'O rádio é vida', diz o radialista Valdes Rodrigues


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Valdes Rodrigues é um dosradialistas mais queridos de Franca
Valdes Rodrigues é um dosradialistas mais queridos de Franca
Alô, meus amigos e minhas amigas, estamos chegando! É provável que esta saudação soe familiar a qualquer pessoa da região de Franca habituada a ouvir rádio em algum momento dos últimos 52 anos. E quem por acaso ainda não tenha ouvido, basta sintonizar o dial nos 1030 KHz da faixa AM, que certamente ouvirá. É citando, em tom empolgante, esta e outras frases simpáticas há mais de meio século que o locutor Valdes Rodrigues saúda seus ouvintes nas manhãs de segunda a sexta-feira através das ondas médias da rádio Difusora de Franca.
 
O radialista de 71 anos, desde 1964, informa, emociona e alegra - como bem cita a vinheta que abre o Show da Manhã, atração comandada por ele -, mas, acima de tudo, se faz companhia para seus milhares de ouvintes, de todas as idades, de todos os cantos, exatamente como ele se propõe a ser. “A gente bate um papo como se fosse um amigo do ouvinte”, resume com um sorriso de canto nos lábios.
 
Todas as manhãs, quando pelo rádio se ouve: “está começando o Show da Manhã”, tenha a certeza de que Valdes está a postos. Em um ato que parece automático, dubla as palavras mais enfáticas do trecho de uma das músicas que abrem alas para o seu Show: “que seja mais esse dia, todo de amor e alegria. Que seja mais esse dia; todo de amor, de amor, de amor e alegria”. São versos que se tornaram clássicos na voz do ícone da televisão brasileira, Sílvio Santos, e que delatam o que está por vir.
 
Vinhetas e outros trechos de canções igualmente com menções otimistas fazem coro enquanto a voz sorridente de Valdes segue saudando quem o escuta.
 
Até aqui, a maioria do público que o acompanha certamente ratifica a descrição. O que, em se estando defronte ao aparelho transmissor, não se sabe é o que vem antes de a voz dele estar pronta para atravessar o rádio.
 
Valdes adentra à rádio Difusora, que fica na sede do GCN, no Jardim Ângela Rosa, infalivelmente ao menos meia hora antes de seu horário de assumir seu programa ao vivo. “Acordo as seis e pouco da manhã, tomo um café bem reforçado e, enquanto isso, já peguei os jornais do dia e já chego aqui com o que preciso saber”, afirma.
 
Em uma saleta da emissora, ele recebe os recados que chegam via e-mail, redes sociais ou aplicativos de mensagens no celular - tecnologias que roubaram a soberania das cartinhas escritas à mão por décadas a fio, mas que tornaram mais dinâmica a interação.
 
O relógio marca 7h57 e é hora de tomar posse do estúdio um da Difusora. Em poucos segundos, Valdes faz uma sequência de “entra-e-sai”, entre sala e estúdio, tratando de montar sua bancada de trabalho exatamente como está habituado.
 
Pega uma almofada, lança mão de uma garrafa d’água, um copo alto de vidro, um rádio antigo com um fone igualmente consumido acoplado e uma pasta recheada com muitas, muitas anotações em cadernos, fichas e papeis soltos, além de recortes de revistas e outros registros.
 
A almofada, explica ele, é para dar mais conforto para as costas durante as três horas ininterruptas em que ficará sentado. O fone e o rádio antigos são para que o retorno de áudio chegue aos seus ouvidos do jeito que “está acostumado” - a maioria dos demais locutores usa apenas o retorno que vem da própria mesa de som do estúdio. A pasta? Ah... a pasta guarda de um tudo: um tudo que inclui informações recentes, antigas e, sobretudo, hábitos, como o descrito na sequência.
 
O Show da Manhã começa engatilhado em alto astral; cerca de três minutos depois, junto com a vinheta de tom mais sóbrio, Valdes também fecha o semblante e reclina sutilmente a cabeça.
 
