Operação feijoada

Meu plano era fazer uma feijoada. Como minha casa é grande e a cozinha bem equipada, imaginei que não haveria grandes dificuldades em fazer aqui mesmo.

12/06/2016 | Tempo de leitura: 5 min

“Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados”
 
Mahatma Gandhi, líder pacifista indiano
 
 
Sou persistente. Por isso mesmo, não dei maior importância quando muitos começaram a duvidar da viabilidade de uma empreitada que havia imaginado para ajudar a financiar projetos da Academia de Artes, ONG mantida pelo GCN no Recanto Elimar sem um tostão de repasse do poder público. Meu plano era fazer uma feijoada. Como minha casa é grande e a cozinha bem equipada, imaginei que não haveria grandes dificuldades em fazer aqui mesmo. Seguiria a receita que faço há bastante tempo e agrada todo mundo. Na minha inocência – ou delírio – seria apenas uma questão de ajustar a escala. 
 
“Você tá falando sério?”, perguntou, incrédula, minha mulher. “Isso é loucura”, vaticinou Dulce Xavier, diretora administrativa do GCN. Nem minha mãe perdoou. “Não é muita coisa, meu filho?”. Achei que não. Tinha o “aceite” de Marcelo Carraro Rocha, diretor executivo da Acif e grande cozinheiro, e de Kilton Oliveira, motorista aqui do GCN, que me ajudariam no preparo. Os ingredientes eram fáceis de encontrar. Havia o desafio de entregar tudo, mas, com apoio dos amigos, superaríamos o obstáculo. Portanto, era apenas uma questão de “mãos à obra”.
 
Tão logo anunciamos a promoção, admito que um frio agudo percorreu minha espinha. As vendas explodiram. Em cinco dias, foram 275 encomendas – o que resultaria num “almoço” para 1000 pessoas. Encontrar os ingredientes não foi problema. Difícil mesmo foi armazenar 45 kg de feijão preto, 20 kg de costelinha, 90 unidades de calabresa, 70 de paio, 22 kg de pele, 15 kg de carne seca, 15 kg de lombo, 15 kg de bacon, 24 pés, 24 orelhas e 12 rabos, fora as 5 dúzias de laranjas, 30 maços de salsinha e cebolinha e 1 kg de pimenta dedo-de-moça. Depois de muito quebrar a cabeça, convencemos o açougue a armazenar tudo até a manhã de domingo – menos, é claro, a arroba de carne seca, que precisava ser dessalgada e ficou em casa mesmo.
 
No sábado, armamos as “praças” na cozinha. Três fogões industriais de alta pressão, cada um com vários caldeirões que variavam de 30 a 60 litros – quase tudo, emprestado pelo pessoal do Paulu’s Refeições. Minha mulher, sempre metódica, passou a tarde cortando cebolas – as 60 unidades - e toda a pimenta, além da salsinha e cebolinha. Teve ajuda da Elaine, que trabalha aqui em casa. Nunca vi duas mulheres chorarem tanto na cozinha. 
 
Chegou o domingo. Admito que dormi mal. Uma dúvida me perseguia. Será que uma panela de 30 litros renderia 30 porções de feijoada? Não havia furos nesta conta? E se rendesse menos, o que faria? Havia 275 feijoadas que precisavam ser entregues – de qualquer maneira. Às 6h30, já estava na cozinha com Marcelo, Kilton e Dirceu Garcia, fotógrafo escalado para registrar tudo. Logo depois chegariam Vera Lúcia, que também trabalha em casa, e Elza Reis, fiel escudeira da minha mãe. 
 
Colocar tudo para cozinhar foi fácil. As horas avançaram sem sobressaltos até um pequeno teste que resolvi fazer às 10h15, quando a primeira panela já estava quase pronta. A capacidade da dita cuja era de 30 litros. Após esvaziá-la, vimos que resultava em... 18 porções. Feitas as projeções, as dez panelas no fogão forneceriam no máximo 200 unidades. Precisávamos produzir outras 80. Meus pesadelos eram agora realidade.
 
Foi um Deus nos acuda. Ingredientes, até tínhamos – precavido, havia comprado a mais. O problema eram panelas. A solução veio com Dirceu, que tinha acabado de comprar um caldeirão de 60 litros para produzir cerveja artesanal em sua casa. Sequestramos o “artefato” imediatamente. Peguei caldeirões também menores que tinha em casa. Para nosso alívio, amigos que iriam cuidar da entrega chegavam a cada minuto e nos ajudaram neste sufoco.
 
A partir das 11h30, as feijoadas começaram a ser entregues. Infelizmente, por mais que a gente tenha se empenhado, corrido e cuidado de tudo com atenção e carinho, estimo que entre 30 e 40 unidades ficaram abaixo do que era esperado. Mesmo assim, aos trancos e barrancos, concluímos a “missão. Não sem que houvesse, claro, algum atraso – e um toque final de ironia.
 
O almoço de domingo de todos que estavam ajudando seria, obviamente, feijoada. O problema é que, terminado o último caldeirão, faltaram ainda 14 porções. O jeito foi usar a “nossa” para completar a quota. Deu em cima. Para quem estava na preparação, houve arroz, torresmo, couve refogada – e nem um mísero bago de feijão preto, pedaço de costelinha ou pele de porco. Nada. Só não ficou pior porque o “Guidão”, do Nonno Grill, nos socorreu com uns providenciais nacos de carne. Porque da feijoada, só o cheiro. 
 
Ainda assim, valeu muito a pena. Os R$ 8 mil que arrecadamos ajudarão a financiar melhorias na Academia de Artes. São 500 crianças que agradecem. Foi bom também ver como meus amigos são solidários e empenhados. Não faltou ajuda. Tudo num clima de alegria e diversão, e em que pese a tensão – e o cansaço. Além disso, aprendemos muito e, numa próxima oportunidade, será menos traumático.
 
Sou persistente. Por isso mesmo, devo estar agora terminando de preparar feijoada. Hoje serão 70 litros. Parte  vou entregar na casa daquelas pessoas que foram mal servidas na semana passada. O restante é para gente mesmo. Afinal, neste friozinho, nada melhor do que uma boa feijoada – ainda que, no nosso caso, com uma semana de atraso. Bom apetite!
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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