Comunista, eu?


| Tempo de leitura: 3 min
O tempo passou e me libertei da insensatez e de bobagens cometidas no passado. Sou capaz de lembrar sem mágoa, de pessoas que me ofenderam ou machucaram. Posso, inclusive, garantir que, como vovó dizia, quem semeia vento, colhe tempestade e, não raro, somos obrigados a engolir seco palavras amargas que foram ditas como ofensas e ameaças que nos fizeram para nos punir. 
 
Particularmente estou me referindo ao período da juventude quando aceitei toda a doutrinação a que me submeteram, e passei a defender com unhas e dentes teorias revolucionárias que prometiam construir um novo Brasil muito mais justo, equânime, respeitoso, com uma sociedade igualitária, sem classes sociais, baseada na propriedade comum dos meios de produção. Lembra disso? Pois é. Acreditei piamente. Saí defendendo a divisão de bens; a abolição das classes sociais; o tirar de quem tem muito e dar para quem nunca teve nada. Tinha como sociedade perfeita a Rússia, onde acabaram com as classes dos exploradores aristocratas e dividiram seus bens entre os mais necessitados, acreditava. Defendia a extirpação sangrenta dos nobres e não achava nada de mais que tivessem sido assassinados, pelas vilanias que cometeram com a classe operária, trabalhadora. 
 
No vácuo das ideologias modernas e progressistas, em plena adolescência, lia os discursos de Fidel, apaixonei-me por Guevara e não via graça alguma no divertimento burguês de ir ao cinema aos domingos, estrear vestido novo, ter namorado careta de calça apertada e boca justa na canela, paletó curtinho e gravata. Sentava nos bancos da praça para rir do desfile careta das menininhas que cumpriam a cartilha da moça cheia de graça: ir à missa, não andar de mãos dadas com o namorado a não ser que ele fosse, no jargão da época, namorado firme. Li tudo que tinha para ler. Vomitava teorias que faziam as menininhas arrepiarem como ‘amor livre’ e existencialismo. Tive adolescência e juventude bem movimentadas, portanto. Um belo dia, amadureci, não sem antes sofrer o pão que o diabo amassou por me sentir discriminada, culpando todo mundo pelas minhas agruras. Muito mais tarde, bem mais tarde, entendi que só podemos colher os frutos das espécies que plantamos. Que não há como colher flores de agradável toque, se espalhamos sementes de pimenta no nosso particular latifúndio... 
 
Visitei Cuba há pouco tempo. Atraída pela música, pela beleza natural conhecida através de fotos; pela história; tive o privilégio de ver, com meus próprios olhos, o que sobrou de alegada riqueza distribuída: escombros. Tiraram Batista, subiram os Castro. Fui ao interior de Havana, visitei fazendas. Não vi um trator moderno. Vi parelhas de bois amassando a terra, como na idade média. Vi casarões do centro totalmente descaracterizados e mutilados. O teatro maravilhoso à espera de reformas que demorarão acontecer. Vi pessoas amontoadas na porta do hotel pedindo sobras de papel higiênico, pasta de dentes, a pulseira que estava no meu braço. Vi prostitutas. Ouvi comentários sobre a ilha paradisíaca onde Fidel e seus filhos se escondem dos olhos do mundo. O motorista do taxi, quando perguntei o endereço de Fidel, respondeu: ‘Descubralo, usted. Matelo e diga que fué yo!’ Não me pareceu ter visitado um paraíso. 
 
Cheguei de viagem à Rússia. Vi riquezas incalculáveis nas construções, na arte, nas esculturas, nos teatros, na profusão de lojas de grife, vi ícones que me emocionaram pois que pintados quando ainda, aqui no hemisfério sul, pulávamos de galho em galho. Reconstruíram tudo que a revolução bolchevique derrubou: igrejas que tinham virado piscinas, palácios, prédios, casas, museus. Decoraram estações de metrô com objetos pilhados da antiga nobreza que oito milhões de pessoas, que por ali passam, vêem todos os dias. E voltei estupefata: com certeza, nem na Rússia existe mais comunista. Cuidado Brasil! 
 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
jornalista, escritora, professora - luciahelena@comerciodafranca.com.br
 
 

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários