenham sido gastos assim.
 
Foi através deste esquema que Sérgio Cabral bancou anos de luxo e ostentação em destinos como Paris e Mônaco, em viagens de primeira classe com direito a jantares nos melhores restaurantes do mundo, além de todo tipo de bens que se puder imaginar, de sapatos a joias, de imóveis a lanchas, tudo custeado com dinheiro sujo. Não adiantou muito. Sérgio Cabral é hoje um presidiário, “paciente” de Bangu 8. Veste o mesmo uniforme dos outros detentos, teve que cortar o cabelo como qualquer um que ingresse ali, tem reservado para si a mesma comida que seus companheiros de cárcere. 
 
Numa sociedade que se pretenda evoluída, é assim mesmo. A lei é a mesma, para todos. A julgar pelo que se viu no Rio, ainda haveremos de testemunhar muita coisa bizarra, outros tantos sem-vergonha desesperados nos próximos meses, mas estamos no caminho certo. A via é longa e tortuosa – mas, hoje em dia, não há retorno possível. O Brasil está sendo passado a limpo. Finalmente.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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