Bolo de limão

O que você faria se, como líder de uma cidade com 4.500 servidores sob sua responsabilidade e mais de 350 mil pessoas a quem deve satisfações

16/08/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”
Maquiavel, filósofo italiano
 
 
O que você faria se, como líder de uma cidade com 4.500 servidores sob sua responsabilidade e mais de 350 mil pessoas a quem deve satisfações, ‘descobrisse’ que uma das empresas para a qual você terceirizou serviços de Saúde utilizou para execução das tarefas pelos menos seis criminosos que exerceram funções para as quais não estavam habilitados nem qualificados, e que se fizeram ainda passar por outras pessoas, usando nomes e documentos falsos?
 
Que medidas você tomaria se um jornal com sede na mesma cidade tivesse denunciado sete meses antes, baseado num relatório do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), que alguns destes “terceirizados” recebiam fábulas que ultrapassavam os R$ 80 mil por um único mês de trabalho, tudo “justificado” pelo absurdo argumento de que teriam cumprido 31 dias e noites de trabalho ininterrupto? Que tipo de providências adotaria se, para piorar tudo, você fosse submetido ao ridículo de ser informado pela imprensa que um dos recebedores deste supersalário era falso médico? 
 
O que você diria à população a quem deve o cargo que ocupa se pelo menos dois destes falsos médicos tivessem “tratado” pacientes que morreram em atendimentos supostamente negligentes? Que tipo de explicação daria para o fato de colegas seus que comandam outras prefeituras terem conseguido apurar que o grupo de falsários assinou ilegalmente pelo menos 60 atestados de óbito, enquanto sua equipe não consegue fazer estimativa semelhante?
 
Que tipo de justificativa você daria para o fato da sua administração ter pago R$ 19 milhões para a empresa dos falsários - quase duas vezes mais do que o previsto no contrato, que deveria se limitar a R$ 9,7 milhões - mesmo diante de uma ação do MPT (Ministério Público do Trabalho) que denuncia como irregular essa terceirização?
 
Que postura adotaria diante da decisão da Câmara Municipal de abrir uma Comissão Especial de Inquérito para investigar o contrato firmado pela prefeitura com o ICV, a empresa sobre a qual recaem, neste instante, todas as dúvidas do mundo?
 
Tenho a mais absoluta convicção de que qualquer pessoa de bem seguiria, mais ou menos, os mesmos passos. Primeiro, convocaria uma entrevista para pedir desculpas. Na remota hipótese de não ter havido má-fé de ninguém da prefeitura, o que só poderá ser descartado após rigorosa e profunda apuração, sobrou incompetência. Todos os pedidos de desculpas do mundo, verbalizados de forma clara e precisa, ainda seriam insuficientes. Mas, pelo menos, seria um começo.
 
As pessoas que passaram por atendimento seriam chamadas imediatamente para nova consulta. A convocação seria pública e os nomes dos falsários seriam divulgados pela prefeitura, para que as pessoas pudessem mais facilmente saber se foram ou não atendidas por eles. 
 
O contrato com o ICV seria imediatamente rompido e todos os pagamentos, suspensos. Outra empresa seria contratada emergencialmente para assumir o serviço até que as alternativas existentes fossem analisadas. Os valores pagos aos falsários seriam cobrados de volta do ICV, responsável pelos “profissionais” que escalou. Obviamente, a secretária de Saúde que permitiu este descalabro seria demitida.
 
Uma força-tarefa especialmente designada, reunindo servidores de carreira de reputação ilibada, começaria uma investigação independente. Cruzaria os dados dos atendimentos feitos pelos falsários com os nomes dos onze pacientes que morreram sob suspeita de negligência na rede municipal para saber se houve envolvimento dos bandidos nestas tragédias. Cada “receita” médica assinada pelos falsários seria levantada, bem como cada centavo pago. Todo o resultado do trabalho seria colocado à disposição da comissão de vereadores que também vai analisar o caso, assim como da imprensa, de forma cristalina. 
 
O que fez o prefeito de Franca, Alexandre Ferreira, diante de tamanho absurdo? Bolo. Não, não se trata de nenhuma piada. Alexandre Ferreira fez bolo. De limão, com direito a raspinhas na cobertura. Mais precisamente, quatro formas, especialmente para compartilhar com vereadores e seus assessores no refeitório da Câmara Municipal.
 
O bizarro café da tarde aconteceu na última quinta-feira. Imaginava-se que o prefeito tivesse uma agenda apertada, ainda mais diante de escândalos como o dos falsos médicos, que exigem providências duras, enérgicas e imediatas. Mas enquanto a população se assustava com as revelações de novos falsários que atuaram na cidade e se indignava com a manutenção do contrato com a ICV, Alexandre Ferreira investia seu tempo organizando um “lanchinho”. 
 
O prefeito determinou que uma dupla de assessores rumasse para a Câmara, logo depois do almoço, com duas formas de bolo cada. Ele mesmo chegou quinze minutos depois. Ficou quase duas horas comendo bolo com Adérmis Marini (PSDB), Cordeiro (PSB), Claudinei da Rocha (PP) e alguns assessores legislativos. Gostou tanto que prometeu aos convivas voltar nesta semana - e com uma nova receita.
 
Muito melhor seria que o prefeito reservasse suas habilidades culinárias e a aparente atração pelo ócio para os finais de semana. No meio do expediente, parar suas atividades para este tipo de “compromisso” enquanto há problemas tão sérios a tratar é tudo que a população menos gostaria de ver. Se isso provoca algum efeito, é apenas o de piorar ainda mais a sua imagem, hoje no “padrão-Dilma”, arrastando rumo ao abismo os vereadores que lhe fazem companhia em programas como a degustação do bolo de limão. Mesmo porque, de azedo, basta o seu governo.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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