Muitos leitores assíduos das colunas sociais, que não perdem uma linha dos fatos que movimentam a sociedade e glamourizam a rotina, não imaginam o revés da produção das matérias. Tampouco, conhecem o processo que rompeu resistências e democratizou os espaços que um dia se limitavam a registrar apenas a vida dos mais abastados. Na ocasião em que se comemoram os 101 anos do Comércio, ninguém mais indicado para trazer à luz um pouco desses bastidores do colunismo social do que a profissional mais experiente da região: Sonia Menezes Pizzo, ou, para a maioria, simplesmente Patrícia.
Aos 85 anos de idade e completando 58 de carreira na imprensa francana, a colunista segue em plena atividade - em jornal, rádio e TV - o que não torna hipérbole chamá-la de enciclopédia do jornalismo social. Ela conta que para fazer uma análise historiográfica que aponte as principais características das colunas sociais ao longo do último século, é preciso recorrer às memórias de seu início de carreira, lá no final dos anos 50 do século passado.
Na época, eram raros os jornalistas chamados de colunista social. Mais escasso ainda era encontrar profissionais que conseguissem atuar no meio sem se limitar a centralizar as informações exclusivamente nos “regabofes elitizados” que aconteciam nas mansões de “famílias de sobrenome”, ou com filtro suficiente para não propagar apenas burburinhos e fofocas que visavam vangloriar ou até desmoralizar os chamados membros da alta sociedade.
A descrição de Patrícia remete a uma Franca com pensamento provinciano, que começava a vivenciar a consolidação de sua indústria de calçados e, onde, segundo ela, havia preconceitos escancarados. “A riqueza maior era rural, o sapato estava começando, muitas pessoas tinham um pensamento pequeno, de resistência, especialmente com quem não fazia parte da elite, o que era o meu caso. Por eu ser de origem muito humilde, a sociedade era muito fechada comigo. Quem mandava aqui era uma meia dúzia de famílias. Eles não admitiam que alguém que não era do meio deles se arvorasse a ir nas festas. E nem era tanto pelas publicações, disso eles gostavam. O que eles não aceitavam eram as pessoas.”
Neste sentido, Patrícia não se cansa de lembrar como foi seu ingresso no jornalismo e dos obstáculos que teve que enfrentar quando foi convidada pelo diretor-proprietário do Comércio à época, Alfredo Henrique Costa (que havia assumido a direção do jornal em fevereiro de 1955 ao lado de Jorge Cheade), para escrever nas páginas do periódico os acontecimentos sociais da cidade.
Professora (diplomada pelo Colégio Nossa Senhora de Lourdes) e recém-casada com o contabilista Américo Pizzo, Patrícia conta que aceitou o ofício, incentivada pelo apoio irrestrito do marido. Segundo ela, Pizzo disse que seria esta uma forma de, além de aumentar a renda, ter uma vida social que até então ela não tinha.
Desta forma, estreava, em 1958, a coluna Socialmente Falando, inicialmente assinada pelas iniciais de seu nome de batismo, S.M.P., até que, por sugestão de Costa, a assinatura fosse substituída pelo pseudônimo Patrícia.
Na pauta estavam as festas, os casamentos, os aniversários, as formaturas e as viagens predominantemente da alta sociedade - ainda que a colunista se visse como “forasteira” nos tais ambientes elitizados.
Democracia social, admite ela, não era o ponto forte na seleção de pautas de nenhuma coluna social no País. “Era a época da vaidade, e isso vai até a década de 70 toda. Admito que, eu mesma, errei muito em talvez levantar quem não merecesse ou não estivesse preparado para ser erguido”, conta.
Ela narra a rotina do que era a prática do jornalismo social. “A rotina se resumia a ir a festas, levar papel e caneta, anotar os nomes das pessoas e o principal: como eram e quem assinava os vestidos. Não tinha nada mais importante do que falar do vestido. Fazíamos as listas das dez mulheres mais elegantes, os dez homens mais bem vestidos e muitas outras. Virou uma febre em Franca.”
A inspiração de Patrícia e dos demais profissionais do jornalismo social do interior, segundo ela, vinha dos colunistas da grande imprensa dos anos 50, 60 e 70.
Da inspiração, surgiram amizades influentes e que a ajudaram a abrir portas durante a carreira. Entre elas, a jornalista cita renomados colunistas sociais e referências na prática do que era considerado “boas maneiras”, como os paulistas Marcelino de Carvalho, Vera Martins e Baby Garrot e, o seu ídolo e inspiração maior, o carioca Ibrahim Sued (1924-1995). “Ibrahim Sued foi o grande papa da moda e do colunismo. Tudo era ele, ele que criou essas listas. A projeção maior foi dele mesmo. Eu me baseei nele. Conheci-o em um baile do Copacabana Palace.”
