A lição dos estudantes

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem se provado um homem de bem. Ao longo dos anos, construiu uma reputação de seriedade e eficiência

06/12/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“É melhor debater uma questão sem resolvê-la 
do que resolver uma questão sem debatê-la”
 
Joseph Joubert, filósofo francês
 
 
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem se provado um homem de bem. Ao longo dos anos, construiu uma reputação de seriedade e eficiência tão sólida que, na disputa em 2014 por um novo mandato, foi o primeiro colocado nas urnas em 644 dos 645 municípios paulistas. É um feito, especialmente porque o governador paulista não faz parte do time dos grandes oradores, nem tampouco é um político que desperta paixões no eleitorado com surpresas e grandes projetos. Faz o “feijão com arroz”, o que agrada em cheio milhões de paulistas. 
 
Exatamente por isso fica tão difícil entender o se passou na cabeça do governador quando ele autorizou Herman Voorwald, secretário de Educação, a implementar o plano de reorganização das escolas públicas da maneira como foi feito.
 
Não que a ideia seja absurda. Separar os escolas por ciclos, evitando que alunos próximos da fase adulta dividam o mesmo espaço com crianças, não parece ser exatamente ruim. Também resta óbvio que, ao separar por ciclos, até mesmo a adequação das instalações físicas seria melhorada, com chances de ganhos tanto para os jovens quanto para as crianças.
 
Evidentemente, tudo isso teria que ter sido minuciosamente explicado. Os objetivos e justificativas para decisões que impactam centenas de milhares de pessoas, com seus prós e contras, tinham que ter sido amplamente discutidos ao longo do ano com professores, pais, alunos, comunidade. Os estudantes e docentes das 93 escolas que o governo pretendia fechar por alegada “falta de demanda”, especialmente, mereciam ter sido informados com antecedência.
 
Nada disso foi feito. Pelo contrário, Voorwald, engenheiro de formação, preferiu uma irresponsável estratégia do tipo “tchã, tchã, tchã, tchã!”. Tratou do plano encastelado nos corredores da secretaria de Educação e anunciou as medidas, já consolidadas e fechadas num “pacote”, apenas no final de setembro, a dois meses do encerramento do ano letivo. Quis impor goela abaixo o seu “plano-surpresa”. Ninguém engoliu.
 
A reação, além de ruidosa, foi linda. Jovens, espalhados por diversas cidades e sem um comando único, começaram a ocupar as escolas onde estudam, de forma pacífica, organizada, disciplinada. Os próprios alunos se revezavam em tarefas como limpeza, preparação da comida, vigília e segurança, diálogo com os colegas que não participavam diretamente do movimento, interlocução com professores e com a comunidade. O objetivo era claro: chamar atenção e forçar o governo a recuar.
 
Ao final desta semana, 200 escolas estavam ocupadas no Estado. Em Franca, eram duas: “Suely Machado”, no Brasilândia, e “Orlik Luz”, no City Petrópolis. Tive a chance de conversar, na última quinta-feira, com dois representantes das ocupações. Ambos, inteligentes, preparados e educadíssimos.
 
João Vitor de Oliveira, 17 anos, mora no jardim Palestina. Trabalha numa oficina mecânica e já passou no vestibular para fisioterapia. Estuda na “Suely Machado”, onde cursa o terceiro ano do ensino médio. Acredita que não é justo que a escola seja desmantelada, especialmente porque a “explicação” não faz sentido. “Na prática, os ciclos já são divididos. O fundamental estuda à tarde, o médio de manhã e à noite”, argumentou. Durante o protesto, não deixou de trabalhar. Acordava cedo na escola, ia para oficina, dava duro o dia inteiro e voltava à noite para a ocupação. 
 
Ana Caroline Mariotti, 15 anos, mora no jardim Palermo. Cursa o primeiro ano do ensino médio na “Orlik Luz”. Trabalha numa fábrica de sapato, mas deu sorte de estar de férias, o que facilitou sua participação no movimento. “Não tem bagunça. Temos horários para cada uma das atividades, como cozinhar, limpar, organizar as coisas. Os banheiros são separados, tudo certinho”, fez questão de explicar.
 
Milhares de jovens como João Vitor e Ana Caroline sensibilizaram a opinião pública com o cuidado e o carinho que reservavam para as escolas onde passaram boa parte da vida, aprenderam tanta coisa, forjaram amizades. Difícil não se solidarizar com garotos lutando para que escolas não sejam fechadas. Impossível não se indignar com as imagens da tropa de choque da Polícia Militar, na Capital, marchando contra estudantes secundaristas que em nada se assemelham aos grupos radicais que depredaram bancos, lojas e instalações públicas nos últimos anos. 
 
Um dos preceitos mais elementares da ciência política ensina que não basta saber o que tem que ser feito. É preciso despender tempo e energia para convencer as pessoas do mesmo. Exatamente por isso, o grande líder não é quem decide e impõe, mas sim aquele que inspira as pessoas a fazer o que precisa ser feito. Ao ignorar isso, Voorwald deu um tiro no próprio pé, que ricocheteou e acertou em cheio Geraldo Alckmin, derrubando sua avaliação positiva para o mais baixo índice de seus muitos anos no comando do Palácio dos Bandeirantes.
 
Reparar o estrago não será fácil. O primeiro passo, pelo menos, Alckmin deu. A reorganização, como imposta pelo agora ex-secretário Herman Voorwald, foi cancelada. O governo se comprometeu ainda a voltar a discutir a questão, do zero, só a partir do início do ano letivo de 2016. Desta vez, de forma transparente, escola por escola, e com a participação de todos os envolvidos. Não poderia ter havido desfecho melhor. Que venham as próximas batalhas. Um grupo de estudantes paulistas mostrou que está mais do que pronto para a luta.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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