O milho, uma cuia, o tempo


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O simples gesto de uma mãe que observa seu filho comer milho numa cuia de cerâmica pode ser a chave da conexão entre o passado, o presente e o porvir
O simples gesto de uma mãe que observa seu filho comer milho numa cuia de cerâmica pode ser a chave da conexão entre o passado, o presente e o porvir
São seis e pouco da manhã, abano a toalha de mesa sobre o balcão, em cima a cuia de cerâmica, colher e a caixa de cereal, Nesfit, o preferido da minha filha, o leite tampinha vermelha, já já ela termina a toalete matinal e vai se sentar um tanto sonolenta na banqueta para tomar o café da manhã. Hoje, especificamente, miro a cuia e penso se ela vai ou se ela fica quando minha filha não mais estiver morando aqui comigo. Penso nessa combinação “cereal de milho e cuia de cerâmica” e me surpreendo com a antiguidade dessa comida, que maravilhosa conexão.
 
Quando os portugueses chegaram aqui, os Guaranis já habitavam nossa região, digo, São Paulo, por mais de 500 anos e foram eles nesse tempo que trouxeram e domesticaram o milho em nossa região, muito diferente da espécie que hoje domina o mundo inteiro. 
 
Naquele tempo, os milhos eram diferentes em cor, textura e tamanho - e tinham diferentes utilizações. Provavelmente o milho foi encontrado pelos índios, no Brasil, no Acre, próximo a região que hoje é a capital Rio Branco. Próximo também aos sítios arqueológicos denominados de Terra Preta de índio. Para quem nunca ouviu falar disso, vale a pena uma pesquisa. Surpreendentemente, descobriu-se nas últimas décadas aquele que vem a ser talvez o solo mais fértil e resistente já visto e produzido pela ação dos índios há mais de 4 mil anos. É uma faixa de terra preta e profunda no solo. 
 
Não se sabe ao certo a razão dessa criação, especula-se que possa ser ritualística, por se tratar da queima de matéria orgânica depositada no solo por séculos. Pensa-se que possa ser proposital, uma vez que o solo daquela região, Bacia Amazônica, é fraco e perde nutrientes como nenhum outro. Essa deposição de matéria orgânica pode ter sido feita justamente com intuito de fertilização. 
 
Mas voltando ao milho, para os índios Guaranis, não era qualquer coisa, tinha status de coisa criada, cercado de rituais, constituíram a “religião do milho” e a liturgia das bênçãos, ou Angá, se estendia: queima do roçado, véspera do plantio, milho com meio metro - quando se formam os grãos -, milho verde, preparo das primeiras comidas com milho verde e, finalmente, o preparo da primeira chicha de milho verde. 
 
Pensando aqui, no nosso umbigo, 500 anos depois, usufruímos ativamente de um legado sagrado. E sem qualquer cerimônia fazemos dele o uso que bem queremos e necessitamos. Não dá para comparar, afinal são 500 anos. Mas o tempo marcado em anos perde importância quando nos percebemos parte de um caminhar. O simples gesto de uma mãe que observa seu filho comer milho numa cuia de cerâmica pode ser a chave da conexão entre o passado, o presente e o porvir.
 
 
DICA DA SEMANA
 
Chás
Tenho duas dicas sobre como fazer um bom chá. Quase todo mundo faz chá de qualquer jeito, já que brasileiro pensa que chá é para doente, ou melhor, contra as doenças. Mas a gente vê aqui e ali uma mudança, pena que, em grande parte, em desfavor das nossas deliciosas ervas frescas.
 
São para o chá de hibisco as minhas dicas. Quem já fez pode ter achado o chá meio azedo demais e coloca poucas flores, assim ele fica fraco e sem gosto. O segredo é: Primeiro a infusão, não se coloca toda a água de uma vez. Uma xícara das flores de hibisco em ½ litro de água por 20 minutos, coa e depois acrescenta mais ½ litro de água fria ou gelada. Outra coisa: Esse chá funciona melhor gelado que quente. Por isso na hora de servir pegue um copo cheio de gelo, despeje o chá e adoce a gosto. Se quiser incrementar coloque uma rodela de limão siciliano ou, na falta desse, uma rodela de laranja e outra de limão Taiti ou cravo - fica bem parecido. 

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