Alexandre: vai sair de cena tão rápido quanto entrou

Que o diga Alexandre Ferreira (PSDB), defenestrado neste sábado pelo seu próprio partido. Do apogeu à queda, foram exatos 1.279 dias, período que separa a vitória no segundo turno das eleições municipais.

01/05/2016 | Tempo de leitura: 4 min

“A pior cegueira é a dos que 
não sabem que estão cegos”
 
Clarice Lispector, escritora brasileira
 
 
Qualquer pessoa que ocupa uma posição de liderança sabe que muito mais difícil do que chegar ao topo é manter-se ali. Que o diga Alexandre Ferreira (PSDB), defenestrado neste sábado pelo seu próprio partido. Do apogeu à queda, foram exatos 1.279 dias, período que separa a vitória no segundo turno das eleições municipais, em 28 de outubro de 2012, da derrota nas prévias do PSDB deste sábado, 30 de abril, quando acabou esmagado. 
 
O placar não deixa dúvidas sobre o balanço que se extrai do mandato de Alexandre Ferreira. Dos 982 filiados ao PSDB que votaram, apenas 288 cravaram o nome do prefeito – 676 optaram por Sidnei Rocha, 10 anularam seus votos e 8 deixaram a cédula em branco. Apesar de usar a força da caneta para pressionar comissionados, de ter toda a estrutura de governo sob seu comando, de acumular a presidência do diretório municipal do PSDB e de se vangloriar de contar com o apoio de 12 partidos para sua natimorta campanha à reeleição, Alexandre Ferreira somou apenas 29,3% dos votos. 
 
Além disso, é uma derrota com sabor particularmente amargo por ter sido aplicada por seu mentor, Sidnei Rocha, que rejeitou a própria cria. Uma coisa é perder uma eleição. Outra, muito mais dramática, é ter seu mandato tão mal avaliado que nem mesmo o seu partido aceita correr o risco de lhe confiar a chance de uma nova disputa. 
 
Obviamente, não é um único vento que explica a tempestade colhida por Alexandre Ferreira. O governo por ele comandado é protagonista de uma série de erros, desmandos, desvios e denúncias de corrupção jamais vistos na história de Franca. Tem para todos os (des)gostos: de favorecimento em licitações a desvio de recursos na construção de creches; de falsos médicos a plantões fantasmas na rede de saúde; de perseguição contra servidores municipais a acordos nada republicanos com concessionárias de serviços públicos, além de atrasos generalizados em obras. Ainda assim, e em que pese todos os malfeitos, há um trio de fatores na raiz da atual administração que traduz melhor o resultado deste sábado. 
 
Primeiro, a incapacidade intrínseca de Alexandre Ferreira para escutar e enxergar a realidade que o cerca, característica que se pressupõe elementar para qualquer líder. Desde o princípio, o prefeito de Franca parece ter se convencido de que qualquer crítica ou observação com relação a seu mandato era um “ato de guerra”. Foi assim na discussão sobre as vagas de estacionamento do Centro quando, numa nota precipitada, classificou a Acif (Associação Comercial e Industrial de Franca), que divergia de sua posição, como “leviana”. Também foi assim quando, apesar de todas as denúncias feitas pela imprensa – e, em especial, pelo Comércio – de que havia uma infestação de falsos médicos na rede pública, seguiu renovando o milionário contrato com o instituto responsável pelos tais “profissionais”. Ignorou os falsários, a fraude nos plantões, os milhares de atendimentos indevidos e até as mortes.
 
Segundo, o fato de ter se cercado de gente rancorosa ou despreparada em postos chaves. Na mesma medida em que Alexandre Ferreira se distanciou de todos que diziam o que ele não queria ouvir, o prefeito trouxe para dentro do gabinete gente que faz política com o fígado. A capacidade de ação e reação do governo ficou completamente anulada porque os objetivos nunca foram a solução dos conflitos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que sempre se preocupou em fazer com que as crises saíssem de seu gabinete menores do que haviam entrado. É um princípio fundamental, ignorado solenemente por Alexandre, que fez justamente o contrário: problemas relativamente pequenos se transformaram em crises graves justamente depois de passarem por seu gabinete.
 
Terceiro, pela soberba e empáfia em acreditar que sua convicção bastava, sem mínimo apreço pelo diálogo ou pela necessidade de convencimento de quem pensava diferente. Melhor exemplo do que a divergência que descambou na greve dos servidores municipais não há. Alexandre apresentou um valor de reajuste e bateu o pé. Recusou-se a negociar, proibiu que se trabalhasse num paliativo, rechaçou qualquer alternativa que sinalizasse um recuo, por menor que fosse, e ainda que a postura do sindicato dos servidores fosse mais que razoável. Acabou diante da maior greve da história, com desgaste proporcional ao tamanho do conflito.
 
No eclipse de seu governo, a combinação destes três fatores fez com que opções menos humilhantes acabassem descartadas. Era óbvio que o governo estava mal avaliado e sobravam pesquisas que indicavam isso, mas Alexandre Ferreira não quis acreditar. Preferiu ouvir os “conselheiros” de sempre, que juravam ser ele o suprassumo dos administradores públicos do Brasil. Ignorou Sidnei Rocha, que apelou pelo recuo de sua candidatura ante o desastre eleitoral anunciado. Fez o mesmo com o deputado estadual Roberto Engler. Chamado para uma conversa pela executiva estadual do PSDB, que buscava uma saída honrosa para as prévias, com sua “desistência” da disputa em troca da “gratidão” do partido, Alexandre mais uma vez disse “não”. Seguiu confiando nos seus instintos – e nos seus  taciturnos “conselheiros”. Deu no que deu. 
 
Alexandre Ferreira, eleito prefeito sem que tivesse disputado antes qualquer outro cargo, foi qualquer coisa, menos um líder. Vai sair de cena tão rápido quanto entrou, banido da vida pública pelo mesmo grupo que o forjou. A queda era previsível. E, dadas as circunstâncias, também inevitável.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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