O debut na coluna
Após a gestão de Alfredo Costa, o Comércio foi comprado por uma dupla de homens idealistas com o objetivo claro de profissionalizar e tornar o jornal cada vez mais relevante para a sociedade: José Corrêa Neves e Delcides Essado assumiram a direção do Comércio em abril de 1973. Enquanto o segundo deixou a sociedade um ano e oito meses depois, o primeiro deu sequência ao projeto. “O seu Corrêa transformou tudo. Trouxe uma equipe de São Paulo, modernizou a estrutura física, contratou gente, virou uma beleza”, afirma Patrícia sobre os novos tempos.
Uma das mudanças mais expressivas aconteceu logo no ano seguinte, resultando em mais nitidez e visibilidade especialmente para o segmento social, onde as fotos eram necessárias. O jornal adq uiriu a impressora rotativa Goss Community, que imprimia em off set e mudava completamente os antigos padrões de produção, aposentando os linotipos e clichês que, até então, eram ferramentas essenciais para impressão.
A rotativa foi importada dos Estados Unidos e inaugurada no dia 11 de junho de 1974 no prédio da rua Ouvidor Freire, 1.986. “Eu ia ao jornal todos os dias. De primeiro, era na rua Marechal Deodoro, depois o seu Corrêa mudou o jornal para a Ouvidor Freire (onde ficou até setembro de 2007) com tudo mais moderno”, disse.
Patrícia presenciava, in loco, também as modificações no formato do jornal. Desde 1970 o Comércio havia passado a se apresentar em formato tabloide e, em 1974, retomou o formato standard, variando de 16 a 20 páginas e possibilitando mais espaço para informações.
“Na década de 80 entrou em vigor uma nova época, com mais valorização às pessoas que faziam sucesso no comércio, na indústria, na política, e não mais apenas com destaque para a vaidade. Era esse o perfil de quem passou a aparecer. Eu mesma passei por uma transformação, porque o que eu achava lindo-maravilhoso era a vaidade, não nego isso. Fui me espiritualizando. Comecei a ver gente que fazia (o bem) e não mostrava”, disse.
Segundo ela, o novo estilo de vida mostrado nas páginas sociais passou a influenciar positivamente as pessoas. “Servia como exemplo para outras pessoas que não faziam nada, para aquelas mulheres cujas vidas eram só chazinhos, salões de beleza e costureiras. Era futilidade plena, uma coisa absurda. Eu comecei a focar esse outro lado, de 1980 para cá.”
Patrícia afirma que, independente destas e de outras mudanças, fazer colunismo social é algo que não permite se afastar completamente de um estilo elogioso, mas pondera que isso deve ser feito de forma respeitosa, séria e condizente com a realidade.
Democratização do colunismo
Com uma maior diversidade de pautas e público se abrindo para o jornalismo social, ficou mais fácil evitar a repetição de abordagens dos temas tratados. As mudanças surtiram efeito e a resposta do público foi positiva. “Uma das coisas que eu mais gostei dentre essas mudanças foi poder oferecer mais espaço para a divulgação de eventos beneficentes, de trabalhos sociais, de mostrar que havia uma mudança comportamental nas chamadas damas da sociedade.”
A pompa típica dos casamentos, batizados, aniversários, bailes e outras comemorações nunca deixaram de marcar presença no colunismo social, mas o leque de sobrenomes dos personagens começava a ser ampliado.
Mudavam também as ferramentas usadas pelos jornalistas. As tradicionais - e até poéticas - máquinas de escrever começaram a ceder espaço para os microcomputadores. Mas, nem para todos. Há que se registrar que essa mudança, em especial, não “atingiu” Patrícia. Eximia datilógrafa, ainda hoje, em junho de 2016, é em uma máquina de escrever que ela gosta de fazer seus registros. Colaboradores de seu escritório - em especial a neta e assistente para todas as horas, Camila Pizzo - que digitalizam o material que ela produz e o transmitem via e-mail.
“Antigamente era tudo mais difícil. Eu escrevia e entregava direto no jornal, tirávamos fotos e não fazíamos ideia de como iam sair até serem reveladas. Antes, nem máquina de fotografia eu tinha, eram os fotógrafos da cidade que colaboravam comigo, sediam suas fotos”, disse sobre imagens que ilustravam a sua coluna nas primeiras décadas. As fotos não possuíam créditos como é obrigatório nas publicações atuais.
Tanto para Patrícia, como para as demais editorias, os anos 90 foram redentores, especialmente em sua segunda metade, quando os filmes fotográficos começaram a ceder lugar para os equipamentos digitais em maior velocidade e as conhecidas (ao menos para os funcionários da redação) caixas repletas de fotografias de papel arquivadas se tornaram ociosas e, mais tarde, foram extintas.
