“Francaníssima” de berço e de coração, a advogada Juliana Pereira da Silva, de 42 anos, fez da defesa pelos direitos dos consumidores seu lema, norte e missão de vida. As portas do mercado de trabalho foram abertas para ela por meio de um emprego como auxiliar de consultório odontológico, ainda na adolescência, mas foi na segunda oportunidade, em um supermercado em Franca, que ela teve os primeiros contatos com a área pela qual se apaixonou e nunca mais deixou.
Paralelamente ao emprego, Juliana frequentava as aulas da Faculdade de Direito de Franca e, quando teve o diploma em mãos, tentou, mas não foi seduzida pela carreira clássica na advocacia. “Abrimos um escritório, mas consegui ficar uns seis meses apenas. Não era o meu perfil profissional”, afirma.
Até que a experiência, o talento, o empenho e bons relacionamentos profissionais culminaram em um convite para que ela assumisse a coordenação do Procon local e, de lá para cá, a ascensão da especialista em direito do consumidor aconteceu a passos largos. Juliana mudou-se para Brasília (DF), em 2003, para assumir sua primeira função no Governo Federal. Em 2010, passou a responder pelo DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor) e, dois anos mais tarde, em 2012, assumiu a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), criada pela presidente Dilma Rousseff (PT) naquele mesmo ano.
No âmbito acadêmico, a francana tem ainda no currículo duas pós-graduações: uma em Contratos e responsabilidade civil (pelo Instituto Brasiliense de Direito Público) e a outra em Segurança e vigilância de mercados (pela Universitat Pompeu Fabra, de Barcelona).
Após mais de 12 anos vivendo e trabalhando em Brasília, Juliana afirma que chegou o momento de encerrar um ciclo. “Cheguei aqui com 29 anos, tenho 42, acho que chegou a hora de encerar este ciclo”. Ela formalizou seu pedido de demissão do cargo e deve deixar a Senacon ainda este mês.
Ao deixar a função, a francana precisa cumprir um período de “quarentena” de seis meses exigido por lei antes de retornar ao mercado de trabalho. Será, afirma ela, uma ótima oportunidade para colocar em prática alguns projetos pessoais. Solteira e sem filhos, ela afirma que quer dedicar os próximos meses a viagens de lazer e estudos, primeiro pela Europa e, depois, pelos Estados Unidos.
Terá também a oportunidade de praticar algo que adora, que é visitar Franca. Por aqui, ela não abre mão de comer pão na chapa na Padaria Estrela, passear com a mãe pelo Franca Shopping e, acima de tudo, mimar o grande amor de sua vida: a sobrinha e afilhada Letícia, de 6 anos, que vive na cidade. Confira abaixo o bate-papo da secretária com o Comércio.
Como foi sua infância em Franca? Você estudou e se formou na cidade?
Nasci em 20 de outubro de 1973 no Hospital Regional de Franca. Estudei minha vida toda em escolas públicas. Fui aluna da Escola Estadual ‘João Marciano de Almeida’ e, posteriormente, da EETC (Torquato Caleiro). Formei-me em direito pela Faculdade de Direito de Franca.
Como foi a sua inserção no mercado de trabalho?
Meu primeiro emprego foi em um consultório odontológico. Fui auxiliar de dentista, aos 16 anos, do doutor José Guilherme Calil Maia. Depois, fui fazer o curso de filosofia da Capelinha (no Instituto Agostiniano de Filosofia), mas não o concluí. As coisas se apertaram e eu tive que voltar a trabalhar. Foi quando entrei no Sé Supermercado. Fui encarregada do atendimento ao cliente, fui encarregada de compras e encarregada de caixa. Trabalhei lá por um período aproximado de uns oito anos. Neste período eu cursava a faculdade.
O emprego no supermercado pode ter sido o estopim para a carreira que você veio a desenvolver?
Fazia pouquíssimo tempo que tinha entrado em vigor no país o Código de Defesa do Consumidor. O Código entrou em vigor em 1991 e eu comecei em 1993 no Sé. E esta foi minha primeira experiência na área de defesa do consumidor. Como encarregada de atendimento ao cliente, era eu quem respondia a todas as reclamações dos consumidores.