É o momento de pedir proteção divina para o dia que está começando. Em mais um gesto que soa automático, o locutor retira da pasta um pequeno papel surrado pelos anos de rádio com uma oração impressa e o coloca em sua frente. Não o lê. “E como fazemos sempre, elevemos o pensamento a Deus para agradecer o dom da vida, pedindo suas benção e sua proteção. Que Nossa Senhora, Maria, mãe do mestre Jesus, passe a frente e siga iluminando o nosso caminho”. A frase, seguida de outras palavras de cunho religioso, é dita com os olhos fechados. Sobre a oração impressa, ele explica que é bem antiga, que só a pega, mas nunca lê. O que diz, vem da memória ou dos improvisos do coração. Abençoado por Deus, como ele repete e, sempre, pelo santo do dia, o programa segue vibrante.
 
 
O educador físico que foi brilhar no rádio
Vibrante também é o astral do aquariano, nascido em Pedregulho, em 13 de fevereiro de 1945, e radicado em Franca desde os três anos de idade.
 
Em busca de uma vida com mais oportunidades para eles e para os filhos, o seleiro e “viajante de calçados” Joaquim e sua mulher, Antônia, pais de Valdes, migraram para Franca ainda na década de 40.
 
Caçula de quatro irmãos, o radialista fez toda a sua vida escolar, desde a alfabetização até a conclusão do, então, “científico” (hoje ensino médio), na Escola Estadual Torquato Caleiro. 
 
Era bom aluno nas salas de aula, mas foi fora delas, mais precisamente na quadra de esportes do colégio, que ele viu despertar uma de suas paixões: os esportes. O apreço pela educação física era tão grande que ele se tornou assistente do professor. “Meu ídolo sempre foi o professor Pedro Murilla Fuentes (o Pedrocão). Cresci admirando-o. Eu era guia de demonstração das aulas de ginástica dele. Desde muito menino eu tinha esse apego muito grande pela área (de esportes)”, conta Valdes, explicando o que o levou a cursar Educação Física nas Faculdades Claretianas de Batatais.
 
O diploma lhe fez traçar uma carreira paralela ao rádio. Bateu ponto na inspetoria e na coordenadoria de Esportes, como servidor municipal, sempre trabalhando ao lado de Pedrocão. 
 
Mas as ondas do rádio, sua paixão maior, não lhe deram trégua. “Sempre gostei. Ainda menino, eu narrava até jogo de futebol de botão”, diz em meio às gargalhadas tão conhecidas por seus ouvintes.
 
E, há que se registrar, motivos é o que não lhe falta para as altas risadas: casado com a professora Maria Aparecida Sanches Rodrigues há 42 anos, Valdes se derrete de orgulho ao falar dos três filhos, quatro netos e do amor que sente pela família.
 
Ao conhecer um pouco da trajetória de Valdes ligada aos esportes, começa a ecoar a pergunta: como a comunicação, que já dava às caras durantes as brincadeiras de infância, entrou, de fato, na vida do radialista?
 
Ele conta que não foi uma coisa imediata. “Sempre gostei, mas fui estudar. Naquela época, achava que ser locutor não seria uma boa.” 
 
Até que a paixão antiga viu a oportunidade passar a galope. O ano era o do Golpe Militar no Brasil, 1964. Inaugurada haiva dois anos, a rádio Difusora queria ampliar seu quadro de locutores e anunciou que faria um teste. “Tinha uns 50 na fila. Mas o Amauri Destro, da Difusora, já falecido, resolveu pegar os dois meninos que estavam lá, que éramos eu e o Sidnei (Rocha, ex-prefeito de Franca). Começamos no mesmo dia”, relembra Valdes.
 
O tempo tratou de desfazer o que se mostrou ledo engano, Valdes concluiu que não daria mais para “fugir” do rádio e foi, aos poucos, construindo sua consagração na profissão. “Eu não pensava que viraria um profissional do rádio. Na época, íamos mais pelo idealismo, depois que foi tendo um salariozinho. Eu falava que não ia ficar só em rádio, mas aí a gente vai pegando gosto (risos).”
 
E que gosto. De lá para cá, Valdes só ficou fora do ar durante um curto período, que não chega a dois anos - época em que se dedicou intensamente à direção do Conselho Municipal de Turismo em Franca.
 
Embora registre passagens pela PRB-5 Rádio Clube Hertz, rádio Imperador AM e pela Rádio Unifran FM, foi na casa da Difusora que ele construiu a maior parte de sua história. “Meu negócio é AM, e 90% do tempo de carreira passei aqui, na Difusora”, afirma. 
 
