Rasgaram a Constituição

Sabemos que ao ser publicado esse artigo, muitos desdobramentos poderão ter ocorrido, porém não poderíamos deixar de tecer comentários à respeito

06/09/2016 | Tempo de leitura: 3 min

Sabemos que ao ser publicado esse artigo, muitos desdobramentos poderão ter ocorrido, porém não poderíamos deixar de tecer comentários à respeito do ‘fatiamento’ dos julgamentos do impeachment e pela elegibilidade da ex-presidente Dilma Rousseff, na votação do Senado. Para nós que ministrarmos, por anos, aulas de prática jurídica administrativa e constitucional, a decisão do senhor ministro do Supremo, que presidia a sessão, em acatar um DVS — Destaque para Votação em Separado — é um absurdo. Tal destaque é utilizado para proposições, nunca para alterar dispositivo constitucional. Ou seja, foi manobra articulada de forma inconsequente, e abrirá precedentes imprevisíveis.
 
São por tais atos, nos colocamos a refletir. Nós, professores de Direito, temos por missão, transmitir a persistente busca da justiça, acreditando no sistema positivado, na segurança jurídica, na certeza de que legislações serão respeitadas e cumpridas. Mas, como ter motivação? Tudo o que pregamos em teoria, na sala de aula, na prática não se realiza? Os entendimentos havidos apenas refletiram interesses políticos e convenientes para aquele momento.
 
No julgamento em tela, o ministro do Supremo encarregado da presidência da sessão, para deferir o pedido de ‘fatiamento’, argumentou dois pontos que merecem ser destacados: a) estava ali na condição de analista regimental, não na posição de defensor da Constituição Federal. Com todo respeito, a determinação constitucional é para que o presidente do Supremo, ao conduzir trabalhos, zele por sua legalidade e pelo respeito à legislação vigente, principalmente o que é relativo à Constituição Federal; e b) justificou sua decisão de acatar um destaque que alterou dispositivo constitucional, alegando que a defesa de Dilma Rousseff, caso indeferisse a votação em separado já estava preparada para impetrar um mandado de segurança no Supremo. 
 
Ora, como aceitar? O presidente do Supremo preferiu rasgar a Constituição Federal a indeferir o pedido e imediatamente colocar em votação o afastamento e a perda dos direitos políticos por oito anos em uma única votação. A verdade, caros leitores, é que as ‘coisas’ já estavam articuladas! Como o presidente do STF deixa o cargo no próximo dia 09/09, assumindo a ministra Carmem Lúcia, a ‘manobra’, com certeza, poderia estar fadada ao fracasso caso passasse a outra condutora do processo.
 
Muitas coisas, na política, são construídas por detrás do pano, e os cidadãos comuns são instados a aplaudir ou a repudiar sem saber o que está ocorrendo. A controvertida decisão, com certeza, não foi ato de piedade do PMDB, pois muitos de seus membros estão sendo investigados por atos ilícitos. Antes de pensarmos que somente a presidente Dilma será beneficiária, temos de pensar com mais amplitude para ver quais outras figuras políticas serão beneficiadas a se aplicar a mesma interpretação dada ao texto constitucional. 
 
Podemos estar errados, mas em nossa opinião, o STF não alterará o resultado das votações no Senado. O artigo 52, inc. I, da Constituição Federal, converte o Senado em órgão judicial de última instância para julgar o Presidente da República, em casos de responsabilidade. Não pode qualquer outro órgão reformar decisão judicial do Senado. Cremos que, nesse ponto, o STF vai dizer que não lhe cabe rever a aplicação da pena pelo órgão constitucionalmente competente para fazê-lo, in casu, o Senado. Aliás, tem se recusado a intervir no mérito do julgamento do impeachment. Não será agora que mudará seu posicionamento para alterar dosimetria da pena. Mexer na pena, agora, pode levar à revisão do julgamento do próprio crime de responsabilidade.
 
Enfim, mais do que constranger, a decisão envergonhou todo o país. O Senado Federal, deliberadamente, desrespeitou a Constituição Federal. O presidente do STF a rasgou, envergonhando a todos nós, brasileiros, perante a comunidade internacional.
 
 
Toninho Menezes
advogado, professor universitário - toninhomenezes16@gmail.com
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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