Inimigo íntimo

Se gosta de política, imagine você surpreendido pela notícia de que Lula aceitou um convite de Fernando Henrique Cardoso para se filiar ao PSDB

01/11/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“Nada mais doce, nada mais 
terno, do que um ex-inimigo”
 
Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro
 
 
Se gosta de política, imagine você surpreendido pela notícia de que Lula aceitou um convite de Fernando Henrique Cardoso para se filiar ao PSDB. Ou, então, que o presidente americano Barack Obama acabou de contratar o ex-comandante de Cuba, Fidel Castro, para chefiar a CIA (Agência Central de Inteligência). Se curtir esportes, pense em qual seria sua reação se Neymar dissesse “sim” a uma oferta de Maradona para defender a seleção argentina. Caso seja fã de gibis, pense no seu espanto ao ler que o Tio Patinhas fez da Maga Patalógica sua nova chefe de segurança encarregada de proteger a “moedinha número 1”. Se o seu barato for música, tente vislumbrar Paul McCartney assumindo os vocais dos Rolling Stones a convite do próprio Mick Jagger. Ou, caso goste mesmo é de super-heróis, imagine, como sugeriu o apresentador da rede Globo, Tiago Leifert, que Thor contrate Loki para participar da iniciativa Vingadores?
 
Absurdo, certo? Não se você for torcedor do Franca Basquete e tiver vínculos com a cidade que batiza o time. Afinal, nesta semana, o impossível aconteceu por aqui. Depois de uma discretíssima negociação que se estendeu por dois meses, o time enfim anunciou dois reforços para a temporada do NBB (Novo Basquete Brasil). Um deles, Nezinho, o arquirrival que enlouquecia a torcida no Pedrocão, enfurecia os atletas do Franca e, no mais das vezes, ainda levava a melhor, ora defendendo as cores do COC/Ribeirão, ora envergando a camiseta do Universo/Brasília.
 
Todos os ingredientes da história são surpreendentes. Para começar, o armador que colecionou títulos até não mais poder estava, aos 34 anos, sem clube. Seu último time, o Limeira, simplesmente fechou as portas. Havia algumas sondagens do Exterior, especialmente de um clube venezuelano, mas nenhuma robusta o bastante para fazer Nezinho afivelar as malas. 
 
Foi então que o atleta recebeu uma ligação. Do outro lado da linha, ninguém menos que Helinho, o hoje gerente executivo do Franca Basquete que foi durante anos o grande antagonista de Nezinho. Ambos armadores, ambos aguerridos, ambos talentosos e, por circunstâncias diferentes, ambos fora de quadra no mesmo instante. Nezinho, provisoriamente. Helinho, definitivamente, agora convertido em executivo do esporte. Coube ao gestor fazer a proposta: Nezinho estaria interessado em jogar no Franca? Não foi preciso muito tempo para que houvesse um “sim”. 
 
Começou, então, a dificílima tarefa de encontrar gente disposta a pagar a conta. Apesar das dívidas equacionadas e da administração profissionalizada como resultado da ação do “grupo gestor”, o cenário de crise havia reduzido a sonho a possibilidade de um patrocínio que viabilizasse um grande plantel. 
 
Bastou a possibilidade de ter Nezinho no Franca Basquete para que o cenário mudasse rapidamente. A Sorvetes Perfetto topou o desafio e fechou patrocínio para esta temporada. Os valores não são grandes o bastante para bancar uma equipe de ponta, mas foram suficientes para permitir a contratação de Nezinho e, de quebra, do jovem ala Isaac, outro egresso de Limeira. Não é pouca coisa.
 
A estreia de Nezinho será na noite desta terça-feira, contra o Macaé, no Pedrocão - o mesmo ginásio onde por uma década e meia o armador sempre foi hostilizado desde o instante em que pisava em quadra. Incontáveis vaias foram ali dirigidas ao atleta sempre que ele era marcado de perto por alguém, quando perdia um arremesso e, com especial prazer e entusiasmo, em todas as ocasiões em que errava um passe ou fazia uma bobagem qualquer. Que ninguém pense que Nezinho desgostava das “homenagens”. Pelo contrário, o grito enfurecido da torcida o estimulava. Acostumado a jogar em ginásios vazios Brasil afora, Nezinho já confidenciou a amigos que adorava sentir a vibração do poliesportivo cheio, o calor da torcida mesmo nas fases iniciais do campeonato, o clima de panela de pressão prestes a explodir. 
 
Neste novo ciclo que se inicia, já há muitas razões para comemorar. A primeira delas é a constatação de que Helinho é capaz de movimentos rápidos, ousados, surpreendentes - e precisos - também fora de quadra. Ignorar as adversidades econômicas, atrair Nezinho, convencer a diretoria da viabilidade do projeto e ainda ajudar a encontrar quem pagasse a conta é coisa para craque. Com a contratação de Nezinho, Hélio Rubens Garcia Filho já mostrou que tem tanto potencial fora da quadra quanto tinha dentro dela. 
 
A segunda é constatar que o Franca Basquete voltou a ser assunto. Time que não ganha, que não empolga, que não tem ídolos, tende a perder torcida. Era exatamente esse o caminho que trilhava o Franca Basquete apesar de todo o esforço do presidente Luis Prior, da diretoria executiva, do conselho deliberativo e do abnegado técnico Lula Ferreira. A contratação de Nezinho começou a mudar esta maré. Por todos os lugares, o Franca Basquete voltou a fazer parte das conversas. Sócios torcedores reativaram seus títulos. A imprensa ampliou a cobertura. O clima é de entusiasmo.
 
Nesta terça-feira, Nezinho vai entrar em quadra pela primeira vez com a camisa do Franca Basquete, observado de perto por Helinho - e por milhares de torcedores acostumados a vê-lo como inimigo. Tem tudo para ser uma noite e tanto. Agora, é torcer. Pelo time, e para que Nezinho não se aborreça se a gente gritar e xingar mesmo depois que ele fizer uma belíssima cesta de três. É a força do hábito.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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