Sobre crianças e sonhos

Fui um sonhador. Nos meus primeiros anos de vida, tinha comigo todos os sonhos do mundo. Eram tantos e tão diversos que, ainda hoje

11/10/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“A esperança é o sonho do homem acordado”
 
Aristóteles, filósofo grego
 
 
Fui um sonhador. Nos meus primeiros anos de vida, tinha comigo todos os sonhos do mundo. Eram tantos e tão diversos que, ainda hoje, me lembro de muitos deles em detalhes - e com muito carinho e emoção.
 
Uma das minhas ambições infantis era me tornar um alquimista, um tipo de “cientista” cujo conhecimento profundo em rituais ancestrais me permitiria fazer grandes descobertas. O interesse pelo assunto foi despertado quando ganhei um daqueles kits de química para crianças com suas pipetas, buretas, pozinhos e líquidos diversos. Como não se encantar com a soma de dois líquidos transparentes que resultavam numa “fórmula” roxa? De que forma não se surpreender com a solução que permitia a escrita “invisível”, só possível de ser lida se borrifada com o reagente certo? 
 
Aquilo tudo me fascinou de tal forma que, do alto dos meus sete anos, tinha certeza de que seria eu mesmo o futuro descobridor da minha versão da “pedra filosofal”. Queria “fabricar” diamantes a partir de uma fogueira. Tinha lido que os compostos do carvão e do diamante eram basicamente o mesmo, o carbono. Só não entendia como ninguém tinha “pensado” nisso antes. 
 
Assim, comecei a fazer fogueiras cada vez maiores numa chácara onde a gente passava os finais de semana. A cada vez que via a madeira em brasas, acreditava piamente que estava perto da solução. Não que meus objetivos para as “riquezas” fossem exatamente nobres. Tudo que queria era ir no Magazine Luiza e usar o “diamante” para comprar todos os brinquedos possíveis. Não deu. O máximo que consegui foi quase incendiar a chácara. 
 
Mudei de sonho. Na rua Manacá, onde morávamos, havia uma criançada sem fim. Era início dos anos 80, quando bandas de rock como Blitz e Ultraje a Rigor começavam a fazer sucesso. Tinha também o Balão Mágico e o Trem da Alegria. Se eles podiam, por que a gente não? E assim, decidimos montar uma banda. Não me lembro de todos que participavam, mas eu, Pim, Luiz Fernando, Luciana e Rafael fazíamos parte. Os preparativos para o sucesso que, tínhamos certeza, viria em poucas semanas, aconteciam na garagem da casa do ‘seo Fonseca’, avô da Luciana e do Rafael. Ali, a gente compunha as letras (graças a Deus, não sobrou nenhuma) e melodias na base do assobio. Não tínhamos instrumentos musicais porque nenhum de nós tocava porcaria nenhuma. Mas desde quando isso é obstáculo quando havia raquete de tênis velha, lata de tinta, lápis como baqueta e caneta bic quatro cores convertida em microfone? Fizemos “shows” antológicos aos quais ninguém jamais assistiu. Se havia talento musical em algum de nós, ficou bem escondido. Mas que os “ensaios” à noitinha eram incríveis, isso eram. 
 
Um pouco mais tarde, decidi que seria astronauta. Lia tudo sobre o assunto. Yuri Gagárin, o russo que foi o pioneiro no espaço, e Neil Armstrong e Edwin “Buzz” Aldrin Jr., os primeiros americanos a pisar na lua, eram meus heróis. Cheguei a decorar todas as missões espaciais até aquele momento. Sabia o nome da nave, dos tripulantes, o objetivo de cada missão. 
 
Esse já era sonho com cara de projeto. Planejava ingressar na Academia da Força Aérea e depois servir na base de Anápolis, em Goiás. Dali, como um dos melhores pilotos de caça, seria selecionado para participar do programa Top Gun em Miramar, nos Estados Unidos, que treina os pilotos mais habilidosos do mundo. Pronto, estaria a um pulinho de distância da Nasa, onde fatalmente acabaria selecionado para voar num ônibus espacial. Infelizmente, descobriria pouco depois, pilotos de caça precisam ter visão perfeita. A minha não chega nem perto do mínimo aceitável. Além disso, sempre estive acima do peso e, ainda por cima, sou brasileiro. Digamos que, estatisticamente, seria mais provável ser abduzido por um alienígena do que conquistar vaga num ônibus espacial. Mas, cá entre nós, ainda alimento a expectativa de pelo menos encontrar um ET qualquer dia desses.
 
Se não alcancei nenhum destes sonhos, além de outros tantos que também ficaram pelo caminho, o fato é que eles em grande parte me moldaram. Adoro história e as experiências dos alquimistas me inquietam até hoje. Amo música e sigo acompanhando a conquista do espaço. Entrei numa nave, no Air & Space Museum, em Washington, e já visitei a Nasa, na Florida. Além disso, ainda me casei com uma goiana nascida pertinho da base aérea de Anápolis. 
 
Hoje, quando vejo meus filhos com seus próprios sonhos, me sinto imensamente feliz. A Julia, já prestes a entrar na Faculdade, de onde pretende sair diretora de fotografia de cinema, mantém sonhos elevados e altruístas, agora já misturados com projetos e planos. João ainda é só imaginação. Faz performances musicais ao som de Coldplay e Maroon 5, suas bandas favoritas. Tem dias que quer ser fazendeiro como o avô, noutros encarna um pedreiro ou jardineiro, às vezes fala em ser “guerreiro”. Há horas em que quer ser jogador de futebol, ainda que seu biótipo - e o talento - não lhe favoreçam. 
 
Pouco importa. “Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”, ensina o escritor francês Victor Hugo. Enquanto houver esta inquietação que alimenta a alma de uma criança, haverá esperança de um futuro melhor. O importante é sonhar.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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