E como você entrou efetivamente na área? Como você se tornou coordenadora do Procon de Franca?
Eu me formei em 2000 e, em seguida, me associei a dois amigos e abrimos um escritório de advocacia em Franca. Consegui ficar uns seis meses apenas. Não era o meu perfil profissional, não queria advogar, não era a minha área. Acabei encontrando um dia, por acaso, o Denilson Carvalho (advogado), que tinha sido coordenador do Procon local e estava assumindo a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Prefeitura, na gestão do Gilmar Dominici (PT). Ele me fez um convite para ser a nova chefe do Procon de Franca, me disse que eu era uma pessoa séria, com experiência na área, e que levaria o meu nome ao prefeito. Então permaneci por quase três anos como coordenadora, comecei no início de 2001 e fiquei até agosto de 2003.
A partir daí, como foi o desenvolvimento de sua carreira?
Naquela ocasião acabei tendo um contato muito bacana com a Fundação Procon de São Paulo e estávamos no início de um projeto chamado Observatório Social das Relações de Consumo. Esse projeto envolvia o Ministério Público de São Paulo, a Unesp, o Procon de São Paulo e a Prefeitura, por meio do Procon local. O principal objetivo era levar os direitos do consumidor às comunidades mais distantes, dos bairros. Com o apoio do grupo Veredas, na época, começamos a implantar o observatório social exatamente no bairro Elimar. Passei a ter contato com o diretor jurídico do Procon de São Paulo, o professor Ricardo Morishita, e comecei a administrar esse projeto, a fazer uma articulação na macrorregião de Ribeirão Preto e a ter mais contato com meus colegas da região. Um ano depois, fundamos o Polo de Defesa do Consumidor da Macrorregião de Ribeirão Preto. Éramos 22 Procons, fazíamos fiscalizações simultâneas, debates, fomos criando uma certa projeção regional. O projeto do Observatório começou a ser objeto de interesse de outros agentes de defesa do consumidor no Brasil e acabei recebendo, em Franca, alguns membros de outros Estados para conhecer o projeto.
E como se deu a sua transição para Brasília em 2003? A princípio, você foi para assumir exatamente qual cargo?
Em 2003, o Ricardo Morishita foi convidado para ser o diretor do DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor) no Ministério da Justiça, em Brasília. Ele me convidou para ser colaboradora dele e levar a experiência que tínhamos do Observatório e da articulação regional para outros espaços. Em agosto de 2003, ele me convidou e eu vim para Brasília para ser assessora especial dele. Morishita me colocou na gestão de um projeto que era prioritário no departamento: a integração dos Procons. O projeto era implantar um sistema que integrasse os Procons do Brasil. Comecei a viajar pelo Brasil, desenvolvemos o sistema - inspirado no que tinha na Fundação Procon de São Paulo. Fui responsável pela implementação do Sindec (Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor), que hoje é uma realidade e integra mais de 400 cidades. Depois, dentro do Ministério da Justiça, foi criada uma área para coordenar esse sistema. Então saí da assessoria e, a partir de outubro de 2005, me tornei a coordenadora geral do Sindec, responsável pela integração dos Procons e pelo desenvolvimento do sistema.
Depois, em 2010, você assumiu a diretoria do DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor).
Isso. Em novembro de 2010, o Ricardo Morishita saiu do Departamento por uma decisão pessoal e eu assumi a vaga dele, no final do governo Lula. Em 2011, com o início do governo Dilma Rousseff, o José Eduardo Cardozo assumiu o Ministério da Justiça e, dentro das ações que ele planejava, havia a de aprovar a lei que criava o novo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e, junto, criava a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor). Em 2012 a lei foi aprovada, sancionada e entrou em vigor. E foi criada, em maio, a Senacon. O ministro me convidou para assumir o cargo de secretária e, em junho de 2012, fui empossada Secretária Nacional do Consumidor.
A partir do momento em que você assumiu a Senacon, quais passaram a ser os seus principais desafios? Em um balanço de sua carreira, de quais conquistas você sente mais orgulho?
