Números que assombram

Há 36 dias Franca acompanha o desenrolar de um pesadelo sem fim. Foi no sábado, 18 de julho, que o Comércio revelou, com exclusividade

23/08/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“O melhor governo é aquele em que há o menor número de homens inúteis”
Voltaire, filósofo francês
 
 
Há 36 dias Franca acompanha o desenrolar de um pesadelo sem fim. Foi no sábado, 18 de julho, que o Comércio revelou, com exclusividade, que um certo Pablo Mussolin, preso em Mairinque por falsificação de documentos e exercício ilegal de medicina, tinha atuado também no PS municipal “Álvaro Azzuz”. Para piorar, o tal Pablo era o mesmo que o Comércio tinha denunciado meses antes, em dezembro do ano passado, por ter recebido R$ 81 mil num único mês de trabalho. Na sequência foram ainda desmascarados, graças ao trabalho investigativo da repórter Priscilla Sales, mais sete falsos médicos que atuaram no PS de Franca. Dos oito nomes que o Comércio apontou até agora, nenhum estava errado. 
 
Foi apenas na tarde desta sexta-feira, 34 dias após a primeira denúncia, que a secretaria de Saúde, Rosana Moscardini, enfim aceitou falar abertamente sobre os falsários com a repórter que denunciou o esquema. Sem disfarçar a preocupação com os desdobramentos que o caso pode ter, Rosana recebeu Priscilla Sales (leia mais aqui) para um encontro que se estendeu por quase duas horas. A secretária falou muito, mas explicou pouco. Admitiu que conviveu com alguns dos falsários - um deles, “Dr. Naas Adonais”, na verdade Bertino Costa, tratava das escalas de plantão diretamente com Rosana - e insistiu que jamais desconfiou de qualquer coisa. 
 
Parece cada vez mais claro que os mecanismos de controle da prefeitura, se é que existem, são precários. A secretária, que não quis gravar entrevista, esquivou-se de explicar como era feita a verificação dos pagamentos ao ICV (Instituto de Ciências das Vida), mesmo se tratando de um contrato de quase R$ 20 milhões. Ao tentar justificar porque a prefeitura de Franca insiste em manter o tal instituto na operação dos dois prontos-socorros da cidade, foi evasiva: limitou-se a dizer que o contrato vence no dia 4 de setembro e que o Jurídico “estuda” se será ou não renovado. 
 
Num ponto, pelo menos, a secretária foi clara. Demorou, mas enfim foi possível saber quantas pessoas passaram pelas mãos dos falsários. O número é assombroso: sete dos oito falsários (sobre a última denunciada, Camila Cruz, ainda não há levantamento) foram responsáveis por prestar atendimento a 6.377 pacientes. Pablo, o primeiro preso, “cuidou” de 2.032 pessoas. Danilo Bringel, o falso pediatra, “atendeu” 2.874 crianças. Os pacientes remanescentes se dividem entre os falsários que usaram os nomes de João Saud (1.015), Naas Adonais (282), Camila Menossi (104), Cláudia Medeiros (55) e João Elias (15). 
 
Até agora, apenas 40 destes 6.377 pacientes foram convocados para uma nova consulta. A secretária acredita que os pacientes que passaram por falsários mas seguiram atendidos por médicos verdadeiros estão assistidos. Seus esforços estão concentrados naqueles que foram atendidos a última vez pelos falsários. Quantas pessoas compõem este grupo? Ela não sabe.
 
Numa projeção bastante otimista, se apenas 10% do total de pacientes tiveram como último atendimento o prestado pelos falsários, ainda assim teríamos neste instante 637 pessoas necessitando com urgência de uma consulta. Tudo que a prefeitura conseguiu até agora foi prestar atendimento a 6% destas pessoas - aqueles 40 pacientes de que fala a secretária. É de arrepiar.
 
Arrepia também constatar a cada vez mais inequívoca vocação do prefeito Alexandre Ferreira (PSDB) para fazer papel de palhaço. Nesta semana, de novo, Alexandre Ferreira comportou-se como um Bozo sem graça. O episódio ridículo aconteceu durante um evento na Apae. Terminada a cerimônia, a repórter Carolina Ribeiro perguntou ao prefeito, de forma polida e educada, se após a revelação de um oitavo falsário e diante da notícia de que várias prefeituras já tinham rompido contrato com o ICV, não seria o caso de Franca fazer o mesmo. “A nossa intenção é oferecer um serviço de qualidade a nossa população como nós estamos fazendo (...) Essa é a nossa função. Por exemplo, aqui nós estamos entregando essas cadeiras de rodas (...) No dia 27 nós inauguraremos um Centro de Especialidade de Reabilitação. É um centro que vai trazer a reabilitação (...)”, diz o arremedo de Arrelia. A repórter tenta, mais uma vez. Alexandre Ferreira sai andando, sem se referir aos falsários ou ao ICV, motivos da pergunta da jornalista. O vídeo completo está disponível no portal GCN. 
 
Enquanto o prefeito delirava na Apae, a CEI dos Falsários - composta por Daniel Radaeli (PMDB), Márcio do Florida (PT) e Jépy Pereira (PSDB) - fazia sua primeira blitz no PS “Álvaro Azzuz”. De cara, constatou que havia menos médicos do que o contratado, que a relação de nomes afixada não condizia com os profissionais que estavam na unidade e que havia ainda um médico escalado para fazer plantões todos os dias do mês, exatamente como fez o falsário Pablo Mussolin. 
 
Cinco prefeituras - Alumínio, Mairinque, Nova Odessa, São Roque, São José dos Campos - já romperam ou anunciaram que vão romper contratos com o ICV e a Innova (que operava junto com a primeira em algumas cidades). Aqui em Franca, por mais surreal que possa parecer, as “autoridades” responsáveis mantêm-se inertes. Absurdo dos absurdos, não descartam a hipótese de renovar uma vez mais o contrato. Que a CEI, a Polícia e o Ministério Público cumpram sua missão. Deste governo, a única coisa que podemos esperar é que termine logo. Nada mais.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.