Uma desculpa muito mais que esfarrapada

Fui pego de surpresa, como milhões de brasileiros, com a prisão, na manhã da última quarta-feira, do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral

29/11/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“A estupidez humana é a única 
coisa que dá uma ideia do infinito”
 
Ernest Renan, filósofo francês

 
Fui pego de surpresa, como milhões de brasileiros, com a prisão, na manhã da última quarta-feira, do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT); do seu chefe de gabinete, Diogo Rodrigues; do dono do banco BTG/Pactual, André Esteves; e também com a ordem de prisão expedida contra o advogado Edson Ribeiro - que, em viagem a Miami, só acabaria detido na manhã de sexta-feira, tão logo pisou em solo brasileiro.
 
À medida em que, passado o susto inicial, as horas avançavam e mais circunstâncias da detenção do grupo vinham à tona, maior era a incredulidade de quem, como eu, imaginava já ter visto de tudo em matéria de safadeza política, desrespeito às instituições e alto grau de imbecilidade. 
 
Afinal, de que outra forma definir o conteúdo da gravação de uma hora e meia que revelava a indecorosa conversa na qual o senador Delcídio Amaral oferecia todo tipo de “ajuda” ilegal a Bernardo, filho do ex-diretor de Gás e Energia da Petrobrás, Nestor Cerveró, preso desde janeiro em decorrência da Operação Lava Jato? 
 
Prestes a firmar um acordo de delação premiada com os procuradores da República que o acusam de corrupção e desvio de dinheiro público, Nestor Cerveró era - e ainda é - um pesadelo para Dilma Rousseff. Foi ele que a presidente responsabilizou pelo parecer que teria embasado a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, por um valor dezenas de vezes superior ao real. Dilma era então a presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, naquele ano de 2006, quando o negócio foi concretizado.
 
Desde que o caso veio à tona - com crescentes e consistentes suspeitas de que o “mau” negócio teria sido apenas uma fachada para justificar o desvio de recursos públicos - Dilma Rousseff tenta se esquivar com a justificativa de que ela e os conselheiros foram induzidos a erro por um relatório falso produzido por Cerveró. Acontece que Nestor Cerveró garantiu aos integrantes da operação Lava Jato que Dilma não foi “enganada” coisíssima nenhuma. Segundo ele, a presidente Dilma conhecia todos os detalhes da operação. Sabia que a compra da refinaria era apenas fachada. E, entre os próceres petistas beneficiados pela fraude de Pasadena, estaria Delcídio, que teria embolsado uma propina US$ 1,5 milhão. Era isso que Cerveró se mostrava disposto a contar - e comprovar - à Justiça brasileira. Era tudo isso que amedrontava Delcídio Amaral a ponto de fazê-lo se expor de forma tão patética. 
 
Na conversa gravada no dia 4 de novembro, num quarto de hotel de Brasília, Delcídio diz ao filho de Cerveró que a delação premiada de seu pai - cuja cópia, ainda antes de homologada pela Justiça, fora obtida ilegalmente por André Esteves e repassada ao grupo - não deveria ser concretizada. E, se fosse, não poderia mencionar Delcídio nem Esteves. Em troca, o senador se propõe a muitas coisas. Nenhuma delas, lícita.
 
Delcídio diz que vai conversar com Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), sobre um habeas corpus para Cerveró, insinuando que tem como pressionar o ministro a conceder o benefício. Tão logo deixasse a cadeia, o que aconteceria, imaginavam os participantes da conversa, mediante o uso de tornozeleira eletrônica, eles quebrariam o dispositivo e aproveitariam a curta distancia para levar Cerveró fugido até o Paraguai. Um jato Falcon FX 50 estaria a postos para levar Cerveró direto para Madri. Como tem cidadania espanhola, ele estaria em tese protegido da extradição.
 
Paralelamente, o grupo também diz a Bernardo que pressionaria os ministros do STF Teori Zavascki, Dias Tófolli e Gilmar Mendes para que anulassem algumas das delações premiadas já realizadas. Assim, sustentavam que conseguiriam um efeito cascata, anulando toda a Operação Lava Jato. Enquanto tudo isso se desenrolasse, a família do ex-diretor da Petrobrás receberia R$ 50 mil mensais para as despesas do dia-a-dia, recurso que seria providenciado, assim como o jato, pelo solícito banqueiro.
 
Delcídio, Diogo, Edson e, por tabela, André Esteves, só não esperavam que Bernardo, o filho de Cerveró, preferisse, no lugar de compactuar com esta cretinice, entregar a gravação da conversa que fizera na surdina ao Ministério Público Federal. O efeito foi devastador. As prisões, imediatas. E as consequências, imprevisíveis.
 
Ainda assim, o que mais me intrigava, desde a quarta-feira, era saber o que diria o senador Delcídio Amaral diante de evidências tão robustas? Como explicar diálogos e maquinações como as que tinham sido expostas pela gravação de Bernardo? Que tipo de justificativa seria possível num caso desses?
 
Como descobriria, a pior possível. Nada de desculpas sinceras, algum arrependimento ou resquício de vergonha. Nem mesmo as manjadíssimas tentativas de se apoiar num “desequilíbrio momentâneo” foram apresentadas. Delcídio Amaral conseguiu ser, com o perdão do trocadilho, 100% cara de pau. No seu primeiro depoimento à Justiça, disse que ficou penalizado com a detenção de Cerveró e que resolveu agir por “questões humanitárias”. 
 
Gente como Delcídio Amaral não é apenas indigna. É também repulsiva, nojenta, asquerosa. Um marginal como ele, travestido de senador da República, tinha que ter como único endereço para o resto da vida a cela de uma penitenciária. Quem sabe ali, no silêncio do cárcere, além de tempo para refletir sobre seus atos, Delcídio Amaral pudesse encontrar ambiente mais adequado para suas desculpas esfarrapadas. E, também, para sua alma tão excepcionalmente caridosa.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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