Batom na cueca

Dizer que há um novo escândalo na prefeitura de Franca deixou de ser impactante faz tempo. Desde que Alexandre Ferreira (PSDB) assumiu

19/07/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“Ao examinarmos os erros de um homem, conhecemos o seu caráter”
Confúcio, filósofo chinês
 
 
Dizer que há um novo escândalo na prefeitura de Franca deixou de ser impactante faz tempo. Desde que Alexandre Ferreira (PSDB) assumiu, multiplicam-se episódios capazes de fazer corar qualquer pessoa de bem, e em tal volume e velocidade que é até difícil acompanhar seus desdobramentos. 
 
O discurso oficial é de uma torpeza ímpar. Quem quer que responda, de fato,  pela articulação das justificativas frente aos problemas  – houve um tempo em que essa atribuição era de Marcelo Facuri, mas me recuso a acreditar que ele ainda seja o responsável por tamanho desastre – sofre de amadorismo agudo. Ou de mau-caratismo explícito. Muito provavelmente, de doses idênticas dos dois males.
 
Tome-se como exemplo o recente escândalo da licença ambiental ilegal dos curtumes. Matéria exclusiva da repórter especial Priscilla Sales, publicada pelo Comércio na sexta-feira, revelou em detalhes como Alexandre Ferreira pressionou subordinados a levarem adiante um procedimento ilegal para isentar os curtumes de responsabilidades – e custos – ambientais. Há novos detalhes da história nas páginas 4 e 5 desta edição, mas para quem pegou o bonde andando, um pequeno resumo ajuda a entender o caso.
 
Curtumes são indústrias poluidoras. Como parte de suas responsabilidades, têm que tratar os resíduos do processo de beneficiamento do couro. Isso, em Franca, é feito pela Amcoa, associação que reúne os curtumes da cidade, num conjunto de lagoas no Distrito Industrial.  O processo de tratamento requer uma licença ambiental, que certifica que está tudo dentro da lei e que não há prejuízos à natureza. Em 2013, a Amcoa estava sem a licença. Era preciso fazer adequações nas lagoas, o que demandaria consideráveis investimentos, e quitar eventuais pendências, como multas, para obter uma nova certificação. Sem isso, os curtumes poderiam ser impedidos de operar. 
 
Ao invés de assumir o custo e resolver o problema, a Amcoa tentou dar um “jeitinho”. Seu diretor, César Figueiredo, procurou o prefeito Alexandre Ferreira. Foi recebido, com toda deferência, no paço municipal. Ambos pactuaram que a responsabilidade seria transferida para a prefeitura. Assim, Alexandre Ferreira determinou que o secretário Ismar Tavares pedisse a licença em nome do município, que ficaria responsável pelas adequações e eventuais multas ambientais. Ismar consultou o Jurídico, que afirmou ser a medida ilegal. Alexandre incorporou um “tô nem aí” e mandou fazer. Nada disse aos advogados da prefeitura sobre sua decisão. Para piorar, ainda “contratou” um funcionário da própria Amcoa, sem qualquer procedimento formal, e que ainda por cima é filho do diretor da Cetesb, o órgão fiscalizador, para “cuidar” da licença. Depois de alguma insistência, o grupo conseguiu que a Cetesb liberasse o documento. A Amcoa ficou então isenta de responsabilidades, assumidas pelo servilíssimo Alexandre Ferreira. Caso houv esse algum problema, “Xandão”, como gosta de chamá-lo o vice-líder Laércio do Paiolzinho (PP), usaria o nosso dinheiro para pagar a conta. Segundo o MP, tanta “generosidade” tinha uma só explicação: retribuir doações de campanha. “A razão pela qual os envolvidos articularam tamanha aberração jurídica foi para pagar a fatura da doação eleitoral”, disse o promotor Paulo Borges, textualmente, na denúncia.
 
E o que diz o prefeito diante disso tudo? Segundo “Nota à Imprensa” distribuída por sua delirante assessoria, o prefeito jamais atuou para que houvesse alteração de pareceres, nunca contratou ninguém da Amcoa para ajudar na elaboração do processo de licença ambiental, e ainda determinou “providências” para que a mesma fosse revogada. Suprassumo da hipocrisia, insiste que tudo é “exploração política”. Só faltou dizer que Alexandre Ferreira acredita em duendes.
 
Tivessem seus assessores se preocupado em ler o robusto material que embasa a ação proposta pelo Ministério Público, teriam poupado a si mesmos do ridículo – e o prefeito Alexandre Ferreira, da pecha de mentiroso. Marcos Setti, funcionário da Amcoa, filho de Francisco Setti, assessor da presidência da Cetesb, admitiu em depoimento que preparou a documentação para emissão da licença em nome da prefeitura. Márcio Rodrigues, há 25 anos na secretaria de Meio Ambiente, confirmou que cedeu o computador da prefeitura para que Marcos Setti pudesse trabalhar e ainda o ajudou a preencher os formulários. O parecer do procurador Joviano Mendes da Silva é claríssimo quando alerta que a licença não podia ser obtida em nome do município. O pedido de licença ambiental assinado pessoalmente por Alexandre Ferreira, de próprio punho, está nos autos. A gerente da Cetesb/Franca, Vera Barillari, contou que o secretário Ismar Tavares e o assessor Francisco Setti ligavam insistentemente pressionando pela liberação do documento.

Foi só depois de toda essa gente dizer tudo isso em depoimentos oficiais supervisionados por três promotores de Justiça – Paulo Borges, Fernando Andrade Martins e Yuri Mendonça – é que o prefeito, enfim, resolveu cancelar a licença. E foi apenas depois do Comércio publicar o caso que a prefeitura se manifestou publicamente. Mais conveniente, impossível. Mais descarado, também.
 
A denúncia oferecida pelo promotor Paulo Borges não deixa dúvida de que o prefeito tinha plena consciência de que estava agindo contra a lei, em pleno exercício do mandato, com todo o peso do cargo que ocupa. Há documentos assinados que comprovam isso e depoimentos que reforçam as acusações. “É batom na cueca”, ensina o ditado. O que mais é preciso acontecer  para a Câmara de Vereadores decidir instalar uma Comissão Processante e julgar o prefeito? A população, cansada e estarrecida, espera uma resposta.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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