O coordenador

Não sou do tipo que costuma se sensibilizar com relatos de gente que reclama da severidade dos professores de seus filhos. Não acredito que

25/10/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“As crianças têm que ter muita paciência com os adultos”
 
Antoine de Saint-Exupéry, escritor francês
 
 
Não sou do tipo que costuma se sensibilizar com relatos de gente que reclama da severidade dos professores de seus filhos. Não acredito que nenhum projeto educacional vá prosperar sem que haja um mínimo de disciplina dentro da sala de aula. Não aceito alunos que confundem o inconformismo típico da adolescência com agressões àqueles que têm a missão de educar. Acho inconcebível “estudantes” que ouvem música e dançam no meio da aula, que se recusam a fazer tarefas, ou que usam o celular enquanto um abnegado tenta transmitir conhecimento. Absurdo dos absurdos, há ainda alunos capazes de xingar e, no extremo, agredir fisicamente seus mestres, como temos visto se repetir com inaceitável frequência. Nada disso se confunde com um episódio que, tornado público nesta semana, expôs o comportamento errático de um coordenador pedagógico que atua na escola municipal “Rubens Zumstein”. 
 
O problema aconteceu na manhã de sexta-feira, 16 de outubro, no pátio da escola. Um grupo de crianças com idades entre seis e nove anos parece ter se entusiasmado com as brincadeiras na hora do recreio. Crianças que são, fizeram coisas de... criança. Correram pelo pátio durante o intervalo, fazendo “bagunça”. O tal coordenador não gostou. Mandou que parassem. Foi ignorado, como costuma acontecer com qualquer adulto que tenta interromper brincadeira de crianças. Inconformado, o coordenador reuniu toda a turma e colocou de castigo, no meio do pátio, debaixo do sol forte. Passou a fazer um longo sermão que teria se estendido por todo intervalo. Algumas crianças passaram mal em função do calor. Outras tiveram vermelhidão na pele, por idêntica razão. Houve mães que registraram tonturas nas crianças quando elas chegaram em casa. Inconformadas, decidiram reclamar. Tentaram falar com o coordenador, que se recusou a recebê-las. Procuraram a diretora da escola, também em vão. Restou prestar queixa na Ouvidoria, o que via de regra resulta em coisa nenhuma. Também denunciaram o caso à imprensa.
 
O Comércio noticiou o fato em sua edição desta sexta-feira, 23 de outubro. Instantaneamente, começaram a chover comentários de leitores. Um grupo se solidarizava com as crianças e suas mães e exigia providências. “Não é porque (as crianças) correm no recreio que não são educadas. Professores estressados, coordenadores e diretores pouco se importam (...) Hipocrisia”, vaticinou Maria Amélia.
 
A maior parte saiu em defesa do coordenador, ressaltando suas múltiplas qualidades. “É um profissional experiente e capacitado (...) Sei também que tem uma filhinha e é excelente pai. Então, o conhecendo, posso afirmar que essa história está totalmente mal contada (...)”, argumentou Josi Santos. “Um recreio dura em torno de 15 a 20 minutos. Se essas crianças estavam correndo e brincando no sol, foram advertidas e colocadas para sentar, gastaram parte desse tempo (...) A mãe ainda afirmou que não é primeira vez que o filho faz bagunça! Muito cuidado, essas crianças irão crescer e se tornar o que se não têm limites em casa e não podem ter na escola??”, atacou um leitor que se identificou como Rogério. 
 
Não faltaram inúmeros comentários lamentando a ausência das famílias nas escolas, a incompreensão da sociedade com o papel dos professores, as dificuldades inerentes à atividade de educar. Tudo verdade, é bom que se diga, mas nada que se aplique ao caso.
 
É importante reexaminar a queixa das mães e os detalhes registrados na notícia, com a cabeça fria, sem espírito de corpo. Várias crianças denunciaram o que houve. Ninguém negou que tenha ocorrido. As mães procuraram o coordenador e a diretora da escola. Não foram atendidas. Ninguém disse que o coordenador é mau caráter, inidôneo, pai de família negligente ou profissional despreparado. Apenas sabem de algum problema envolvendo seus filhos na manhã de sexta-feira, 16 de outubro, e legitimamente procuraram explicações. O que, repita-se, lhes foi negado. Nada mais.
 
Se nada do que relataram as crianças para suas mães aconteceu, por que o coordenador não se explica? Procurado pela reportagem do Comércio, recusou-se a falar. Preferiu ligar na rádio Difusora e ameaçar, mas, sobre o que houve, não disse uma palavra. Têm-se a versão das crianças e as alegações das mães sobre o castigo nos pequenos. Do coordenador, só silêncio. 
 
Boas pessoas também erram. Educadores, por melhores que sejam, não estão imunes a falhas. Pessoas éticas e decentes também têm maus dias, onde o estopim fica mais curto e a chance de cometer injustiças se multiplica. Nada que um pedido de desculpas não seja capaz de resolver. O que não pode é achar que os predicados profissionais ou o bom caráter isentem alguém de falhas. De responsabilidades. Da necessidade de se explicar. Esta premissa elementar vale para um presidente da República, para um prefeito ou vereador, para um empresário, médico, jornalista - e também, para um professor ou coordenador. 
 
Se crianças de seis a nove anos - e não adolescentes rebeldes, é importante que se reforce - foram punidas com castigo coletivo apenas por estarem brincando de forma entusiasmada no recreio, o coordenador precisa imediatamente se desculpar. Se outra coisa aconteceu, passa da hora de uma explicação, pública e detalhada. Se não fizer uma coisa nem outra, é quase certo que ele não seja exatamente uma pessoa tão virtuosa como imaginam seus ardorosos defensores. E, muito menos, um profissional em condições de ajudar no processo educacional de quem quer que seja. Simples assim.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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