Patrícia se diz grata aos resultados positivos nítidos advindos das modernizações, mas afirma que a essência de seu trabalho não muda. Isso se aplica à digitalização, informatização e inserção do Comércio no mundo online, incluindo a publicação diária de sua coluna na rede. “Eu brinco que, como tenho quem me ajuda com isso (tecnologia), a essa altura, deixo meu cérebro se ocupar só com a essência do meu trabalho, com a minha agenda, meus afazeres.”
Tudo junto e misturado
O valor social, cultural e histórico do noticiário social para o jornalismo fica claro ao se conhecer a história do Comércio. Patrícia atravessou a virada do século contando a vida social dos francanos. Se os desafios iniciais envolviam romper paradigmas de uma sociedade elitista, hoje eles passam pelos desafios da criatividade constante. A colunista avalia que o ineditismo, as variações de temas publicados e a necessidade de ser sempre justa com quem merece, de fato, ser valorizado, funcionam como estratégias para manter os antigos e conquistar novos leitores.
“Hoje há um novo grupo de gente brilhando em Franca. São pessoas que souberam lutar, trabalharam, muitas vezes que vieram do nada e hoje estão aí, sendo esteio da sociedade. Partimos para o lado de mostrar orgulho desse povo. Procuro diversificar muito as publicações. Todas as entidades que precisam e me procuram, eu divulgo. A parte cultural eu só não divulgo o que não consigo saber. Hoje não tem mais essa de alta sociedade, está tudo junto e misturado”, disse, sorrindo.
Nem tudo são flores
Quem vê os colunistas sociais bem relacionados, circulando com pompa e estilo próprios em qualquer lugar e sempre com um belo sorriso cravado no rosto, nem de longe imagina o que há por trás da foto, antes do texto ou nos minutos que antecedem uma entrevista. Conforme relata Patrícia, nem tudo são flores e o que é impresso ou aparece na tela do computador é apenas a ponta bonita e lapidada do iceberg.
Afinal, quem imaginaria que para estar ao lado do rei Roberto Carlos, por exemplo, Patrícia não poderia estar com nada em mãos, nem a sua própria biografia (o livro Querida, de autoria de Lúcia Helena Maniglia Brigagão)?
“Eu já o entrevistei umas seis vezes, mas todas as vezes foi a duras penas. O cerco é muito grande. Da última vez, não me deixaram entrar nem com o meu livro para entregar a ele porque acharam que poderíamos estar querendo tirar foto ao lado dele e fazer propaganda. É difícil, Deus me livre, mas temos que ter coragem e enfrentar. Aliás, coragem e persistência são marcas do meu trabalho”, disse.
Também precisaria ser muito criativo para achar que, durante suas coberturas, até briga de “homens barbados” nos bastidores empresariais Patrícia já se envolveu. “Mas calma, foi para separar e acalmar os ânimos”, conta às gargalhadas.
Com o bom humor à solta, a colunista narra ainda sobre as vezes em que os promotores de festas ou anfitriões não deixam claro os detalhes dos eventos e, ela mesma, acaba se equivocando no look. “Sou mestre. Gosto de andar toda emperiquitada. Uma vez cheguei a um evento para americanos, com lugares marcados, e quase morri: (trajada a rigor) era eu, a única. Todos estavam simples, sem paletó, bem à vontade, só de camisa. Estou cansada de ouvir até cochichos me criticando. Mas eu me aceito (risos).”
Segundo Patrícia, alguns “perrengues” aparecem também quando alguém não gosta de uma publicação e resolve questioná-la. “Muitas décadas atrás, quando o foco era destacar os vestidos das mulheres na coluna, eu escrevi que uma senhora estava toda elegante em um evento, trajando um vestido estampado com florezinhas. O marido dela, um doutor, me procurou indignado porque ela havia comprado o tecido em Paris, o mais requintado que havia achado, e achou um absurdo eu escrever que era de florezinhas. Mas era, o que eu ia fazer”, indaga sorrindo.
E é assim, com bom humor e determinação, que Patrícia segue pela longa estrada da vida e do trabalho. Depois atuar no Comércio por 32 anos ininterruptos (de 1958 a 1990), ela passou por outros veículos de comunicação locais. Foram 21 anos no jornal Diário da Franca, além de ter passado pelas rádios PRB5, Difusora, Imperador (onde atuou por 22 anos) e União FM e pela TV Clube (afiliada da Band).
Desde setembro de 2011, Patrícia retornou ao Comércio e segue feliz, narrando os fatos sociais de Franca e região na coluna que carrega seu nome artístico, Patrícia. A jornalista também atua na rádio Difusora de Franca (AM 1030 Khz), nas manhãs de sábado, e na TV Record.
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