Muito além do fundo do poço

Faço parte dos milhões de brasileiros que têm absoluta convicção de que a presidente Dilma Rousseff (PT) está atolada até o último fio

13/12/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“Sem o caráter, nada vale o espírito”

Anatole France, escritor francês
 
 
Faço parte dos milhões de brasileiros que têm absoluta convicção de que a presidente Dilma Rousseff (PT) está atolada até o último fio de cabelo num mar de lama. Não tenho a menor dúvida de que ela sabia que a compra da refinaria de Pasadena por um valor muitas vezes superior ao real, quando ainda despachava como ministra e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, era apenas cortina de fumaça para justificar o desvio de milhões de dólares através dos ‘propinodutos’ da corrupção. 
 
Não consigo imaginar como uma mulher inteligente e notoriamente centralizadora pudesse ignorar o pântano fétido de onde vieram os recursos que bancaram sua campanha à reeleição. Tampouco dá para admitir que, na mesma campanha, Dilma não soubesse que mentia à população quando sustentava que o país mantinha tão bons fundamentos que seria possível descartar a necessidade de medidas duras de ajuste como preconizadas por seus adversários. 
 
Como aceitar que Dilma não sabia de nenhum dos esquemas de desvio de recursos na Petrobrás protagonizados por gente com quem dividia sala, corredor, avião? Será que alguém realmente acredita que a presidente também desconhecia que as milionárias consultorias e palestras de José Dirceu, Palocci, Lula, Lulinha e outros tantos eram apenas camuflagem para tráfico de influência? Ou, ainda, há quem acredite que o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT), agiu completamente alheio ao Palácio do Planalto quando tentou comprar o silêncio de Nestor Cerveró?
 
Ainda assim, é imperativo reconhecer que, com raríssimas exceções, o conjunto dos principais líderes da política nacional, muitos deles conspirando contra o mandato da presidente neste instante, não é sequer um milímetro melhor, “Vossas Excelências” não agem por qualquer outra razão que não seja benefício próprio. 
 
Exemplo mais perfeito do que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), não há. Flagrado numa mentira deslavada, quando negou que tivesse milhões de reais de origem ilícita depositados numa conta na Suíça e acabou desmentido, Cunha tentou amarrar seu destino ao de Dilma e, assim, comprar a salvação de ambos. Ofereceu o sepultamento do processo de impeachment em troca de sua absolvição no Conselho de Ética, operação que dependia da anuência de todos os deputados governistas. Dilma tentou pressionar e fazer sua parte na manobra asquerosa, mas fracassou. Magoado e com o pescoço a prêmio, Cunha deflagrou imediatamente o processo de impeachment. Transformou a presidente em boi de piranha para ver se, enquanto Dilma é devorada viva, consegue sobreviver.
 
Não satisfeito, ainda mexeu os pauzinhos para afastar o relator do seu próprio processo. Ou seja, o réu trocou o juiz. Beira a insanidade admitir que este tipo de coisa possa acontecer. Para piorar, como Marcos Rogério (PDT), o substituto de Fausto Pinato (PRB) na função de relator, já indicou que pretende seguir os passos de seu antecessor e indicar a continuidade do processo que pode terminar na cassação de Cunha, o clima esquentou de vez. Até tapas alguns parlamentares trocaram, nesta última semana, dentro da Câmara dos Deputados.
 
Há que se registrar ainda a baixíssima manobra do vice, Michel Temer (PMDB), capaz de escrever uma carta desaforada para a presidente, pretensamente em caráter “pessoal”, e pouco - para não dizer, nada - fazer para impedir que o conteúdo estivesse nas mãos de quem quisesse conferi-lo antes mesmo que a destinatária da missiva tivesse concluído a leitura. Seu desabafo teria algum valor não fosse o autor da lavação de roupa suja protagonista do processo que hoje questiona, tendo permanecido como vice nos primeiros quatro anos e, depois, seguido no posto com a reeleição. Se ele já achava o governo tão ruim, se ele se considerava tratado como figura “decorativa”, como disse na carta, porque não saiu antes? Por que subiu no palanque e disputou um novo mandato? Espera-se comportamento covarde de um rato. Jamais, de um jurista com ambições de “unificar” e “pacificar” o país, termos caros a Michel Temer.
 
Como se tudo isso não bastasse, no STF (Supremo Tribunal Federal) advogados da União ainda tentam invalidar decisões do Legislativo sobre o rito do impeachment, como se a separação entre os poderes fosse história da Carochinha. E, cereja do bolo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (adivinhem só, do PMDB) avisou nesta semana que pode barrar o processo de impeachment mesmo se houver aprovação na Câmara. Tapetão puro. 
 
Dilma Rousseff precisa sair da presidência. Sobram razões. Se tivesse mínimo respeito pelos brasileiros, sua carta de renúncia teria sido apresentada há tempos, o que seria a solução menos conflituosa e traumática para uma crise que se arrasta sem perder força, tragando junto a esperança e a energia da nação. Que assuma Temer, com todos conscientes de que é um paliativo, não a solução. 
 
A mudança efetiva que precisa ser feita é inúmeras vezes mais profunda. Além de Dilma, há muita gente que precisa ser aposentada da vida pública e forçada a ajustar contas com a Justiça. Mas para uma limpeza dessas proporções, do tipo que impeachment nenhum dá conta sozinho, é preciso que haja o ingresso de gente de bem na vida pública, somada à máxima atenção do eleitor na hora do voto. Sem essa combinação de fatores, vamos continuar a trocar seis por meia dúzia - e jamais sairemos debaixo do fundo do poço no qual viemos parar.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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