Você que me lê, tem a impressão de já ter ouvido isso? Se usa celular, atrevo-me: já ouviu sim. Toca e você, sem conferir quem liga, atende. Ouve a frase várias vezes durante o dia. Esta semana, recebi 18 delas. Igualzinhas. Fui pesquisar com amigos. Eles também tem sido ‘sorteados’. Ao ‘está me ouvindo’, não adianta responder. Estará conversando com uma gravação. A voz de mulher volta: ‘Aguarde’. Se você já aguardou, sabe que a sequência é silêncio que permanece até a ligação cair.
Resolvi, esta semana, ir fundo na questão. Até construi uma teoria. Primeiro, fui a sites do tipo ‘Reclame aqui’. Há de tudo sobre esse imbróglio, inclusive — e por que não? — teorias de conspiração. A maioria das ligações provêm do (19) 992230383, mas há números de provedoras diferentes e DDDs idem. O que os igualé a mensagem, com mesma saudação e o silêncio. É ‘fenômeno’ nacional e democrático: meu telefone é Claro, mas chega também a telefones da Tim, Oi, Vivo e até aos fixos Net.
O gerador da chamada é insistente. Não há hora. Tenho sido acionado pré e pós meia noite. Como já conheço a mecânica, clico o ‘não atender’. Religiosamente voltam a ligar. Pouco tempo depois das ligações, meu celular ‘apita’ e lá esta, em minha caixa de mensagens, ‘aviso’ sobre a chamada, data, hora, seguido de — e, foi isso que me ajudou a construir a teoria — um recado comercial que pode ser esse ou outro: ‘Dicas Pet (...). Responda ‘PET’ para 555, R$ 3,99/sem (semana)’.
Pensando sobre, me veio o insight: empresa quer atingir determinado público, de determinada condição e classe social, e quer conversar diretamente com ele, sem intermediários. Opta pelo uso do celular, mas não tem cadastro. Conseguisse, não desperdiçaria um único centavo atingindo quem não lhe interessasse. Procura, então, provedoras de telefonia. A atrapalhar, ‘apenas’ o Código de Defesa do Consumidor que não admite uso de bancos de dados confidenciais para tal finalidade. Conjeturo, então, que provedora, ou provedoras, tenham cirado o caminho perfeito: liga a clientes escolhidos, não diz nada e... desliga, faz cair a linha. Atende um cliente em suas necessidades de marketing direto, presta o que pode considerar ‘bom serviço de aviso de ligações não atendidas a seus próprios clientes ’ e, de que quebra, pode vender serviços novos, três coelhos com uma só cajadada.
Na mensagem que enviará a seu usuário, esconde-se a burla: uma divulgação de serviço do contratante inicial.
Tecnicamente, é brilhante. A mensagem se replica em milhares de celulares, share para a empresa contratante. Se o usuário do telefone, inadvertidamente, envia ‘PET’ ao 155, contratará serviço permanente e pagará, descontado de seus créditos telefônicos, R$ 3,99 por semana. Ah, mas adulto não cai nessa, você poderia dizer. Sim, mas criança alfabetizada cai. Ao atender e ver ‘ligue a 555 e envie a palavra PET’ como um desafio, fará. Provedoras negarão, mas quem mais, além delas, tem acesso a seus cadastros?
Outras possibilidades estão nos sites de reclamações: ‘o banco de dados de clientes de provedoras de celular vazou, e estão sendo utilizados para práticas criminosas’; ‘também na telefonia da Net está acontecendo’ (pouca gente sabe, mas em 31 de julho de 2014 o serviço de informações econômicas Infomoney divulgou que a ‘Anatel autorizou a fusão da Embratel, Claro e Net). E tem, também, teoria de conspiração: usuário de Florianópolis disse que ouviu, durante o silêncio que se fez após o ‘alô, tá me ouvindo?’, alguém murmurar um ‘temos que segurar 30 segundos’, tempo que a sabedoria popular considera ‘o necessário para triangular um celular e cloná-lo’.
Não consigo deixar de perceber luzinha que se acende e apaga em minha mente e na de tantos brasileiros imersos neste país sem leis fortes e justiça eficiente: ‘otário, otário, otário’... Como diria Chaves, aquele, não o outro, ‘quem poderá nos defender?’
Luiz Neto
jornalista, editor de Opinião - luizneto@comerciodafranca.com.br
Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.