Valdes faz questão também de deixar clara a gratidão que sente pelo radialismo. Foi o rádio, conta ele, que o fez conhecer o ídolo artístico, Sílvio Santos, quando, por duas vezes, ele foi o locutor-apresentador de Franca nas disputas do extinto programa Cidade Contra Cidade. “Nós ganhamos e, quando voltávamos aqui, éramos ovacionados pela cidade.”
 
Valdes relembra também as emoções que o rádio lhe guardou também durante as apresentações das disputadíssimas gincanas -  inspiradas no programa de Silvio - Colégio Contra Colégio, que lotavam o ginásio do Clube dos Bagres de Franca nos anos 70, além dos concorridíssimos festivais de música locais.
 
 
Um mergulho meteórico na política
Valdes já era um sucesso. Conforme crescia sua fama no rádio, borbulhavam também os convites para trilhar uma carreira política. Convencido de que poderia ser esta uma forma de contribuir para melhorar a cidade que o adotou, o radialista se candidatou e se elegeu vereador pelo PTB em 1989, sendo o mais votado da coligação no pleito.
 
“Mas não gostei”, decreta ele. “Sinceramente, vi que aquilo não é para mim. A pessoa precisa ter um baita de um couro grosso. Preferi preservar o meu nome e nunca mais participar da política.”
 
E o homem das palavras mostrou que é de palavra. Mais de 20 anos após decidir romper a porta de saída da Câmara para não voltar, ele nunca mais se candidatou. Nem a vereador, nem a qualquer outro cargo eletivo. 
 
“Já me chamaram para eu me candidatar a prefeito, a deputado, mas a política virou essa bandalheira. Na verdade, sempre foi assim. Nós não sabíamos (à época) em nível nacional como era. Eu digo que agora está até mais difícil para o agente politico por conta das redes sociais e da exposição.”
 
 
Seu encanto é todo pelo AM
O apreço de Valdes pelo rádio tem frequência e é AM. Ele não titubeia ao falar de sua predileção pelo rádio que se veste de companhia. “O encanto do rádio AM vem daquela interação que fazemos, vem da resposta imediata. O ouvinte recebe o comunicador como se fosse alguém da família. É um público fiel”, disse.
 
E se o público do AM é fiel, o de Valdes é devoto. Mais de meio século no ar - e há ao menos 11 anos produzindo a coluna Painel, publicada nas edições dominicais do Comércio - lhe permitiu conhecer ouvintes de todas as idades e de até três gerações da mesma família. Valdes atravessa o tempo falando e encantando junto com a magia do AM. Seus ouvintes aguardam sua voz, suas orações, suas frases de otimismo, seus jogos, seus sorteios, suas brincadeiras - que não são poucas e sempre surpreendem pela criatividade. 
 
Conduzir um programa como ele é para poucos. O Show da Manhã toca, em três horas, apenas duas ou três músicas, em média. No mais, Valdes segura a liderança da audiência só com seu talento.
 
“Precisamos ter de tudo um pouco. O segredo é sempre estar renovando, criando alguma coisa. Passo as notícias, tem a hora da oração, tem participação de entrevistados de diversas profissões, o que é educativo. Depois, na parte final, tem as brincadeiras com prêmios, tem um bate-papo”, diz, fazendo uma síntese de seu repertório diário.
 
Além de companhia, o locutor se perfaz também um grande prestador de serviços, intermediando doações e atendendo os mais inusitados pedidos que chegam de ouvintes da cidade toda. “Isso é gratificante porque nós nos sentimos úteis podendo ajudar. Sempre repito que quem faz a caridade não sou eu. Eu sou simplesmente o intermediário. Mas isso me gratifica muito, ganho o dia. Todo dia é uma emoção nova.”
 
Emocionando e se emocionando, Valdes segue pelas ondas do rádio e, para a alegria dos ouvintes, sem vislumbrar aposentadoria. “O rádio para mim é vida. Um dia minha mulher me falou que os nossos filhos já estão encaminhados e me perguntou se eu não penso em parar para descansar. Eu respondi que ela estava querendo me matar antes do tempo (risos). Penso que, se por algum motivo, eu tiver que parar, eu vou sentir demais.”
 
Então, “vamos juntos até às 11 horas, com o Show da Manhã”, como cita diariamente Valdes. Ou melhor, vamos juntos para sempre, porque sua voz e talento já estão eternizados.

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