Chuvas e trovoadas

Há mais de quinze anos participo da Francal. Nesta década e meia em que acompanho de perto o que acontece nos estandes montados nos pavilhões

12/07/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“Uma nação em crise não precisa de plano. Precisa de homens”

Eugenio Gudin, economista brasileiro
 
 
Há mais de quinze anos participo da Francal. Nesta década e meia em que acompanho de perto o que acontece nos estandes montados nos pavilhões do Anhembi, na capital paulista, vi muita coisa acontecer. De um tumulto gigante provocado pela presença de Xuxa Meneguel, com direito a repórteres pisoteados e estande que quase veio abaixo, tamanha a comoção, a filas imensas de gente à espera de uma foto ao lado de Sabrina Sato, Grazi Massafera e seus respectivos corpos tão esculturais que faziam qualquer um duvidar que fossem feitos de carne e osso.
 
Vi Edson Arantes, o talentoso repórter do GCN, entrevistar Edson Arantes, o gênio da bola até hoje reverenciado no mundo todo como “Pelé, o rei do futebol”. Vi também Bruna Marquezine ainda criança, muito antes de namorar Neymar, e Paolla Oliveira, lindíssima, num tempo em que seu fabuloso derrière ainda era visão exclusiva de poucos privilegiados. Acompanhei moças desesperadas atrás dos gigantes Giba, Bruninho e Emerson, da seleção masculina de vôlei, enquanto rapazes afoitos não escondiam o entusiasmo diante de Ana Hickmann e suas pernas de mais de 1 metro - cada.
 
Participei de cerimônias de abertura concorridíssimas. Eram tempos em que o presidente Lula, imune aos escândalos que começavam a pipocar, mantinha o respeito e admiração de milhões de brasileiros. Sua presença em qualquer evento exigia um esquema de segurança monstruoso - o que, no caso da Francal, significava restringir o acesso aos pavilhões, mesmo para os expositores, desde a véspera. Alguns anos depois tive a honra de ser apresentado ao vice-presidente da República, José Alencar, então chefe do Executivo em exercício em razão de uma viagem ao Exterior de Lula. Fiquei impressionado com a fala ao mesmo tempo mansa e firme daquele homem cuja morte, num futuro não muito distante dali, deixaria os brasileiros emocionados.
 
Trabalhei tanto em alguns “primeiros dias” de feira que não sobrava tempo nem para ir ao banheiro. Eram ocasiões em que se espalhavam pelos corredores do Anhembi governadores de Estado com seu séquito de secretários; senadores da República; deputados federais, estaduais, prefeitos e vereadores de uma miríade de partidos. Grande parte dessas autoridades passava pelo nosso estande e era difícil, no final do dia, selecionar o que merecia ser uma grande abertura de página e o que deveria ser reduzido para mera nota, quem teria foto estampada no jornal e os que seriam apenas mencionados nos textos. Quase sempre decidíamos embalados por música e o espocar de garrafas de champagne que vinham dos estandes vizinhos, cada um comemorando a seu modo os bons resultados de mais um dia de feira.
 
Nada perto disso vi neste ano. Os corredores com pouca gente, o reduzido tamanho dos estandes, a escassez de autoridades expressivas e a ausência de qualquer coisa que remotamente lembrasse uma comemoração eram sinais claríssimos de que vivemos um momento grave e singular. Não poderia ser diferente. A Francal não é um oásis dentro do Brasil. Antes disso, é um espelho, um reflexo direto dos ânimos e expectativas de quem produz neste país. Também é um termômetro e, como tal, suscetível às oscilações de temperatura. 
 
Não há, neste instante, um único indicador positivo, quer seja na economia brasileira, quer seja na indústria calçadista. A inflação acumulada dos últimos 12 meses se aproxima dos 9%. O desemprego cresce em ritmo acelerado e já risca os 8,5%. Franca teve o pior maio da série histórica de geração de emprego, com 603 postos de trabalho encerrados, e isso apenas na indústria. Projeções apontam ainda uma redução próxima a 15% no volume de calçados produzidos na cidade até o fim de 2015, com queda de 5,6 milhões de pares. 
 
Ao invés de cortar gastos, o governo federal pressiona com mais impostos para fazer frente a sua despesa insana e crescente. Só neste ano já pagamos 1 trilhão de reais em tributos diversos, enquanto os escândalos de desvio de recursos públicos se multiplicam, quer no plano federal, quer no municipal. Montadoras demitiram milhares, algumas varejistas seguiram o mesmo caminho, a construção civil está parada. Para piorar, a bolsa de Pequim despencou com o resfriado da economia chinesa, aumentando ainda mais os níveis de nervosismo dos economistas do mundo todo que já estavam à beira de um colapso com a crise grega. Não conheço ninguém que esteja eufórico e conto nos dedos de uma mão aqueles que me relatam “tranquilidade”. Neste contexto, esperar que a Francal fosse resolver o problema da indústria calçadista só mesmo para os fãs de carteirinha de “Pollyana”- ou para aqueles absolutamente alienados.
 
A crise existe, é real e precisa ser encarada. Por isso mesmo, e considerado o momento de incertezas, a Francal ajudou. Poderia ter sido muito pior. Quem foi, vendeu. Menos do que gostaria, mas ainda assim, vendeu. É sempre um acréscimo relevante à carteira de pedidos, o que impulsiona a produção e ajuda na manutenção do emprego. Não é pouca coisa quando o céu está cinza e as nuvens, carregadas. 
 
Agora, é arregaçar as mangas e trabalhar com máximo afinco. A hora exige sangue frio, ousadia e doses maciças de fé no país. O retrospecto nos ajuda. Ao longo das últimas décadas, os brasileiros já mostraram que têm tudo isso. E de sobra.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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