De lá para cá conseguimos trabalhar bastante e colocar a defesa do consumidor em outro patamar. Trabalhamos de várias formas, não só para coibir as práticas que violam o Código de Defesa do Consumidor. Em 2014, colocamos no ar plataforma que tem sido sucesso, que é para soluções de conflitos de consumo, o www .consumidor.gov.br (...), um instrumento reconhecido. Trabalhamos de dez a doze horas por dia e, dentre várias ações que fizemos, tenho muita honra em ter participado do Sindec, da integração dos Procons, que foi um divisor de águas. Fizemos uma atuação muito forte na área de segurança do consumidor. Temos um sistema de informação de acidentes de consumos, cujo parceiro da Senacon é o Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos maiores da América Latina, que monitora produtos que geram acidentes de consumo (trabalho integrado com o Inmetro). Os dados de recall passaram a ser públicos. Em uma parceria com a Anvisa e o Inmetro lideramos, no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos), a criação de Rede Consumo Seguro e Saúde das Américas e sou membro-fundadora dessa rede. A segurança de consumo é um tema do qual me orgulho muito, um legado que vamos deixar aqui. Outra coisa da qual me orgulho muito é em ter participado, como secretária, do momento em que a ONU (Organização das Nações Unidas) faria uma atualização das diretrizes de proteção ao consumidor (em 2013). O Brasil foi convidado para coordenar os grupos junto com a Alemanha e eu fui a representante do País (...). Outra coisa que eu daria destaque é o fato de que o Brasil faz parte de uma rede chamada Consumers International, que reúne países e organizações civis do mundo inteiro. Eles se reúnem a cada quatro anos para um congresso mundial e eu tive a oportunidade de trazer este congresso para o Brasil. Fizemos aqui o Congresso Mundial da Consumers International, em novembro do ano passado. Foi a primeira vez que ele aconteceu no Brasil e, na América Latina, tinha acontecido só em 1997, no Chile. Conseguimos transformar Brasília na capital mundial do consumidor naquele momento. Tivemos aqui 120 países.
E como foi a decisão recente de se demitir da Senacon, que coincide com a saída de José Eduardo Cardozo do comando do Ministério da Justiça?
Entendo que estou chegando ao final de um ciclo de trabalho. Cheguei aqui 2003, passei por diversas áreas até chegar ao cargo máximo, fiquei quatro anos como secretária e entendo que é um ciclo que fecha. É uma convicção pessoal, não teve nenhum outro motivo. Inclusive o novo Ministro da Justiça, Eugênio Aragão, me pediu para ficar. Inclusive ainda não saí, porque - como eu disse, independente do convite (para ficar), eu sairia por novos desafios profissionais -, ele me pediu para ficar mais um tempinho até ele encontrar um nome para me substituir. Estou trabalhando e aguardando ele escolher o nome para me substituir. Eu trabalhei aqui durante esses anos todos e obviamente tenho toda uma preocupação com a transição. A minha maior preocupação é que, nesses anos todos, a defesa do consumidor no Brasil em nenhum momento foi utilizada para trampolim político, para alguém sair por aí tentando oportunismos políticos. A minha maior preocupação é que esse tratamento continue a ser dado para a política nacional de defesa do consumidor. Tenho expectativa de começar encerrar (as atividades na Secretaria) no final deste mês. Cheguei aqui com 29 anos, tenho 42, acho que chegou a hora de encerar este ciclo.
Como você avalia a atual situação política do País? De alguma forma, a realidade política teve a ver com a sua decisão de deixar o cargo?
Trabalho há mais de 12 anos e nunca recebi uma interferência política dentro da secretaria. Essa situação política que está instalada no País nunca chegou perto da Secretaria. A minha avaliação é de tristeza, porque (falando como cidadã) entendo que a radicalização e a intolerância não conduzem a nenhum resultado. O que temos que ter nesse País é uma profunda reforma política. Não é possível para nenhum governante continuar trabalhando sem que a gente faça uma grande reforma política. O Estado brasileiro é democrático e temos que preservar os avanços da democracia. A reforma política deve rever o financiamento de campanhas, (temos que investigar) o enriquecimento ilícito para não termos, daqui a dez anos, outro escândalo político. Sou uma pessoa supernacionalista, acredito no País e que somos capazes de virar o jogo, acredito no brasileiro.
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