O toque de Sadim e as luzes de Natal

A fábula do “toque de Midas” é, certamente, uma das narrativas da mitologia grega mais conhecidas. Difícil alguém que nunca tenha lido ou ouvido

15/11/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“Muitas pessoas que se prezam de firmes e constantes não são mais que teimosas e impertinentes”

Marques de Maricá, político brasileiro
 
 
A fábula do “toque de Midas” é, certamente, uma das narrativas da mitologia grega mais conhecidas. Difícil alguém que nunca tenha lido ou ouvido a lenda do rei grego que tinha o poder de transformar tudo o que tocasse em ouro. Sempre imaginei que, se Midas é o que faz tudo dar certo, deveria haver o oposto. Alguém que, mesmo diante da atividade mais óbvia e prosaica, faria tudo dar errado. 
 
Dia desses, topei com um livro escrito por Ricardo Bellino, empresário e palestrante. Bellino defende a existência de um tipo de gente, chamada por ele de “Sadim” (anagrama de Midas), que tudo que toca, vira porcaria. “Os ‘Sadins’ preferem camuflar ou ignorar seus fantasmas interiores, disfarçando sua insegurança sob um manto de arrogância e vaidade. Vem daí o dom que possuem de transformar em fracasso tudo o que tocam - por nunca admitirem que estão errados, não têm como aprender com os erros”, diz no livro. 
 
A diretora de Recursos Humanos e especialista em gestão de talentos Celia Spangher, num artigo publicado em 2010, também identificou o “toque de Sadim”. “Por arrogância, vaidade ou autoestima baixa, enfim, tudo que o cidadão toca, perde o brilho e a graça e acaba se transformando num retumbante fracasso”, ensina. “O que o Sadim intimamente deseja é contaminar tudo com seu toque cinzento e amargurado”.
 
Impossível não pensar no prefeito Alexandre Ferreira (PSDB) como um perfeito “Sadim”, capaz de transformar tudo em fracasso. Nestes últimos trinta dias, pipocaram novos “feitos” que reforçam esta óbvia constatação. Primeiro, a cidade foi surpreendida com o fim do contrato com o Hospital Allan Kardec, símbolo de caridade classificado como “depósito de gente” pelo delicado prefeito. Depois, veio a decisão de vetar a lei que obrigava os bancos a reforçar a segurança nas agências. Alexandre teve capacidade de dizer que a medida não tinha “interesse público”. Interesse mesmo tinha ele em agradar o Itaú que, sozinho, arcou com 20% das despesas de sua campanha eleitoral. 
 
Descobriu-se na sequência que Alexandre meteu o bedelho até para favorecer uma empresa de fachada na licitação para a escolha de quem recolheria os animais das ruas da cidade. A Justiça interveio, afastou a empresa protegida do prefeito e acabou com a farra. Para completar, a prefeitura confirmou que está cancelada a “Festa do Cavalo”, anunciada com pompa em 2014 com o objetivo de oferecer shows e competições de primeira linha. Como tudo em que Xandão mete a mão, deu errado e a “Festa do Cavalo” não passou da edição inaugural.
 
Mas nada supera a confusão que cerca a decoração de Natal. A tradição de iluminar os principais pontos da cidade remonta a 2002. Gilmar Dominici (PT) era o prefeito quando pela primeira vez a cidade experimentou uma decoração de Natal em larga escala. Juntos, Acif (Associação Comercial e Industrial de Franca), CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) e prefeitura investiram R$ 65 mil (cerca de R$ 140 mil hoje) para enfeitar parte do Centro, Leporace e Estação. 
 
A iniciativa foi um sucesso. A população adorou. Desde então, ano a ano, a história se repetia. A cada aniversário da cidade, Franca ganhava uma nova - e mais exuberante em relação ao ano anterior - decoração de Natal, com árvores cada vez maiores, mais anjos e estrelas, maior iluminação. O acordo era sempre o mesmo. A Acif entrava com dinheiro e os objetos de decoração. A prefeitura fornecia mão de obra para montar tudo. O resultado encantava. O Centro da cidade havia enfim se convertido em atração turística para toda região.
 
Mas, com Alexandre Ferreira, até mesmo o que está condenado ao sucesso, fracassa. Neste ano, quis “inovar”. Generoso como ele só, resolveu, ao invés de receber, transferir recursos públicos para uma entidade privada. Queria também gastar cinco vezes mais do que a entidade. Meio milhão dos cofres da prefeitura, cem mil dos bolsos da Acif. Tudo, sem licitação, em regime de urgência - e a apenas 18 dias do aniversário da cidade. 
 
Obviamente, a população chiou e a Câmara negou autorização para tal disparate. Também obviamente, Alexandre Ferreira quis culpar a Câmara pela falta da decoração, como se os vereadores, e não a prefeitura, tivessem mudado a forma de agir. Ninguém engoliu a justificativa. 
 
De tudo, restam três questões fundamentais. Por que, afinal, Alexandre Ferreira quis pagar para a Acif fazer a decoração de Natal, invertendo uma parceria que se provou acertada ao longo dos anos e burlando as licitações? Por que o presidente da Acif, Dorival Mourão Filho, homem honrado e sério, se sujeitou a uma palhaçada dessas? E por que, frustrado este absurdo, a Acif não mantém a oferta dos R$ 100 mil que estava disposta a gastar e cede também o material que tem estocado, com milhares de luzes, anjos e estrelas, para que a cidade possa ser decorada? Basta a prefeitura usar os funcionários da secretaria de Obras, como fez em todos os anos, que tudo fica pronto rápido. 
 
Se Alexandre Ferreira e a Acif assim não agirem e o Centro se reduzir a breu em pleno Natal, é porque de fato nunca pretenderam decorar coisa alguma e tudo não passou de coisa de Sadim. Jamais porque alguém foi contra a decoração de Natal. Muito menos a Câmara, a imprensa ou a população de Franca.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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